Carta de Obama a Medvedev aborda escudo anti-míssil e política para o Irão

Uma carta de Barack Obama ao homólogo russo deixa antever a possibilidade de a Casa Branca rever os planos para a instalação de componentes de um escudo anti-míssil na Europa de Leste, caso Moscovo participe no cerco diplomático ao Irão. O Kremlin avisa que a ligação “não é construtiva”. O Presidente dos Estados Unidos garante que não se trata de uma moeda de troca.

RTP /
"À medida que reduzirmos a determinação do Irão, isso diminuirá a necessidade de termos um sistema de defesa anti-míssil" Kevin Dietsch, EPA

Logo após a partida de George W. Bush para o Texas, a nova Administração democrata dos Estados Unidos começou a multiplicar os sinais de que estaria preparada para rever o projecto de escudo anti-míssil, incluindo os planos para a instalação de baterias defensivas e radares na Polónia e na República Checa.

Durante o consulado de Bush, a defesa do projecto defensivo assentou sempre no argumento da ameaça colocada pelo programa nuclear iraniano aos aliados europeus dos Estados Unidos. Os estrategas de Obama admitem agora relegar o escudo para segundo plano, caso a Rússia reforce as fileiras diplomáticas do Ocidente. O cenário é levantado por altos responsáveis da Administração - em declarações repartidas pelo diário New York Times e pelas agências Associated Press e France Presse - e consta de uma carta do Presidente norte-americano remetida ao Kremlin.

A mensagem de Barack Obama “cobriu um conjunto alargado de assuntos, incluindo a defesa anti-míssil e a sua relação com a ameaça iraniana”, adiantou à Associated Press um responsável da Casa Branca, a coberto do anonimato.

“A sugestão é que a instalação de uma defesa contra mísseis poderia tornar-se desnecessária se, trabalhando em conjunto com a Rússia, a ameaça balística do Irão fosse tratada”, explicou o responsável.

Obama nega moeda de troca

O Presidente norte-americano veio entretanto esclarecer que a carta enviada a Dmitry Medvedev não teve por objectivo estabelecer uma ligação entre a política de Moscovo para as relações com o regime iraniano e o projecto defensivo dos Estados Unidos.

Barack Obama garante mesmo que o Kremlin não recebeu qualquer oferta de acordo.

Quanto às notícias avançadas pela imprensa, Obama afirma que "não caracterizam a carta com precisão".

"O que eu disse nessa carta é o que já disse publicamente. O sistema de defesa anti-míssil de que falámos na Europa não é dirigido contra a Rússia, mas sim contra o Irão", declarou em Washington o Presidente dos Estados Unidos.

Barack Obama admitiu, no entanto, que escreveu sobre a ligação entre a "necessidade" de uma tal rede defensiva e o controlo das ambições nucleares de Teerão: "O que eu digo na carta é que, à medida que reduzirmos a determinação do Irão em possuir armas nucleares, isso diminuirá também a pressão, ou a necessidade de termos um sistema de defesa anti-míssil".

Ligação “não é construtiva”

Também o Kremlin nega ter recebido “propostas específicas” por parte do Presidente dos Estados Unidos. Mas não deixa de esclarecer que qualquer política de moeda de troca a ensaiar pela Casa Branca estará sempre em rota de colisão com os interesses da Rússia.

Questionado sobre o teor da carta assinada pelo homólogo norte-americano, o Presidente russo, Dmitry Medvedev, disse tratar-se de um desenvolvimento “positivo”, mas traçou desde logo uma linha de demarcação entre o projecto defensivo norte-americano e o programa nuclear do regime dos ayattollahs.

“Espero que os sinais positivos que estamos a receber de Washington se traduzam em acordos. Se estamos a falar de quaisquer trocas, não é assim que a questão é colocada. Isso não é construtivo”, sublinhou Medvedev em Madrid, durante uma conferência de imprensa conjunta com o presidente do Governo espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero.

Sem citar directamente a carta de Barack Obama, o Presidente russo reiterou a oposição de Moscovo ao escudo anti-míssil, apelando ao estabelecimento, em alternativa, de um novo acordo de segurança na Europa. O projecto norte-americano, defendeu Dmitry Medvedev, deveria dar lugar a um sistema “comum” para fazer face a “ameaças globais”.

A confirmação da troca de correspondência coube à porta-voz do Presidente russo, Nataliya Timakova: “Recebemos essa carta. Foi, na realidade, uma reposta a uma carta de Medvedev a Obama. A carta continha uma avaliação da situação, mas não tinha propostas concretas sobre quaisquer decisões mutuamente vinculativas”.

Agenda “muito alargada”

Horas antes das declarações de Barack Obama, a secretária de Estado Hillary Clinton havia vincado que os novos agentes da diplomacia norte-americana estavam “no início do diálogo com a Rússia”.

“Temos uma agenda muito alargada. O que dissemos especificamente sobre a defesa anti-míssil na Europa foi que o projecto visou sempre interceptar quaisquer mísseis que pudessem ser disparados pelo Irão”, afirmou Clinton durante uma conferência de imprensa em Jerusalém.

“Tem sido essa a nossa posição. Continua a ser essa a nossa posição. Explicámos isso aos russos no passado. Quando digo nós, quero dizer o Governo americano. Continuamos a acreditar que temos de dar todos os passos necessários para nos protegermos e proteger os nossos aliados de uma potencial acção agressiva do Irão no futuro”, reforçou a chefe da diplomacia norte-americana.

Hillary Clinton planeia reunir-se na sexta-feira, em Genebra, com o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov.
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