Conflitos impedem desenvolvimento do continente africano
O presidente da Comissão da União Africana (UA) defendeu hoje em Lisboa que África não pode desenvolver- se se os conflitos continuarem e destacou a urgência de resolver o problema de Darfur antes que degenere numa instabilidade regional.
Em entrevista à Agência Lusa, Alpha Oumar Konaré, que inicia hoje uma visita de dois dias a Portugal, referiu que é importante resolver o conflito da região sudanesa de Darfur "por causa dos mortos, por causa da situação humanitária catastrófica e de todos os riscos que representa para a integridade do Sudão e para a estabilidade regional".
"Estamos à procura de um compromisso com o Sudão para reforçar a força da UA no terreno", afirmou Konaré, referindo-se à tentativa da comunidade internacional de convencer o Presidente sudanês, Omar El- Beshir, a aceitar uma força das Nações Unidas no terreno.
"Tudo tem a ver com a liderança dessa força e a fórmula para a qual nos preparamos para avançar é com tropas africanas, sob comando africano, mas com o apoio técnico e a participação das Nações Unidas na gestão dos meios", adiantou.
O conflito em Darfur começou em Fevereiro de 2003, quando dois grupos rebeldes pegaram em armas contra as forças governamentais, apoiadas pelas milícias árabes janjawid, para exigirem mais meios para a região. Desde então, o conflito, considerado pela ONU a pior crise humanitária no mundo, provocou já cerca de 200.000 mortos e mais de 2,5 milhões de deslocados e refugiados.
O presidente da Comissão da UA manifestou a esperança de que seja possível colocar em prática os acordos de Abuja, assinados em Maio mas apenas por um dos grupos rebeldes, e defendeu que "a situação não pode ser resolvida com uma solução militar, é preciso haver soluções políticas".
"É preciso promover o diálogo Darfur/Darfur para reaproximar as populações e evitar o risco de um agravamento da situação por acontecimentos que possam ocorrer no Chade e na República Centro Africana. Não podemos aceitar a tomada do poder pela força nestes países porque isso conduzir-nos-ia a uma catástrofe", considerou.
Em relação ao conflito na Somália, entre fundamentalistas islâmicos, que apelam à guerra santa, e apoiantes do governo de transição, que devido à instabilidade na capital, Mogadíscio, foi obrigado a instalar-se numa cidade mais pequena, depois de ter funcionado cerca de um ano a partir do Quénia.
A Somália vive em anarquia e numa guerra civil intermitente desde a queda do regime do ditador Siad Barre, em 1991.
"Se queremos um diálogo equilibrado, devemos apoiar o Governo federal de transição. Não apoiá-lo para fazer a guerra contra os islamitas, mas deixar claro que se do lado dos islamitas houver uma vontade de tomar o poder pela força, isso não pode acontecer", disse Konaré.
Para o ex-Presidente do Mali, é preciso apoiar o Governo somali a organizar e armar o exército e a polícia, o que já pode ser feito dado que a ONU levantou parte do embargo à importação de armas.
Konaré considera, no entanto, que a discussão sobre o embargo de armas é "hipócrita" e questionou: "de onde vêm as armas para os islamitas e para as milícias?".
Questionado sobre se as eleições na República Democrática do Congo são suficientes para estabilizar este país, Konaré afirmou que são "um bom ponto de partida", mas ressalvou que a instabilidade "dura há muito tempo e não se podem esperar soluções milagrosas de um dia para o outro".
A RDCongo saiu em 2002 de quatro anos de guerra civil entre os rebeldes, apoiados pelo Ruanda, Uganda e Burundi, e as forças governamentais, apoiadas pelos exércitos angolano, namibiano e zimbabueano, um conflito que provocou cerca de três milhões de mortos e mais de quatro milhões de deslocados.
As eleições gerais acabam assim com quase quatro anos de um período de transição, tendo sido eleito um parlamento e um Presidente pela primeira vez em 40 anos.
"A questão fundamental é associar toda a gente ao poder para que mesmo os que perderam não sejam excluídos do jogo político", defendeu o presidente da Comissão da UA, considerando imperioso que continue o apoio ao país para manter o diálogo político e que o Governo consiga, num futuro próximo, criar um exército nacional "para que não se voltem a criar milícias.
Konaré considera que "este grande país africano, situado no coração do continente e que dispõe de uma grande quantidade de recursos naturais representa uma chance para África".
Durante a sua visita a Portugal, o presidente da Comissão da UA tem previstos encontros com o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, com o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, e com o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João Gomes Cravinho.
Konaré dá ainda uma conferência na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) sobre "África e os desafios do século XXI".