Catástrofe no Rio Doce confronta Brasil com danos incalculáveis

por Graça Andrade Ramos - RTP
Vadilson Moreira Costa observa a partir da varanda da sua casa, na margem do Rio Doce, a água transformada em lama Ricardo Moraes - Reuters

Os Estados brasileiros de Minas Gerais e de Espírito Santo enfrentam há 12 dias um desastre de consequências ambientais e económicas “assustadoras”. A empresa responsável, a Samarco Mineradora, já foi multada, mas muitos danos podem ser irreversíveis.

No dia 5 de novembro, o colapso de uma barragem de contenção de resíduos de minério de ferro em Bento Rodrigues, Mariana, Minas Gerais, rebentou com a barragem seguinte, Santarém, libertando uma onda de 62 milhões de metros cúbicos de lamas tóxicas plenas de metais pesados.

A enxurrada destruiu a localidade de Bento Rodrigues e lançou-se Rio Doce abaixo, fazendo subir o nível do rio em quase dois metros. Em apenas 15 horas atingiu as cidades de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, a cerca de 100 quilómetros de Bento Rodrigues. 

A "onda de lama" tem vindo a descer o curso de água, turvando as águas até à opacidade total, depositando-se também no fundo do rio. À sua passagem morrem, aos milhares, peixes e plantas de um dos cursos estaduais mais importantes do sudeste brasileiro, que abastece ainda de água e de eletricidade milhares de pessoas.

Ao longo das margens do Rio Doce as populações mal tiveram tempo de se preparar, fazendo reservas de água e abandonando as zonas ribeirinhas.

Durante a última semana o volume da enxurrada baixou e o alerta de cheia foi retirado, mas as lamas continuaram a seguir o curso do Rio Doce, contaminado vários outros rios e santuários naturais.

Chegaram sucessivamente aos municípios de Piracicaba, Belo Oriente, Governador Valadares, Tumiritinga, Conselheiro Pena, Resplendor e Aimorés - completando aqui um percurso de 500 quilómetros.



Baixo Guandu, Colatina e Linhares deverão ser atingidas esta semana, antes de as lamas desaguarem no Oceano Atlântico na zona de Regência, após um percurso de 879 quilómetros. Aqui deverão afetar santuários marinhos de reprodução de aves e de tartarugas.
Estado de Minas Gerais paralisado
Centenas de empresas, desde produtores rurais – produtoras de leite e de carne - a empresas de saneamento ou de produção de celulose, tiveram também de suspender a atividade por vários dias, por impossibilidade de captar água do Rio Doce. Os danos estão ainda a ser avaliados.

Diversas barragens encerraram e suspenderam o fornecimento de eletricidade devido à densidade das lamas.

As autoridades montaram ainda uma operação de abastecimento de água a 800 mil pessoas que dependem do rio. Milhares de voluntários estão ainda a recolher víveres, água e outros produtospara enviar para a região.

O fornecimento, realizado através de camiões cisterna, obrigou os habitantes de várias localidades a longas filas de espera para obterem apenas o suficiente para as necessidades básicas. A situação foi especialmente caótica para os quase 250 mil habitantes da cidade de Governador Valadares.

Em Baixo Guandu, que teve mais tempo para se preparar, o caudal do Rio Guandu deverá ser desviado para abastecer populações e empresas.

À medida que apodrecem, milhares de toneladas de peixes, crustáceos e plantas enchem também o ar de odores nauseabundos, tornando difícil respirar.

Muitos habitantes deixaram de comprar peixe e outras plantas com receio de contaminação e os abastecimentos de víveres são uma preocupação a médio prazo.

Um barco encalhado na margem do Rio Doce após o rebentamento de uma barragem de lamas de minério em Bento Rodrigues. Todas as atividades económicas em torno do Rio Doce estão paralisadas há vários dias Foto: Reuters

Um peixe morto no Rio Doce, após uma enxurra de lamas de minério provocada pelo rompimento de uma barragem em Bento Rodrigues. O Rio Doce "está morto" e poderá nunca recuperar afirmam as autoridades brasileiras Foto: Reuters
Multas de milhões
O impacto do desastre na biodiversidade de Minas Gerais está ainda a ser avaliado.

Na passada quinta-feira a Presidente Dilma Roussef sobrevoou a região afetada e foi até à cidade de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, onde a distribuição de água foi caótica durante vários dias. Dilma anunciou multas iniciais de 250 mil milhões de reais – 61 milhões de euros - à Samarco Mineradora.

“A multa preliminar é de 250 milhões de reais, por danos ao ambiente e comprometimento da bacia hidrográfica, por danos ao património público e interrupção da energia elétrica", anunciou a Presidente, em conferência de imprensa. As multas causadas por danos materiais, ambientais e humanos podem ficar próximas dos mil milhões de reais.

O Ministério Público de Minas Gerais acordou na segunda-feira com a Samarco o pagamento de uma caução socio-ambiental inicial de mil milhões de reais – 245 milhões de euros -, a ser administrada pela própria empresa, sob auditoria a indicar pela procuradoria.

A empresa ficou ainda proibida de distribuir lucros e juros pelos acionistas enquanto não tiverem sido pagos os prejuízos.
Rio Doce "está morto"
Em termos ambientais o impacto da tragédia está ainda sob análise, mas calcula-se que tenha provocado danos, eventualmente irreversíveis, num raio de 700 quilómetros. As lamas depositadas nos fundos não só irão impedir a recuperação da fauna e da flora como manterão a água imprópria para consumo.

No dia 10 foram recolhidas amostras de três pontos do rio: no Centro de Governador Valadares, uma água muita densa de resíduos, outra dez quilómetros abaixo de Valadares e em Galileia.

"A do Centro estava inviável de captação, impossível de tratar", afirmou um dos responsáveis da empresa de saneamento local.

Foi detetada a presença de metais pesados como chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e até mesmo mercúrio, a quase 400 quilómetros de Bento Rodrigues.

"O Rio Doce está morto", concluíram dia 16 os serviços regionais brasileiros de saneamento, após análises às águas de uma das maiores bacias hidrográficas brasileiras terem revelado resultados "assustadores".

Luciano Magalhães, diretor do Serviço Autónomo de Água e Esgotos (SAAE) de Baixo Guandu definiu a situação como aterradora. "A situação pode ser resumida em duas palavras: rio morto."
Sete mortos e 600 desalojados
O rompimento da barragem Fundão, que danificou ainda uma outra próxima, chamada Santarém, arrasou Bento Rodrigues, destruiu mais de 180 imóveis e deixou sem abrigo 600 pessoas. Os prejuízos materiais superam os 100 milhões de reais, de acordo com cálculos preliminares do prefeito de Mariana, Duarte Júnior.

A tragédia fez ainda 11 mortos e quase 12 desaparecidos. Seis corpos, foram encontrados nos dias seguintes a jusante do rio, a mais de 100 quilómetros de distância de Bento Rodrigues.

Um dos corpos recuperados pelos bombeiros a mais de 100 Km do local da tragédia em Bento Rodrigues Foto: Reuters

Além da multa de 250 milhões de reais e dos mil milhões de reais bloqueados, a Justiça de Minas Gerais exige mais 300 milhões de reais à Samarco, para reparar parte dos danos às vítimas.

A empresa é ainda objeto de Ações Civis Públicas para pagar milhares de reais em multas, como a interposta esta terça-feira, dia 17, pela Associação de defesa dos Interesses Coletivos da Bahia, a exigir 10 mil milhões de reais para reparar os danos ambientais provocados.

A Samarco, cuja atividade está parada desde dia 6 de novembro, faturou, em 2014, 7,5 mil milhões de reais, com lucros líquidos de 2,8 mil milhões.
Mais barragens em risco
A Presidente do Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, Marilene Ramos, alertou para a falta de segurança das barragens brasileiras, lembrando que "este é o quinto desastre em dez anos".

A Samarco informou o Ibama de que comprou grande quantidade de "floculantes", um produto de origem vegetal que faz com que os sedimentos na água se aglomerem e se desloquem para o fundo.

Duas das barragens da Samarco, Santarém e Germano, apresentam ainda níveis de segurança abaixo do recomendado. A empresa reconheceu a gravidade da situação durante uma conferência de imprensa na tarde desta terça-feira. A Samarco está a levar para a região toneladas de terra para construir diques e evitar novas enxurradas.

A Samarco Mineradora está ainda a construir 20 quilómetros de diques para proteger mangueirais e a reprodução de espécies.
Tópicos
pub