Canal da Mancha. Reino Unido quer devolver barcos com migrantes a França

por Cristina Sambado - RTP
Peter Nicholls - Reuters

A ministra do Interior britânica, Priti Patel, ameaçou devolver a França os barcos que transportam migrantes no Canal da Mancha antes de chegarem ao Reino Unido. Paris, que se opõe à medida, considera que proteger vidas humanas no mar é prioridade.

Priti Patel anunciou a medida depois de uma reunião com o seu homólogo francês, Gérald Darmanin, que terminou sem acordo sobre a forma de impedir as travessias.

Fonte do Governo de Boris Johnson afirmou à BBC que a medida só será colocada em prática em “circunstâncias muito restritas”.

A mesma fonte acrescentou que os detalhes operacionais ainda não foram oficializados.Priti Patel vai ser a anfitriã do último dia de reuniões dos ministros do Interior do G7, esta quinta-feira, que tem a imigração ilegal como o tema principal.

O Governo do Reino Unido afirma que está disposto a usar todas as estratégias à sua disposição para combater o tráfico humano. Já o Home Office (entidade responsável pela migração no Reino Unido) revela que continua a avaliar e testar uma série de opções seguras e legais para arranjar forma de impedir que pequenas embarcações façam a perigosa viagem de atravessar o Canal da Mancha.

O Daily Telegraph revela que Priti Patel garantiu apoio jurídico aos navios que redirecionarem pequenas embarcações para fora das águas britânicas.

Num tweet, Patel revela que manteve conversas construtivas com o ministro do Interior francês. “Deixei claro que parar travessias é uma prioridade absoluta para o povo britânico”.


Durante uma reunião anterior no final de julho, Londres comprometeu-se a pagar à França mais de 60 milhões de euros no período 2021-2022 para financiar o fortalecimento da presença de forças de segurança francesas nas costas.

Mas, de acordo com vários meios de comunicação britânicos, Patel ameaçou no início desta semana aos deputados que não pagaria os fundos prometidos enquanto não houver progresso do lado francês.
Proteger vidas é uma prioridade
França afirma que a medida é perigosa e desrespeita a legislação marítima. Segundo a qual, as pessoas em risco de perder a vida no mar devem ser resgatadas.

Gérald Darmanin frisa que “proteger vidas no mar é uma prioridade”.


Esta semana, mais de 1.500 migrantes cruzaram o Canal da Mancha de barco. O ministro do Interior de França frisa, numa carta enviada à sua homóloga britânica, que a posição francesa não mudou. E que empregar táticas de devolução “correria o risco de ter um impacto negativo na nossa cooperação”.

“A salvaguarda de vidas humanas no mar tem prioridade sobre as considerações de nacionalidade, status e política migratória, em estrito respeito ao direito marítimo internacional que rege as buscas e salvamento no mar. No que diz respeito ao tráfego e às condições de travessia do Canal da Mancha, a França não tem outra solução senão intervir na maioria das vezes nas disposições do direito internacional que regem a busca e salvamento no mar”.

O ministro francês do Interior acrescenta que, apesar de ter havido um aumento no número de pessoas que fazem a travessia do Canal da Mancha, isso se deve a contrabandistas que usam embarcações maiores e outras táticas, como barcos de aliciação.

Darmanin acrescenta que as autoridades francesas concordaram com o Reino Unido em “duplicar o número de pessoal destacado no controlo do Canal da Mancha” e foi oferecido o uso de um avião britânico para supervisionar a costa.

O governante francês também rejeitou uma sugestão do Reino Unido para a formação de uma força única para impedir que os contrabandistas usem barcos.

“A coordenação entre as nossas forças na costa é, segundo as próprias equipas, boa e eficaz. Não requer a construção de novas estruturas, por meio de um único centro de comando conjunto de forças”, sublinhou Darmanin. 300 a 400 quilómetros de costa
O deputado de Calais, Pierre-Henri Dumont, afirmou no início da semana que “nada” pode impedir as travessias de pequenos barcos, devido ao tamanho da costa francesa.

“O facto é que temos 300 a 400 quilómetros de costa para controlar todos os dias e todas as noites e é quase impossível ter polícia a cada 100 metros da costa”. A cidade de Calais está localizada no estreito de Dover, o ponto mais estreito do Canal da Mancha, sendo a localidade francesa mais próxima de Inglaterra.

Para Pierre-Henri Dumont, “não dar uma possibilidade às crianças de serem protegidas é algo que não deve ser tolerado na sociedade moderna. Estamos a falar de direitos e dignidade”.

Esta sugestão destrói as convenções da ONU em Genebra, que dão o direito a todos de solicitar asilo a qualquer país. O Reino Unido deixou a União Europeia, mas não deixou a comunidade internacional e a ONU”, recordou.
Mais 13.500 migrantes cruzaram o Canal este ano
Desde janeiro mais de 13.500 migrantes cruzaram o Canal da Mancha. Dos quais 1500 nos últimos dois dias, avança o jornal The Guardian.

Duzentos foram impedidos de cruzar o Canal da Mancha pelas autoridades francesas na segunda-feira. E 742 chegaram ao Reino Unido.

Os números do Home Office revelam que 785 pessoas cruzaram o Canal em pequenos barcos na segunda-feira, um número inferior ao total diário de 828 no passado mês.

As autoridades do Reino Unido tiveram de resgatar ou intercetar 456 pessoas na passada terça-feira e 301 na quarta. Já as autoridades francesas registaram 18 situações semelhantes.

Os esforços realizados pelo Reino Unido para combater a entrada ilegal no país através do Canal da Mancha evitaram, este ano, a chegada de mais de 10 mil pessoas, quase 300 detidos e 65 condenados por travessia ilegal.

Várias instituições de solidariedade instaram o Home Office a adotar uma “abordagem mais humana e responsável” em relação aos requerentes de asilo”.

A Amnistia Internacional do Reino Unido sublinha que as pessoas têm direito de pedir asilo no país. E recorda que os migrantes “apenas fazem viagens perigosas porque não existem alternativas seguras à sua disposição”.
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