Consulta de especialistas foi crucial para tradução em inglês das crónicas de Fernão Lopes
A primeira edição completa em inglês das crónicas de Fernão Lopes demorou 12 anos e envolveu seis tradutores, dos quais três morreram entretanto, e cerca de 14 consultores em áreas especializadas, disseram hoje responsáveis pelo projeto.
"O texto é muito complexo. Tem muitas questões de terminologia e por isso precisámos da ajuda de um historiador especialista, de especialistas na vida da corte, especialistas em caça, armaduras, assuntos militares e batalhas marítimas", explicou uma das coordenadoras, Amélia Hutchinson.
Uma questão particularmente complicada, revelou à agência Lusa, foi "traduzir a estrutura e os títulos e cargos da Marinha em inglês, porque não coincidem" com a terminologia em português.
Noutro momento, teve de consultar um colega sobre o material bélico usado no cerco a Chaves, que o cronista descreveu em detalhe, sobre as diferentes peças e para perceber a forma de utilização e até a montagem e desmontagem.
"Uma das formas mais completas e profundas de analisar um texto é através da tradução, porque se repara em pormenores que, quando se lê e se compreende, não se absorvem. É preciso refletir e confrontar o texto com outras culturas e línguas para o perceber realmente", reivindicou.
A obra publicada em junho foi apresentada hoje na Embaixada de Portugal no Reino Unido, país onde vivem e trabalham vários dos colaboradores.
A coleção de cinco volumes "The Chronicles of Fernão Lopes" é a primeira completa do cronista medieval Fernão Lopes (1385-1460) em língua inglesa, idioma no qual até agora só existiam traduções parciais ou edições críticas.
Os primeiros quatro volumes são acompanhados por introduções e bibliografias que ajudam a colocar as traduções em contexto e o quinto volume contem uma bibliografia geral e um índice geral da obra.
Francisco Bethencourt, professor na universidade King`s College London, elogiou as notas de rodapé e explicações sobre acontecimentos e personagens, descrevendo a edição como uma "excelente ferramenta, crucial para futura investigação".
A tradutora Iona McCleery, professora na Universidade de Leeds, acredita que estes textos vão mostrar que, ao contrário do que se poderia pensar, Portugal não era um país marginal em termos europeus.
"Penso que estas crónicas vão mostrar que Portugal estava absolutamente integrado na política europeia, diplomaticamente, dinasticamente, militarmente, de formas que penso que não são conhecidas. As pessoas não se apercebem da riqueza desta história. E agora podemos utilizar estes textos para o ensino e a investigação de forma muito alargada", afirmou à Lusa.
Nomeado cronista real em 1434 pelo rei D. Duarte, acredita-se que Fernão Lopes tenha escrito as crónicas de todos os reis portugueses desde a fundação da monarquia (séc. XII), mas apenas sobreviveram as três últimas crónicas relativas a D. Pedro, D. Fernando e D. João I, que abrangem um período de 1357 a 1411.
Esta obra vai ajudar o publico anglófono a compreender melhor aquele período histórico e projetar o português como um cronista inovador em termos de escrita, mais preocupado em mostrar e descrever o povo do que os seus contemporâneos Pero López de Ayala ou Jean Froissart.
"Ele cria todo um universo que hoje podemos apreciar através dos pequenos pormenores, porque das figuras importantes toda a gente fala, mas nem sempre é possível ver como é que a sociedade e o mundo estão estruturados. Vê-se através de Fernão Lopes", enfatizou Hutchinson, professora emérita na universidade norte-americana de Georgia.
O custo dos cinco volumes em capa dura é de 650 libras (747 no câmbio atual), edição especialmente direcionada a bibliotecas e instituições de ensino, enquanto a edição eletrónica custa cerca de metade (230 libras, 264 euros).
Uma futura edição em capa mole, a preço mais acessível, "fará todo o sentido quando conseguirmos que esta seja vendida e utilizada por estudantes, nomeadamente nos EUA, o que, esperamos, vai criar mais procura", disse a tradutora Julie Perkins.