Como o caso de George Floyd é abordado nas escolas norte-americanas

por Inês Moreira Santos - RTP
Jane Rosenberg - Reuters

As imagens do assassinato de George Floyd, que circularam no ano passado por todo o mundo, não deixaram ninguém indiferente e podiam chocar os mais suscetíveis. Contudo, agora que o agente que deteve e matou o afroamericano está a ser julgado, o caso está a ser usado nas escolas como forma de abordar, junto dos mais novos, questões sociais e temas como o racismo, a violência policial e a justiça criminal.

"Vocês têm assistido ao julgamento de Derek Chauvin?", questionou Lacrissha Walton a uma turma do quarto ano, na semana passada, quando começou o julgamento do ex-polícia acusado de ter morto George Floyd em maio de 2020.

A professora de geografia da Lucy Craft Laney Community School de Minneapolis costuma, nesta fase do ano letivo, lecionar temas relacionados com os 50 Estados norte-americanos e as respetivas capitais, mas perante o contexto e as notícias sobre o caso sentiu-se na obrigação de usar esta situação real e atual para abordar o assunto de forma educativa.

"Nenhuma criança devia assistir a isto", disse Walton, ao New York Times. "Mas quando aparece em todos os noticiários, eles têm perguntas".

Embora o julgamento de Derek Chauvin não pareça ser o tema mais adequado para uma aula com crianças de nove anos, Walton considerou que abordar o assunto em ambiente escolar podia ser, de alguma maneira, educativo. Todos os alunos viram a cidade a ser tranformada em palco de protestos durante meses, após a morte de Floyd, e alguns viram mesmo o vídeo divugado nas redes sociais.

Mas Lacrissha Walton não foi a única professora a levar um julgamento mediático como o de Chauvin para a sala de aula. Em Minneapolis, vários docentes têm debatido entre si, nas últimas semanas, como devem introduzir o julgamento como tema aos seus alunos. Segundo a publicação do NYT, alguns começaram por explicar como é selecionado o júri ou as testemunhas que vão depor, promovendo questões mais complexas como o racismo, a forma de atuação da polícia e o sistema judicial.

Os professores pretendem, cautelosamente, criar um ambiente propício a que os alunos façam perguntas, questionem e tirem algumas das dúvidas e partilhem opiniões sobre estes temas durante a aula. Em consonância com as lições dos docentes, os administradores e conselheiros escolares preparam eventos como círculos de conversa, onde as crianças podem debater e falar sobre como o julgamento do agente reacendeu traumas raciais e o receio de nova agitação social.
Julgamento em sala de aula

Na escola básica de Minneapolis onde Walton leciona, e na qual a maioria dos alunos é de origem afroamericana, as crianças souberam explicar, quando questionadas, o que tinha acontecido para Derek Chauvin estar a ser julgado. Mesmo com apenas nove anos, a maioria das crianças sabia que a pessoa que dirige o processo em tribunal é chamada de juiz, e que as 12 pessoas que "julgam" o réu formam "o júri".

O que representava um desafio maior para os docentes era a "natureza adulta" do julgamento transmitido nas televisões, as imagens marcantes e os testemunhos.

Quando Walton perguntou quem considerava que Chauvin era culpado, surgiram muitas pequenas mãos no ar e uma das alunas não hesitou em fundamentar a sua opinião: "Ele colocou o joelho no pescoço de George Floyd. E George Floyd disse que não conseguia respirar várias vezes e o polícia nem o ouviu".

A professora pediu ainda autorização à direção da escola para mostrar breves momentos dos procedimentos judiciais durante uma aula, mas evitou apresentar determinados "elementos traumáticos" para que os alunos não vissem nem ouvissem nada muito explícito ou perturbador.

Na turma de quarto ano da professora Walton, o julgamento também serviu para instruir os alunos sobre conceitos cívicos importantes, como o direito de protestar e o funcionamento do sistema judicial.

"Um dia eles podem vir a ser selecionados para um júri", disse. "E terão direito à sua opinião, mas quando tiverem de trabalhar com outras 11 pessoas, como é que o vão fazer?".

No entanto, não foi caso único. Um professor numa escola secundária no Texas, com alunos mais velhos, apresentou uma das sessões de julgamento de Derek Chauvin numa aula - incluindo imagens da detenção de Floyd - e pediu que, num exercício, os alunos atuassem como jurados e debatessem o tema. Mas esta matéria em sala de aula não agradou aos pais que reclamaram por não terem dado consentimento para a participação dos alunos neste exercício.
Momento de "história"
Em Minneapolis, a maioria dos alunos das escolas públicas é não branca e as discussões sobre o julgamento aconteceram tanto em salas de aula como no ensino à distância, imposto pelas restrições de combate à pandemia da Covid-19.

Kristi Ward, diretora da Escola Comunitária Lake Nokomis, afirmou ao NYT que se tornou impossível ignorar o assunto depois de meses de conversas e debates sobre justiça racial e, por isso, preparou com os docentes da instituição formas de abordagem que promovessem discussões significativas com os alunos, mesmo que estes colocassem questões difíceis.

"Temos de nos envolver, mesmo que estejamos desconfortáveis ​​e não tenhamos as respostas", disse. "Estou a motivá-los a acompanharem o julgamento para ter a certeza de que estão a entender os factos e, então, a juntarem-se ao debate, em vez de se afastarem".

Já Tom Lachermeier, que leciona estudos sociais na North Community High School, onde a população estudantil é 90 por cento negra, descreveu o julgamento como um momento de "história ao vivo". A morte de Floyd, segundo este professor, afetou a maioria dos alunos desta escola, localizada num bairro pobre e com casos de violência de gangues.

Lachermeier começou por admitir que muitas escolas nos Estados Unidos têm evitado abordar temas relativos ao julgamento de Derek Chauvin mas que ele, enquanto professor e caucasiano, devia falar sobre o assunto com os seus alunos.

"Não falar sobre isto representa muito", afirmou.

Antes do julgamento, Lachermeier apresentou e discutiu os procedimentos diários da seleção do júri no horário das aulas e viu que muitos alunos receavam que o antigo polícia fosse absolvido.

A jovem Kyree Wilson de 16 anos, aluna de Lachermeier, contou ao jornal que estas aulas a incentivaram a ver o julgamento no YouTube nos tempos livres.

"É uma verdadeira revelação"
, disse a aluna referindo-se ao julgamento e aos casos descritos pelos advogados de defesa e promotores, embora tenha assumido que os relatos das testemunhas fossem "difíceis de suportar".

No momento em que George Floyd estava de a ser detido, algemado e de bruços na calçada, Kyree estava a dois quarteirões de distância a distribuir panfletos para uma companhia de dança moderna. Ela chegou mesmo a ouvir a multidão crescente que se juntou no local, mas só percebeu o que tinha acontecido quando chegou a casa, mais tarde. Durante o verão, esta jovem participou em vários protestos e afirmou que espera que Chauvin seja considerado culpado.

No entanto, admite que quanto mais aprende com este julgamento, mais se convence de que uma condenação de um polícia pouco contribuirá para travar a brutalidade policial.

"O sistema de justiça está decadente e é usado contra os afroamericanos", lamentou. "Esta situação deixa-me com algum medo de crescer e atingir a idade adulta nos EUA".

Também a pequena Janiyah de 9 anos, afirmou que a mãe a levou a um protesto do movimento "Black Lives Matter" no verão passado e descreveu ter sentido um misto de raiva e tristeza quando percebeu como Floyd tinha morrido. Embora não tenha visto o vídeo da detenção nem falado com a mãe sobre o julgamento de Chauvin, Janiyah mostrou perceber o impacto que a condenação do ex-agente podia ter na luta pela justiça racial.

"Eu espero que eles vejam e percebam que uma das consequências é poderem ir para a cadeia"
, disse Janiyah referindo-se aos polícias que possam vir a estar envolvidos num incidente semlhante à detenção de George Floyd.
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