Conselho Português para os Refugiados regista aumento de pedidos de asilo espontâneos

Sabrina, Quincy, Luís e Victor. São os nomes de quatro requerentes de asilo que chegaram recentemente a Portugal e contaram à Antena 1 a sua história e o que os levou a fugir dos seus países. Recebem o apoio direto do Conselho Português para os Refugiados no núcleo que recebe todos os pedidos de asilo espontâneos em Portugal. Este centro, localizado na Bobadela, em Loures, ajuda mais de 600 pessoas, mas está desenhado para receber apenas 80. O aumento no número de pedidos apresentados ao SEF tem levado a atrasos na análise das várias solicitações, mas a organização não-governamental continua a amparar estas pessoas na altura em que mais precisam.

 “Vim para Portugal para escapar, talvez à própria morte”. Quincy tem 19 anos e fugiu do Quénia no final de 2018, depois de ter pertencido a um gangue. Encontrou refúgio num país a mais de seis mil quilómetros, mas continua a receber ameaças, mesmo estando em Portugal. 

O seu pedido de asilo já foi aceite pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e Quincy continua, mesmo assim, a ser apoiada pelo Conselho Português para os Refugiados (CPR), até porque está grávida do segundo filho.

Reportagem emitida no programa Visão Global (Antena 1), a 24 de março de 2019

Esta é uma história que se repete vezes sem conta no centro do CPR da Bobadela, inaugurado em 2006 pelo então alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados e atual secretário-geral da organização, António Guterres.  

Tito Campos e Matos, diretor deste centro onde são acolhidos todos os refugiados que pedem asilo de forma espontânea, destaca a importância do apoio social, jurídico e de integração que é prestado nos primeiros meses após a chegada ao país.  

“Todas as pessoas que pedem asilo em Portugal, seja num posto de fronteira, seja no aeroporto, numa fronteira terrestre ou quando chegam de barco, apresentam o pedido de asilo e são encaminhados para cá. E ficam aqui. Isto é um centro transitório. Ficam aqui enquanto aguardam uma decisão sobre o seu processo”, refere o responsável em entrevista à Antena 1.

Este processo, refere o diretor, pode demorar entre três a cinco meses. O SEF investiga e toma uma decisão de acordo com os factos que são apresentados pelo requerente de asilo relativamente à sua situação particular e ao que enfrentou no país de origem.  

Se a decisão for positiva no sentido de conceder asilo em Portugal, os refugiados passam a ter autorização de residência provisória, passam a ser acompanhados pela Segurança Social e podem, nessa altura, começar a trabalhar.  

Por outro lado, se tiverem uma resposta negativa, poderão apresentar um recurso e são encaminhados para a Santa Casa da Misericórdia, onde poderão vir a ter de esperar até um ano. Ainda assim, o centro da Bobadela pode continuar a prestar apoio, caso o requerente assim o deseje, ao ajudar na atribuição de um advogado.  

Mas, no primeiro contacto com Portugal, é o CPR que prepara a integração. O acompanhamento dá-se em várias vertentes, desde a assistência em caso de problemas de saúde, a inscrição de crianças em escolas ou creches, ou mesmo com aulas de português, que decorrem no próprio centro.

Assistimos a uma dessas aulas em que cerca de 15 alunos do centro tiveram um dos primeiros contactos com a língua portuguesa.  

Gravação áudio de uma aula de Português no CPR, março de 2019

“Todos os relatórios indicam que uma das principais áreas para a integração é a aprendizagem da língua do país. Nós temos pessoas com perfis muito diferentes, o que dificulta este processo. Temos desde pessoas que precisam de fazer a alfabetização ao mesmo tempo que aprendem português, a outras que têm competências mais avançadas, mas que precisam de aprender a língua”, refere Tito Campos e Matos em entrevista.  

Depois de aprovado o pedido de asilo, o CPR tenta que estas pessoas continuem a estudar português em cursos do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) ou em escolas aulas de português para estrangeiros em escolas secundárias.

“Tanto mais será facilitada a integração quanto mais eles souberem português. Mesmo para quem fala inglês ou francês, as dificuldades de integração são grandes, em termos de mercado de trabalho, do acesso a formação profissional ou à escola”, acrescenta o diretor.

Outro apoio que é prestado pelo centro chega ao nível monetário, com a entrega de um valor simbólico a cada refugiado, entre 50 a 150 euros. “Eles recebem um apoio mensal com o qual compram alimentos e cozinham na cozinha aqui do centro, para manter a sua cultura e os hábitos que tinham no seu país de origem”, explica o diretor.

Essa ajuda é tanto mais necessária, por exemplo para efeitos de transporte, quando o requerente de asilo não está acomodado no centro da Bobadela. Isto porque o número de pessoas que estão a ser seguidas pela instituição ultrapassa largamente a capacidade daquelas instalações.  

“Nós neste momento estamos a apoiar mais de 600 pessoas, e o centro está desenhado para 80. Temos obras neste momento, por isso só temos 60 pessoas no centro. Grande parte das pessoas que apoiamos fica em alojamento externo. Temos pessoas em quartos alugados, em hostéis, em colónias de férias... Obviamente é muita gente e ultimamente tem havido alguns atrasos [na resposta aos pedidos de asilo], embora isso sempre tenha acontecido. Às vezes eles acabam por sair mais depressa porque arranjam logo quarto, quando têm o apoio da Segurança Social ou da Santa Casa, mas outros demoram muito mais, porque há muita dificuldade em arranjar alojamento em Lisboa. E nesta altura, sobretudo a partir de abril, com o aproximar do verão, começa a ser muito complicado”, refere Tito Campos e Matos.

Embora estejam noutros alojamentos, estas pessoas recebem e têm direito aos mesmos apoios e assistência, até porque o CPR conta com equipas de apoio que se deslocam aos locais onde estes refugiados são acolhidos.  

O problema de falta de espaço no centro da Bobadela é, aliás, recorrente, dado o aumento de pedidos de asilo registado nos últimos anos. Em 2018, houve um aumento de 19 por cento no número de pedidos por comparação ao ano anterior por comparação ao ano anterior.

“Efetivamente, tem havido um aumento significativo do número de pedidos de asilo nos últimos anos, um crescendo que já vem de há três ou quatro anos”, refere o diretor do centro.

Em concreto, Portugal recebeu no ano passado 1.220 pedidos de asilo espontâneos de 71 diferentes nacionalidades, sendo que as predominantes são da República Democrática do Congo, Ucrânia, Paquistão e Guiné Conacri. Este número que não inclui reinstalados nem a relocação de refugiados ao abrigo de outros programas com o Governo. 
Histórias de quem fugiu

Voltamos a Quincy e ao Quénia. No início de março, recebeu do SEF a aprovação do pedido de asilo.

“Agora estou só à espera do avanço do processo. Já posso procurar um trabalho. Agora posso dizer que sou como uma portuguesa!”, refere. 

Quincy conta-nos o que a trouxe até Lisboa. “Tive de percorrer estradas erradas para chegar aonde estou. Meti-me em sarilhos e tive de tentar fazer uma vida melhor para mim”.   

“Vim para Portugal para escapar, talvez à própria morte. Estive envolvida em gangues, e quando entras num gangue não podes simplesmente sair. Não é como uma escola, em que podes entrar e sair. Quando percebi que tinha dado um passo que não estava correto, tentei sair”, conta.

Mas já foi tarde demais. Quincy começou a receber ameaças recorrentes e ainda hoje, mesmo em Portugal, recebe ameaças. A família – uma filha de dois anos, a mãe e os irmãos - continua no Quénia, pelo que o desejo desta refugiada é de conseguir trazê-los para Portugal.


“O Quénia é um país muito bonito, mas somos muito pobres. Oitenta por cento dos quenianos são pobres, vivem nos guetos. E quando se vive num gueto falta muita coisa. Falta comida, falta tudo. Se alguém te aparece e te diz: só tens de carregar uma mala e deixá-la não sei onde, e depois passar por lá outra vez para levantá-la, só não podes abrir a mala… tu fazes isso porque eles vão dar-te dinheiro para te sustentares, a ti e à tua família”, refere Quincy.

Mas o caminho que Quincy escolheu depressa se revelou errado. “À medida que vais fazendo estas tarefas, vais-te envolvendo cada vez mais naquilo e mais se perigoso se torna. Nos últimos dois anos, muitos miúdos foram mortos pela polícia. Mas o que a polícia não entende é que não temos escolha. Quando aparece alguém que te dá dinheiro e só tens de fazer um trabalho simples, deixas-te arrastar com muita facilidade”, acrescenta.

Nestes gangues, as mulheres são usadas como correios para transportar armas e drogas. Até porque poucas mulheres têm a oportunidade de prosseguir estudos. Acabam por casar e ser mães muito novas ou seguir um caminho de criminalidade para ajudar a sustentar a família.  

“Metem-nos armas numa mala, e se tiveres um filho eles dizem-te para levares o filho e a mala. Porque os polícias não te revistam se transportares uma criança. Por isso as mulheres são sobretudo correios. Transportam armas que vão ser usadas, por exemplo, em assaltos a bancos. Deixam as malas, eles levam-nas, e depois de assaltarem o banco, voltam a deixar as malas no mesmo sítio para serem transportadas de volta. Também transportam drogas, cocaína, marijuana… É esse tipo de coisas que temos de fazer. Também temos de ficar na rua a vender, e algumas pessoas pensam que somos prostitutas e não nos respeitam”, afirma.

Quincy decidiu deixar o gangue com o nascimento da primeira filha. “Não é a vida que quero viver. Não é a vida que quero para a minha família, para os meus irmãos. Quero uma vida melhor para mim e para eles. Percebi que estava farta. Por isso parei. Mas não podes simplesmente deixar…não é assim tão fácil. Em vez de ficar, tive de procurar uma forma de escapar”. 

Por agora, a prioridade é retirar a família do Quénia, mas Quincy tem um objetivo para o seu futuro no longo prazo. “No meu país, não há muita gente para representar mulheres, por exemplo quando dás à luz e o pai da criança te deixa. Por isso tenho o sonho de estudar Direito. Quero ser advogada”. 
“Se queres continuar vivo, tens de sair”
Victor veio do Gana para Portugal e está no país há poucos meses, depois de ter fugido para o Brasil. A sua história é muito longa e complexa, e envolve um conflito de negócios com um dos homens mais poderosos daquele país africano.

“Sempre que conto esta história fico nervoso. Porque, depois de tudo o que consegui na vida, ver-me assim na condição de refugiado num país estrangeiro…sempre que conto esta história fico nervoso”, conta.

Em 2013, Victor começou um negócio de exploração mineira num terreno da família, o que o levou a entrar em conflito com um dos irmãos do anterior Presidente do Gana, John Dramani Mahama. 

“A minha mãe tinha um terreno, uma plantação de cacau, e soubemos que o terreno tinha ouro. Então, contactei um amigo que estava no negócio das minas, e ele disse-me que conhecia uns chineses que podiam ser meus sócios. Isso interessava-me porque eu não tinha o dinheiro necessário para começar o negócio. Por isso, falei com os chineses e eles foram ao Gana. Começamos a tratar de tudo para arrancar com o negócio, tratei da documentação necessária, e ao fim de dois, três meses, começámos a trabalhar. Só que o meu terreno estava perto de outra mina, uma mina grande, que tinha uma participação do irmão do ex-Presidente”, recorda Victor. 


Foi impedido de continuar o trabalho na mina à medida que se envolveu numa querela com um dos homens mais poderosos do Gana. Ibrahim Mahama, irmão do antigo Presidente, fundou a maior empresa mineira de propriedade indígena na África Ocidental e agora estava a ser desafiado por um pequeno empresário.

“Ao fim de oito meses a trabalhar na minha mina, estava a dormir e um dos nossos seguranças bateu-me à porta, a dizer que estava ali a polícia. Abri-lhes a porta, eles entraram e começaram a espalhar as minhas coisas todas pelo quarto. Não percebi e perguntei-lhes porque é que estavam a fazer aquilo. Eles disseram que eram ordens superiores. Mas superiores, de onde? Depois disseram-me que me iam levar para a esquadra da polícia em Acra. Quando lá cheguei pediram-me os documentos e liguei ao meu advogado, que me trouxe toda a documentação de que tratamos antes de começar a trabalhar na mina. Mas fui impedido de continuar a trabalhar”, relata.

Victor entrou com um processo em tribunal mas, pouco depois, o seu advogado percebeu que era o irmão do Presidente que estava por trás de toda a situação, e que, inclusive, estava a fazer o mesmo a outras pessoas. 

“Quando ele percebia que alguém estava a fazer o mesmo negócio perto das minas dele, usava o facto de ser irmão do Presidente para afastar essas pessoas. Então o processo arrastou-se em tribunal e o juiz disse-me que não devia aproximar-me da minha propriedade, porque a questão estava a ser apreciada”, conta.

No início, Victor estava detido e não podia deslocar-se ao seu terreno para perceber o que se passava. Depressa, a batalha com o irmão do ex-Presidente acabaria por lhe custar a vida de um elemento da família. 

“Um dia, pedi ao meu irmão para ver o que se passava nos nossos terrenos. Ele foi e encontrou alguns polícias a guardarem a propriedade. Contou-me e eu perguntei ao meu advogado: porque é que eles estão a fazer isto? Ele disse-me para ter calma, e que na sessão seguinte em tribunal, iriamos levantar essa questão, e eu concordei. Mais tarde pedi ao meu irmão para ir lá novamente. Mas infelizmente ele irritou-se ao ver que a polícia continuava lá. Irritou-se e a polícia disparou contra ele. Mataram-no”, recorda emocionado. 

Mais tarde, já em liberdade, começou a sentir que a sua própria vida estava a ser ameaçada. “Um dia fui sair com um amigo e percebi que dois carros estavam a seguir-me. Telefonei ao meu advogado e ele disse-me para ir para casa dele, imediatamente. Perguntei-lhe: porquê tudo isto? E ele explicou-me que aquele tipo era muito perigoso, o irmão do ex-Presidente Mahama. Se te metes com ele, e ele sabe que o estás a chatear em tribunal, ele tira-te tudo. Não tens hipótese”.  

“O Governo anterior era um Governo de pilhar e partilhar. Se não pertencesses ao partido deles, se não fosses amigo deles, estavas fora. Por isso, o meu advogado pediu-me que abandonasse o Gana e que fosse para outro sítio qualquer para ele poder continuar com o processo na justiça. Eu resisti a essa ideia. Porque é que tinha de deixar aquilo que me pertencia? Só porque era o irmão do Presidente? E o meu advogado insistiu: Victor, se queres continuar vivo, tens de sair daqui. E eu aceitei sair… E é assim que me vejo agora em Portugal”,  relata. 

Victor continua a acompanhar o processo, que se arrasta nos tribunais. “Não sei como é em Portugal, mas no Gana, se não tens dinheiro, e tens um caso em tribunal, não podes fazer nada. Quando não tens dinheiro, o teu caso vai andar de trás para a frente, a menos que tenhas algo que possas colocar em cima da mesa. Corrupção, corrupção, corrupção”, diz Victor. 

Em 2015, Victor fugiu para o Brasil. Foi lá que encontrou Sabrina, uma jovem de 27 anos que se formou numa universidade do Gana. No entanto, decidiu sair do país em 2017, já durante a presidência de Nana Akufo-Addo - sucessor de John Dramani Mahama - devido às duras condições impostas ao país pelo Fundo Monetário Internacional.

“Este Presidente, quando chegou, colocou o país numa situação de total dependência do FMI. O Gana ficou sujeito às condições impostas pelo fundo monetário, o que obrigou o Presidente a travar a entrada de novos funcionários no setor público. E eu tinha acabado a escola e precisava de arranjar trabalho. Como era muito difícil, decidi deixar o país”, conta Sabrina.  


Sabrina não conseguiu, de forma alguma, arranjar emprego. Foi para o Brasil, onde teve o primeiro contacto com o português. Chegou a Portugal no final do ano e a filha que agora tem com Victor, a pequena Rachel, já nasceu em Lisboa, em dezembro de 2018.

“Acabei um curso relacionado com agricultura na Universidade. Quero seguir essa área aqui em Portugal, depois de terminar as aulas de português. Aqui ajudam-nos muito. Acho que a minha filha terá um grande futuro, se continuarmos a viver cá”, refere Sabrina. 
“Cheguei aqui sem nada”

Luís Correia fugiu da Venezuela e está em Portugal há apenas dois meses. É um perseguido político e pertence ao partido de Juan Guaidó, o Voluntad Popular, tendo estado mesmo na fundação desta força política.  

Com o adensar da crise na Venezuela, Luís tornou-se ativista político, apesar de se considerar opositor do regime desde a chegada de Hugo Chávez ao poder. Mas chegou a ser polícia em Chacao, um município de Caracas tradicionalmente opositor ao chavismo.

“Era pesado ser polícia em Chacao. É um município que se opõe ao chavismo, e por isso a nossa polícia também foi associada politicamente à oposição, até quando cumpríamos simplesmente o nosso dever. Tive de sair da política por causa disso, e comecei a minha atividade política”, relata.

Nas ruas da Venezuela, um ativista político põe em risco a própria vida só por expressar uma opinião contrária à do regime, conta Luís.

“Pertencia a um grupo de base que dava apoio às manifestações, não apenas em Chacao, mas também no bairro a que pertenço, que é La Pastora, em Caracas. Hoje, ter uma opinião contrária à do Governo é um delito político na Venezuela. E fazê-lo num bairro dominado por grupos que são financiados pelo Governo é quase um crime. Não minto, hoje há bairros dominados por grupos armados à margem da lei, forças paramilitares que habitam os bairros da Venezuela. E se participas numa manifestação pública contra o Governo, podes sofrer consequências. Podes pagar com a vida, podes ser ameaçado, ou causam-te prejuízos materiais”, refere.


Luís Correa acusa estas forças especiais da polícia venezuelana de lhe terem assassinado um primo ainda no início deste mês. “No passado dia 6 de março, o meu primo Fernando Alexis Lira Granado perdeu a vida às mãos das forças especiais da polícia nacional bolivariana, que é um braço armado do Governo nacional. Há muitas queixas dessa polícia especial, que se encarregou de assassinar pessoas inocentes. O meu primo também esteve ligado a setores da oposição, era muito amigo do deputado da Assembleia Nacional legítima, Miguel Pizarro. O crime está a ser investigado, há dados concretos. Era um familiar próximo, que foi vilmente assassinado”, relata.

Luís saiu a tempo de evitar este mesmo desfecho para si e, na altura de escolher para onde escapar, deu prioridade à segurança. “Portugal é um dos países mais seguros do continente europeu. Muitos venezuelanos saem por vários motivos, de saúde, ou motivos económicos. Também sofri com problemas económicos. Nenhum venezuelano, por mais recursos económicos que tenha, consegue escapar a esse problema, há quem se vá conseguindo manter, mais ou menos. Mas cada venezuelano tem a sua história para contar e uma razão particular para ter saído do seu país. Eu estava à procura de segurança, e por isso escolhi Portugal”, explica o requerente de asilo. 

Para conseguir escapar, Luís Correa teve de vender tudo o que tinha. “Tens de te desprender de todos os teus bens para poderes comprar um bilhete de avião para chegar à Europa. Outros saem a pé, outros cruzam rios na fronteira. Há que fazer proezas autênticas para poder sair da Venezuela. Eu tive de vender tudo. Se um dia houver possibilidade de voltar à Venezuela, regresso como cheguei aqui. Sem nada”, conta. 

Deixou a mãe e o irmão na Venezuela e espera que haja uma mudança política e social no país para regressar assim que possível. “Do ponto de vista emocional, diria que todos os venezuelanos querem estar no seu país. Historicamente, a Venezuela sempre foi um país recetor. Nunca fomos um país de migrar”.
“Estas pessoas precisam de proteção”
Portugal não é dos países mais procurados pelos requerentes de asilo, até pela sua própria localização geográfica. Mas nos últimos anos tem-se registado um “aumento significativo” no número de pedidos de asilo espontâneos. E as instituições de acolhimento não estão preparadas para corresponder às necessidades, refere Tito Campos e Matos, diretor do centro da Bobadela. 

“Neste momento, o maior problema é mesmo o da gestão de vagas. Este é o único centro que existe em Portugal para requerentes de asilo espontâneos. Não há outro centro, por isso temos de os alojar fora daqui, temos muita dificuldade em encontrar casas e quartos. Temos também algumas dificuldades financeiras. Os nossos projetos não estão desenhados para acolher tanta gente, o que implica termos algumas restrições financeiras. Mas procuramos sempre arranjar outros projetos e estabelecer protocolos no sentido de conseguir acolher toda a gente que precise de proteção internacional”, explica o responsável.

Os critérios para a requisição de asilo constam na convenção de Genebra e a investigação do SEF sobre cada um dos casos procura verificar se o requerente foi perseguido por pertencer a determinado grupo social, religião, grupo político, etnia, ou por razões humanitárias. “Todas estas pessoas precisam de proteção. Independentemente de virem a ser admitidas ou não, elas fizeram um pedido de asilo e têm de ter a proteção do Estado português. O CPR procura fazer o melhor que pode. É um desafio muito grande, tentamos dar o maior apoio a estas pessoas para garantir a sua proteção e segurança”, acrescenta ainda Tito Campos e Matos.


De acordo com o diretor do centro na Bobadela, falta também uma maior especificidade dos programas de apoio: “Temos uma grande heterogeneidade de pessoas, temos situações muito diferentes. Estamos a falar de pessoas de 70 e tal nacionalidades diferentes, algumas com qualificações muito elevadas, outras com qualificações baixas. Algumas conseguem reconhecer cá as qualificações, outras não".

"Temos famílias que estão aptas a trabalhar, mas também temos famílias monoparentais onde há muitos filhos e é difícil a mãe trabalhar. Faltam programas alternativos de ajuda para que essas famílias possam ter uma integração bem-sucedida”, refere.  

O centro de refugiados, que serve apenas para o apoio transitório destes requerentes enquanto eles aguardam uma resposta, vai conseguindo apoios estatais e europeus, bem como a ajuda de instituições e voluntários. Em caso de necessidade, o CPR continua a acompanhar o requerente de asilo, depois de o pedido de ter sido aceite. Após os primeiros meses, é por vezes necessário continuar a prestar apoio desde à doação de roupas ou mobílias para as casas, ou até mesmo o acompanhamento dos refugiados aos serviços de que necessitam.

“Nós temos uma equipa reduzida, somos uma organização não-governamental e temos recursos humanos limitados. No fundo, gostaríamos que a sociedade civil pudesse participar um pouco mais. Às vezes não é necessária uma ajuda só com dinheiro", refere.

"Às vezes precisamos que os acompanhem até aos serviços públicos. As pessoas precisam de acompanhamento para ir ao centro de saúde, ao centro de emprego, para ir a uma entrevista de emprego, para visitar quartos. Neste último caso, toda a ajuda, quer na pesquisa de imóveis, quer no contacto com os próprios senhorios, acaba por ser muito importante”, completa o responsável.