Mundo
China. Empresas fornecem serviço de "fingir que se está empregado"
Estão a proliferar na China empresa sque fornecem espaços de escritório a quem opta esconder o constrangimento de contar à família de que está desempregado. O fenómeno é conhecido por "fingir que se está empregado", pode custar perto de quatro euros por dia e inclui um espaço de escritório e almoço.
De acordo com um relatório no Pequim Youth Daily, embora não haja contratos ou chefes, algumas destas empresas chegam a simular tarefas fictícias ou mesmo fingir ser-se um gerente com o próprio escritório.
Na província de Hebei, no norte da China, um internauta anunciou um espaço de escritório: “Por menos de quatro euros por dia, pode trabalhar aqui das 10h às 17h, com o almoço incluído”.
Num outro anúncio, um pouco mais caro, é oferecida a possibilidade de o cliente ser fotografado numa cadeira em pele como se fosse um “chefe” para tranquilizar a família. Custa cerca de seis euros.
A ideia é garantir a descrição a quem se sente envergonhado por enfrentar uma situação de desemprego. Pagar a empresas para que uma pessoa possa fingir que está a trabalhar para elas tornou-se popular entre os adultos jovens e desempregados na China.
“Fingir que se está empregado”
Face os constrangimentos económicos, a China tem visto empregos reais cada vez mais difíceis de encontrar. Pagar a empresas para que uma pessoa possa fingir que está empregada tornou-se popular entre os adultos jovens e desempregados que preferem ir para um escritório do que ficarem presos em casa e enfrentar a família.
Shui Zhou tem 30 anos e trabalhava no ramo alimentar que falhou em 2024.
Decidiu, em abril deste ano, começar a pagar 3,6 euros, por dia, para entrar num escritório de maquetes administrado por um negócio chamado Pretend To Work Company, na cidade de Dongguan, a 114 km ao norte de Hong Kong.
Zhou conta que deu de caras com a Pretend To Work Company enquanto navegava na rede social Xiaohongshu. Agora revela que sente que o ambiente do escritório melhorou a sua autodisciplina e já está lá há mais de três meses.
Pretend To Work Company. O proprietário, Feiyu, garante que está a vender "dignidade" às pessoas | Imagens: X/@tongbingxue
O fenómeno está a crescer em cidades como Shenzhen, Xangai, Nanjing, Wuhan, Chengdu e Kunming, onde parecem escritórios totalmente funcionais e equipados com computadores, acesso à internet, salas de reuniões e salas de chá.
Aqui, estes clientes podem utilizar os computadores para procurar emprego ou para tentar desenvolver projetos próprios, pagando a taxa diária.
“O fenómeno de fingir trabalhar agora é muito comum”, afirma Christian Yao, especialista em economia chinesa e professor da Escola de Gestão da Universidade Victoria de Wellington, na Nova Zelândia.
“Devido à transformação económica e à falha de sincronismo entre a educação e o mercado de trabalho, os jovens precisam desses lugares para pensar quais os próximos passos. Estas empresas de escritório são soluções de transição”, sublinha.
Somam-se relatos de quem esconde o desemprego
Por toda a China surgem relatórios de pessoas desempregadas que escondem a sua situação de desempregado das famílias
Jiawei, um ex-funcionário de comércio eletrónico de Hangzhou, no leste da China, revela à publicação Yunxi Technology que depois que a sua empresa faliu, ele passou os dias numa cafeteria à procura de empregos e a enviar currículos.
“O desemprego é stressante, mas eu não queria passar essa negatividade para a minha família”, argumentou.
Jiawei deixou a cafeteria e ocupou uma secretária numa dessas empresas de escritório. Passou a fazer o horário normal de trabalho e ocasionalmente fica até mais tarde para "fingir horas extraordinárias".
Também Chen, com 29 anos, ex-funcionário de uma empresa de semicondutores da província de Hubei, no centro da China, testemunhou ao South China Morning Post que depois de se ser demitido no ano passado, optou por "não contar à namorada".
“A sociedade coloca muita pressão sobre as pessoas para ter sucesso, e os jovens adultos às vezes definem as suas expectativas de emprego muito altas. O choque súbito de perder um emprego pode levar à depressão”, sustenta Zhang Yong, professor de trabalho social da Universidade de Ciência e Tecnologia de Wuhan, no centro da China.
Zhang defende que os desempregados devem procurar aconselhamento profissional em vez de esconder as suas lutas.
“Eles precisam de ser honestos perante a sua situação, entender o mercado de trabalho, serem claros com as famílias e construir uma mentalidade mais saudável sobre as escolhas de carreira”, acentuou.
Zhang defende que os desempregados devem procurar aconselhamento profissional em vez de esconder as suas lutas.
“Eles precisam de ser honestos perante a sua situação, entender o mercado de trabalho, serem claros com as famílias e construir uma mentalidade mais saudável sobre as escolhas de carreira”, acentuou.
Biao Xiang, diretor do Instituto Max Planck de Antropologia Social na Alemanha, alerta que “fingir trabalhar é uma concha que os jovens encontram por si mesmos, criando uma ligeira distância da sociedade dominante e dando-se um pouco de espaço.”
Pretend To Work Company
O proprietário da Pretend To Work Company na cidade de Dongguan tem 30 anos e com usa um pseudónimo - Feiyu. Explica que ele próprio ficou desempregado durante a pandemia de covid-19. “Eu estava muito deprimido e um pouco autodestrutivo”, recorda.
Pretend To Work Company
O proprietário da Pretend To Work Company na cidade de Dongguan tem 30 anos e com usa um pseudónimo - Feiyu. Explica que ele próprio ficou desempregado durante a pandemia de covid-19. “Eu estava muito deprimido e um pouco autodestrutivo”, recorda.
Feiyu diz que 40 por cento dos clientes são recém-formados e "vêm aqui tirar fotos para provar a experiência de estágio". Os outros 60% são freelancers, muitos dos quais são nómadas digitais pelo que, na prática, o espaço funciona como um pequeno espaço de coworking (modelo de trabalho que se baseia na partilha de espaço e recursos de escritório).
Sublinha que apesar de se "usar mentiras para manter a respeitabilidade", pode "permitir que algumas pessoas encontrem a verdade”. “Se apenas ajudarmos os utilizadores a prolongar as habilidades de atuação, somos cúmplices de um engano suave", defende.
O jovem empreendedor acredita que esta iniciativa “pode criar uma nova oportunidade de emprego” e defende: “O que eu estou a vender não é uma estação de trabalho, mas a dignidade de não ser uma pessoa inútil”.