Cessar-fogo no Líbano sob ameaça um ano depois
O Líbano assinala na quinta-feira um ano do cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah e que vive atualmente um dos seus piores momentos, à medida que Telavive intensifica os seus ataques e o grupo xiita recusa desarmar-se.
No último mês, Israel matou o principal comandante militar do Hezbollah, Haytham Ali Tabatabai, nos arredores sul de Beirute, realizou o seu ataque mais mortífero num ano, fazendo 14 mortos no campo de refugiados palestinianos de Ain el-Hilweh, e emitiu numerosos avisos de evacuação em várias localidades do sul do país, antecedendo vagas de bombardeamentos.
A escalada da tensão coincide com os esforços internacionais e intensa pressão dos Estados Unidos sobre Beirute para selar um acordo definitivo entre os dois países que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, é acusado de protelar.
A Força Interina das Nações Unidas no Líbano (FINUL), que termina o seu mandato em 2026, registou cerca de 10 mil violações do acordo de cessar-fogo.
Eis alguns pontos essenciais sobre o primeiro ano do acordo de cessar-fogo:
+++ Conflito de baixa intensidade +++
As autoridades de Beirute e de Telavive acordaram um cessar-fogo em 27 de novembro de 2024, com o apoio do Hezbollah, interrompendo um conflito que durou mais de um ano e fez 4.000 mortos, 16.000 feridos e 1,2 milhões de deslocados no Líbano.
Desde então, as forças israelitas continuaram a atacar o território libanês, que justificam com a presença de alegados membros do Hezbollah ou de instalações e depósitos de armas do grupo xiita pró-iraniano, em violação do acordo.
Desde o cessar-fogo, a FINUL registou cerca de 10.000 violações do acordo --- 7.500 aéreas e quase 2.500 terrestres --- só na sua área de operações ao longo da faixa fronteiriça, sem incluir incidentes no resto do país.
+++ Origem do conflito +++
O Hezbollah integra o chamado eixo da resistência apoiado pelo Irão e envolveu-se em hostilidades militares com Israel, logo após o início da guerra na Faixa de Gaza, em outubro de 2023, em apoio do aliado palestiniano Hamas.
Após quase um ano de troca de tiros ao longo da fronteira israelo-libanesa, Israel lançou uma forte campanha aérea no verão do ano passado, que decapitou a direção do movimento xiita, incluindo o seu líder histórico, Hassan Nasrallah, e vários outros responsáveis da hierarquia política e militar do Hezbollah.
A par dos bombardeamentos em grande escala, as forças israelitas introduziram tropas terrestres no sul do Líbano, onde continuam a manter as suas posições.
+++ Razões para a atual escalada +++
Praticamente desde o início do cessar-fogo na Faixa de Gaza, em 10 de outubro deste ano, Israel intensificou as suas vagas de ataques no sul e leste do Líbano, alegando que o Hezbollah está a tentar reconstruir as suas capacidades após os pesados danos que sofreu em 2024.
O objetivo de Israel é também obrigar o Estado libanês a acelerar a implementação do seu plano de desarmamento do movimento xiita até ao final do ano, que tinha sido apresentado pelo Exército e aprovado pelo Conselho de Ministros em setembro passado.
No domingo, após o ataque contra Haytham Ali Tabatabai, o primeiro-ministro israelita afirmou que não permitirá que o Hezbollah "recupere o seu poder" ou "volte a representar uma ameaça", esperando que o Governo libanês cumpra o seu compromisso de desarmar o movimento.
+++ Desarmamento lento +++
As autoridades libanesas estão a concentrar os seus esforços na faixa fronteiriça com Israel, onde o Hezbollah encerrou as suas atividades armadas em conformidade com o acordo de cessar-fogo e onde a FINUL relata ter encontrado mais de 360 depósitos de armas abandonados no último ano.
Contudo, no leste do país, nos subúrbios da capital Beirute e na região sul acima da área patrulhada pela ONU, o processo avança lentamente, face à recusa do Hezbollah em desarmar-se voluntariamente fora da faixa de fronteira com Israel.
O grupo xiita acusa também as autoridades de Beirute de ceder a pressões de Telavive e de Washington, ao mesmo tempo que o país continua sob ataque israelita.
As autoridades libanesas estão sob pressão internacional e de Israel, que ameaça aumentar ainda mais os seus ataques, mas enfrenta, por outro lado, o risco de um conflito interno se insistir no desarmamento do Hezbollah pela força.
+++ O caminho da negociação +++
O Presidente libanês, Josef Aoun, tem reafirmado o desejo de negociar com Israel, um apelo que reiterou na sexta-feira num discurso em comemoração do Dia da Independência do Líbano, proferido de forma simbólica a partir do sul devastado do país.
"Simultaneamente, os países amigos e irmãos do Líbano patrocinariam este processo, estabelecendo datas claras e confirmadas por um mecanismo internacional de apoio ao Exército libanês e auxílio na reconstrução do que foi destruído pela guerra", declarou o chefe de Estado.
No início do mês, Aoun acusou Israel de responder com agressão à sua disponibilidade para negociações.
O Líbano afirma que o seu frágil exército necessita de mais recursos para implementar o plano de desarmamento do Hezbollah, que, além da sua organização política, formou uma forte componente militar com apoio do Irão e estruturas financeiras e sociais paralelas ao Estado.
+++ Fim da missão da ONU +++
O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou em agosto o último prolongamento do mandato da FINUL até ao fim de 2026, após cinco décadas no terreno, e determinou uma retirada ordenada durante o ano seguinte.
Além das violações atribuídas a Israel do acordo de cessar-fogo, a missão da ONU tem relatado vários incidentes que incluíram soldados internacionais alvejados pelas forças israelitas, que negam que os ataques sejam intencionais.
A FINUL acusou também Israel de erguer muros de separação na região de Yaroun, no sul do país, "tornando mais de 4.000 metros quadrados de território libanês inacessíveis" aos habitantes.
O exército israelita rejeitou as acusações, reconhecendo no entanto que está a erguer uma barreira reforçada ao longo da linha de demarcação entre Israel e o Líbano, que, no seguimento da denúncia da FINUL, apresentou uma queixa ao Conselho de Segurança da ONU.