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Comissão Europeia avança com proposta para o fim da mudança da hora. E agora?

por RTP
A proposta legislativa que virá a ser apresentada pela Comissão Europeia, para avançar, terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu e Estados-membros Regis Duvignau - Reuters

Depois de 84 por cento dos europeus terem votado a favor do fim da mudança dos relógios, a Comissão Europeia anunciou esta sexta-feira que vai avançar com a proposta para a eliminação da mudança de hora no espaço comunitário. Para os europeus, manter o horário de verão parece ser uma escolha simples. Já os especialistas argumentam que a questão não é assim tão linear e explicam que poderá originar complicações a vários níveis.

O inquérito lançado pela Comissão Europeia questionava a opinião dos cidadãos europeus relativamente à permanência ou eliminação do horário de verão. Uma maioria “muito clara” de 84 por cento dos cidadãos pronunciou-se a favor do fim da mudança da hora.

Bruxelas deixa claro que o inquérito em causa se tratou de uma sondagem e não de um referendo, o que significa que o voto esmagador contra a mudança horária não implica necessariamente a sua eliminação automática.

No entanto, a proposta do fim da alteração da hora poderá mesmo entrar em vigor, segundo afirmou o presidente da Comissão Europeia: “Quando se consulta os cidadãos sobre algo, convém de seguida fazer aquilo que eles desejam", disse Jean-Claude Juncker em declarações à emissão televisiva pública alemã ZDF.

"Milhões de cidadãos disseram que não querem mudar os relógios nunca mais. A Comissão Europeia fará o que eles dizem”, acrescentou Juncker. No entanto, o processo não é assim tão simples. Respondemos a várias questões que se impõem após a votação dos cidadãos europeus.
Portugueses de acordo com maioria
Durante 43 dias, mais de quatro milhões de pessoas responderam ao inquérito, um número histórico em comparação com consultas anteriores. A maioria das respostas veio da Alemanha, com uma taxa de participação, em percentagem da população nacional, de 3,79 por cento.
Portugal teve uma participação no inquérito de 0,33 por cento. O Reino Unido foi o país com menor percentagem de participação: 0,02 por cento.
Em sintonia com o resultado europeu, Portugal está de acordo relativamente à manutenção do horário de verão: 85 por cento dos portugueses que participaram no inquérito querem permanecer neste horário.

Em comunicado, a Comissão Europeia realça que “os resultados preliminares indicam também que mais de três quartos (76 por cento) dos participantes consideram que a mudança de hora duas vezes por ano é uma experiência «muito negativa» ou «negativa»".

Como justificação para o voto a favor do fim da alteração da hora, utilizam argumentos como o "impacto negativo na saúde, o aumento de acidentes de viação" ou uma poupança de energia pouco significativa. Mas o que muda para já em concreto?
O que vai mudar?
A maioria europeia mostrou-se favorável à inalteração dos relógios. Manter o horário de verão parece ser uma escolha simples para os cidadãos. No entanto, para os especialistas, a questão não é assim tão simples e sublinham que pode mesmo originar complicações a nível biológico e também económico.

Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, explica que, a concretizar-se a fixação da hora, passará a existir um grande desajuste entre o horário solar e a hora marcada nos relógios, mais exatamente um desvio de 1h40.

“Quando o relógio marcar 12 horas, na realidade o sol ainda não está no meio-dia solar”, explica Rui Agostinho.

Acrescenta que o comportamento humano pode não corresponder ao horário mecânico, uma vez que está habituado a responder ao horário solar: “As hormonas reagem à luz solar e não à hora do relógio”.



Às 7h da manhã ainda será noite escura e o sol só irá despertar perto das 9h. Rui Agostinho alerta para os vários perigos de obrigar a população a "levantar-se com as estrelas", nomeadamente em relação aos acidentes rodoviários.

“O que vai acontecer à taxa de acidentes? Vai aumentar, obviamente”, afirma o diretor do Observatório Astronómico.

Problemas a nível de aproveitamento escolar e relacionados com negócios comerciais também serão uma consequência pela opção de se manter o horário de verão, alerta o responsável.
Quando se começou a alterar a hora?
A alteração dos ponteiros do relógio remonta a 1916, com o objetivo de poupar energia durante a Primeira Guerra Mundial. Portugal adotou o sistema no mesmo ano, tendo sido dos primeiros países a seguir a medida. Atualmente, a medida é adotada em praticamente todos os países do continente europeu.

No entanto, em Portugal, a adoção da mudança de hora foi um processo conturbado, não tendo existido horário de verão durante alguns anos. Entre 1992 e 1996, o Executivo de Cavaco Silva decidiu que Portugal adotaria a hora da Europa Central, de acordo com o meridiano de Berlim. O objetivo seria ter os mesmos horários que os nossos parceiros europeus, de forma a favorecer os negócios.

No entanto, o desfasamento em relação ao horário solar era muito grande, chegava a duas horas e meia, com o dia a prolongar-se até depois das 22h na altura do verão. Desta forma, a partir de 1996, Portugal passou a adotar o horário que vigora atualmente, seguindo o fuso horário do meridiano de Greenwich (GMT). Desde esse ano, todos os países da União Europeia passaram a adotar o horário que avança uma hora no relógio em março e atrasa uma hora em outubro.
Prós e contras
O atraso dos ponteiros do relógio é motivo de debate há várias décadas, contando-se dos dois lados da balança vários benefícios e desvantagens.

As principais razões apontadas para a implementação do horário de verão são a economia de energia, a maior segurança rodoviária e o aumento do tempo de lazer antes do anoitecer. Em 2007, a Comissão Europeia publicou um relatório onde concluía que a alteração da hora constituía um benefício a vários níveis e não existiam motivos para a mudança.

Entre a lista de conclusões presentes nesse relatório relativamente aos transportes, Bruxelas mencionava que “a plena harmonização do calendário permitiu suprimir os obstáculos mais importantes observados no passado”.

Para além disso, acrescentava que “a hora de verão contribui para uma poupança de energia pelo facto de se utilizar menos eletricidade em iluminação ao fim do dia, visto haver mais luz natural”.

Agora, onze anos depois, a Comissão Europeia explica que alguns desses argumentos se baseavam-se em benefícios de impacto reduzido, nomeadamente a nível económico. Bruxelas diz no documento publicado após o inquérito aos europeus que a mudança horária tem impacto "marginal" na economia de energia durante o verão, com uma poupança entre 0,5 e 2,5 por cento, citando vários estudos sobre o tema.

Já as vantagens no setor dos transportes não são claras, não se tendo conseguido comprovar que o risco de acidentes diminui devido à mudança da hora. Reconhecem, por outro lado, que o impacto no relógio biológico - que se expõe na forma de cansaço ou falta de concentração – “pode ser mais acentuado do que se pensava anteriormente”.
O que se segue?
O inquérito surgiu na sequência de uma resolução do Parlamento Europeu, que comprometeu as instituições europeias a recolherem a opinião dos europeus acerca do horário de verão, questionando se são a favor ou contra a existência desse horário. Foi lançado pela Comissão Europeia a 5 de julho e os cidadãos dos vários países puderam responder ao inquérito até 16 de agosto.

Os resultados preliminares foram agora conhecidos e nas próximas semanas é esperado que se revelem os dados oficiais.

No relatório sobre este inquérito, Bruxelas ressalva que o fim da mudança da hora "não teria qualquer efeito na escolha do fuso horário", o que significa que cada país terá liberdade de escolha. No entanto, o Parlamento Europeu defende que se mantenha um "regime [horário] unificado europeu", de forma a promover o comércio.

Para avançar, a proposta legislativa que virá a ser apresentada pela Comissão Europeia terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu e por cada Estado-membro.
Espanha pondera igualar relógios com Portugal
O Governo espanhol não descarta o fim da mudança de horário sazonal. Para além disso, Madrid pondera alterar o fuso horário e alinhar os relógios de acordo com o GMT, o mesmo fuso horário do Reino Unido, Irlanda e Portugal.

"Talvez Espanha tenha que estar noutro fuso horário. Francamente não sei. Vamos dar ao Parlamento Europeu a oportunidade de ver se é capaz de encontrar um denominador comum entre países que estão em situações geográficas tão diferentes", disse o ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, Josep Borrell.

O Presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, afirma que esta questão será estudada com atenção e que serão avaliados todos os prós e contras. Depois de ouvir a opinião dos especialistas e de se debater a ideia, será tomada uma decisão, explica Sánchez.

Pedro Sánchez refere que esta "é uma questão importante que precisa de uma análise séria e rigorosa, de um amplo consenso. A intenção do Governo é constituir uma comissão de especialistas para descobrir o que é mais favorável em termos de produtividade, uso de energia".

"Depois de conhecermos a opinião desses especialistas, iremos trabalhar para uma possível mudança, ou não, contando com o mais amplo consenso possível. Esta é uma questão que transcende a política. Se houver uma mudança de horários, precisamos de ter um consenso importante em todo o país", acrescentou ainda o líder espanhol.
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