Campanha para as legislativas em Macau avança para os últimos dias ao estilo "mpop"

Plateia lotada, todos vestidos com as batas da lista; tambores chineses ao lado do palco e em cima candidatos e apoiantes, vários microfones, música e coreografias, é a campanha para as legislativas de Macau, estilo "mpop".

Lusa /
Foto: Lusa

  1. Os microfones vão mudando de mãos, reproduzindo os mesmos slogans com vozes diferentes, em frases curtas e escalas agudas, que terminam quase todas numa instrução de festa. Nesta altura, os tambores fazem-se ouvir bem alto e a plateia reproduz a última nota ouvida, ao mesmo tempo que agita bem alto o `merchandising` político que lhe é entregue no início do comício: mãos de plástico para bater palmas, números da lista com luzes de led, canudos maleáveis, leques, tudo com a mesma cor forte. No final, alguns destes "props" serão recolhidos.

As ações de campanha em Macau, restringidas às últimas duas semanas antes das eleições legislativas marcadas para o próximo dia 14, não assumem o objetivo de informar. Não há discursos nos eventos das seis listas que irão eleger 14 dos 33 deputados à Assembleia Legislativa. Outros 12 são escolhidos por sufrágio indireto, através de associações, e sete serão nomeados pelo líder do executivo, Sam Ho Fai.

Os eventos assemelham-se a concertos pop, género "kpop", entre as listas lideradas por candidatos mais jovens, ou género "pop old-style", com Elvis e Olívia Newton John ressuscitados, e até em chinês, entre listas lideradas por candidatos com outro juízo.

Estes comícios ao estilo "mpop" são praticamente ignorados pela população - e quando não são ignorados, alguns resultam em queixas para a CAEL (Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa), que sábado as admitiu, mas sublinhou, pela voz do seu presidente, Seng Ioi Man, que, "durante o período de campanha eleitoral, a propaganda é uma necessidade".

As concentrações são constituídas pelos membros das listas e pelas pessoas mobilizadas por estas, uns e outros vestidos com os mesmos uniformes. Mas não há políticos nos palcos e espetadores a ouvi-los. Nestes eventos, os políticos assumem-se como artistas. Por outro lado, também não há plateias, porque estas fazem parte da coreografia, desempenham um papel. Finalmente, há muito pouca gente para além de uns e de outros, isto é, pessoas a assistir que não estejam diretamente ligadas às listas.

a abstenção é o grande fantasma que paira por cima de todo o processo, que decorre pela primeira vez sob o enquadramento da nova lei eleitoral de abril de 2024, desenhada para "reforçar a implementação do princípio `Macau governada por patriotas`".

Ilia Chou, 40 anos, funcionária do setor financeiro, estava com uma criança e uma amiga a assistir a um destes comícios e parecia ser uma dessas poucas pessoas ali presentes não envolvida na lista que fazia campanha. Aceitou falar com a Lusa depois de já ter falado para outro microfone.

Ilia sentiu-se atraída pela lista que ali estava porque aquelas pessoas têm um "aspeto jovem e comunitário" e estão preocupadas em "oferecer perspetivas de progresso" aos jovens.

"Dado o atual clima económico desafiante, enfrentamos uma questão crítica: os nossos jovens têm agora menos opções do que antes. Este aspeto específico é o que mais me atrai nesta iniciativa", disse.

Mas "outros grupos também falam sobre juventude e emprego, quais são as diferenças? Por que gosta deste grupo em particular?", perguntámos. "Não os conheço [os outros grupos]. Bem, fui atraída pelos caracteres encantadores desta lista", respondeu.

"Acho esses quatro caracteres bastante encantadores", acrescentou Ilia, falam em "amor, o título é muito encantador, e a cor é rosa, parece muito acolhedora".

Não é só a campanha que é infantil e infantilizante. Os próprios programas políticos são, sem exceção, listas de pedidos a um "pai provedor", encarnado pelo executivo, que tem a responsabilidade de gerir uma reserva financeira confortável e em crescimento, alimentada pelas seis concessionárias do jogo em Macau.

Em agosto, a reserva financeira de Macau, que esteve sempre a crescer durante todo o primeiro semestre, atingiu as 647,3 mil milhões de patacas (69,2 mil milhões de euros), e encontrava-se aplicada em investimentos subcontratados, depósitos, contas correntes, e títulos de crédito.

As listas querem que seja também aplicada em coisas como a criação de um fundo de desenvolvimento e a reversão de 10% dos lucros para distribuição por todos os cidadãos, querem o aumento das pensões ou mais dinheiro em cupões de consumo, subsídios e licenças de maternidade, querem mais habitação social, querem a gratuitidade da saúde e do ensino superior, ou simplesmente exigem uma maior distribuição anual de dinheiro.

Também há exigências mais sofisticadas, como a promoção da diversificação da economia, medidas de apoio à transformação e modernização das Pequenas e Médias Empresas ou desenvolvimento da cidade inteligente, mas a parte mais significativa dos programas das seis listas aponta diretamente à distribuição de dinheiro pelo pai provedor, sob as mais variadas formas.

Os outros destinatários dos pedidos são as concessionárias de jogo, a que os candidatos se dirigem com avisos de que estão determinados a defender a prioridade dos residentes no acesso aos empregos melhor remunerados.

A taxa de desemprego de Macau está nos 2% e a dos residentes permanentes nos 2,6%. Ou seja, tecnicamente, Macau tem pleno emprego. Porém, como dizia à Lusa um candidato, a questão do emprego não tem a ver com estatísticas, apenas se prende com "perceção". Como quase tudo nesta campanha.

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