China. Continuam a ser transplantados os órgãos de condenados à morte

por RTP
Keith Bedford, Reuters

Um estudo académico australiano desvendou uma manipulação estatística levada a cabo pelas autoridades chinesas para sugerir que os órgãos transplantados provêm sempre de doações voluntárias. Desse modo, oculta-se a prática continuada das execuções capitais como fonte de órgãos para transplantes.

O estudo, assinado pelo doutorando da Australian National University Matthew Robertson sustenta que as autoridades chinesas de saúde pública têm falsificado sistematicamente os dados relativos às doações de órgãos, para poderem atribuir-lhes todos os fornecimentos requeridos pelas cirurgias de transplante.

Apesar de a China ter reagido à pressão internacional comprometendo-se, a partir de 2015, a não mais utilizar para transplante os órgãos de presos condenados à morte e executados, o estudo sustenta que a falsificação de dados indica a continuação dessa prática.

O investigador australiano, que publicou o seu trabalho no BMC Medical Ethics, diz ter descoberto que os números dos órgãos alegadamente transplantados correspondem sem falhas à aplicação de uma fórmula matemática e comenta: "Se se olha atentamente para os números de órgãos aparentemente recolhidos, eles correspondem ponto por ponto a essa equação artificial, ano após ano. São demasiado perfeitos para serem verdadeiros".

A excessiva perfeição das contas levanta suspeitas porque "estes números não parecem ser dados reais de doações reais. São gerados mediante uma equação. É difícil imaginar como se poderia chegar a esse modelo por mero acaso, o que suscita claramente a possibilidade de ter sido concebido para enganar".

Segundo o estudo da BMC Medical Ethics, a indústria chinesa de transplantação de órgãos vive da sua escassa ou nula tansparência, que torna impossível detectar a origem dos órgãos transplantados, precisamente para não ser possível distinguir os doados voluntariamente daqueles que são recolhidos coercivamente.

E prossegue explicando que essa indústria, reformada sob pressão internacional desde 2015, deixou efectivamente de basear-se apenas na transplantação de órgãos de prisioneiros ou executados, e deu lugar a "um programa de transplantações híbrido e complexo: doações voluntárias, incentivadas por grandes pagamentos de dinheiro, são aparentemente usadas junto com doadores não voluntários, marcados como cidadãos doadores".

Em teoria, existe na China o COTRS (China Organ Transplant Response System) que recolhe todos os órgãos destinados a transplantação. Nenhum órgão pode ser transplantado sem passar por esse crivo, e este encontra-se, por sua vez, sob a fiscalização da Sociedade Chinesa da Cruz Vermelha.

Entidades independentes como a International Coalition to End Transplant Abuse in China e o China Tribunal, dirigido por um antigo procurador do Tribunal Penal Internacional, Sir Geoffrey Nice, tinham denunciado que "a colheita coerciva de órgãos de prisioneiros de consciência foi levada a cabo durante um longo período de tempo e envolvendo um número de vítimas muito elevado".

Entre essas vítimas foram identificados membros da seita Falun Gong, mas também membros da minoria étnica uigur, que eram vistos como "banco de órgãos" e como cobaias para experiências médicas. Por isso aquele tribunal denuncia que "muitas pessoas sofreram sem razão mortes hediondas, e que outras podem sofrer uma sorte semelhante ... nada prova que esta prática tenha parado e o tribunal está convencido de que ela continua".

As autoridades chinesas tinham admitido em 2005 que era prática corrente usarem órgãos de prisioneiros e depois prometeram pôr termo a essa prática, primeiro em 2013, depois em 2014 e finalmente em 2015, afirmando que desde então cumpriram o compromisso. O estudo australiano levanta dúvidas precisamente sobre esta declaração de boas práticas.

Por ser dado crédito à declaração, a  task force da Organização Mundial de Saúde dedicada às transplantações aceitou cirurgiões chineses como seus membros de pleno direito. Mas o crédito e a confiança são agora postos em causa pelo estudo australiano.
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