Contra a invasão federal. Manifestantes de Portland adoptam tácticas de Hong Kong

por RTP
O guarda-chuva e o megafone: duas grandes armas para enfrentar a polícia em Portland Caitlin Ochs, Reuters

Em Portland estavam a realizar-se todos os dias manifestações pacíficas de centenas de pessoas desde o homicídio de George Floyd. O presidente Trump mandou a polícia federal invadir a cidade e desde então há milhares de manifestantes a enfrentarem a polícia todos os dias. Algumas tácticas de rua são inspiradas nas manifestações de Hong Kong.

A entrada da polícia federal em Portland, por ordem do inquilino da Casa Branca, poderá ter sido um balão de ensaio para intervenções idênticas em várias outras cidades norte-americanas, a começar por Chicago. No entanto, a ajuizar dos primeiros resultados da invasão de Portland, a fuga em frente de Donald Trump poderá equivaler a regar o fogo com gasolina, transformando regulares manifestações pacíficas em confrontos aguerridos com as forças policiais.

Estas são, por outro lado, vistas como um corpo estranho nas cidades intervencionadas e acirram por esse motivo a irritação de numerosos moradores, até aqui relativamente alheios à vaga de manifestações. O próprio mayor de Oregon, Edward Wheeler, se colocou a certa altura ao lado dos manifestantes e foi, pela primeira vez na vida, alvo do disparo de gases lacrimogéneos pela polícia.

Manifestantes que não estavam habituados a ver do seu lado um alto responsável da política local ainda gracejaram com Wheeler a propósito deste baptismo de fogo. A fratura entre autoridades locais e autoridades federais não podia ser ilustrada com mais eloquência gráfica.
Entretanto, nas ruas, já tem havido manifestantes a fazerem menção de deitar fogo a edifícios públicos. A pequena minoria exaltada tem sido chamada à ordem pelos demais manifestantes, que não arredam pé de confrontar a polícia, mas que preferem continuar a abster-se de causar destruições. A inesgotável imaginação dos manifestantes tem-se traduzido principalmente numa panóplia muito variada de recursos defensivos, que até agora vêm levando a melhor sobre as forças federais.

Entre esses recursos está a utilização em larga escala de guarda-chuvas, tal como fazem os manifestantes de Hong Kong, na sua "revolução dos guarda-chuvas", para se defenderem contra o uso e abuso de gases lacrimogéneos pela polícia. Outros recursos, clássicos, são os da construção de barricadas.Outros ainda, mais sofisticados, consistem em apontar feixes de laser aos pontos a partir dos quais a polícia dispara as granadas lacrimogéneas, criando insegurança psicológica entre os agentes federais.

Num artigo dedicado à exuberante imaginação dos manifestantes, o New York Times lembrava ontem que em 55 noites consecutivas e ininterruptas de protestos em Portland há sempre, em cada noite, alguma nova invenção táctica. O movimento não tem uma liderança clara, com figuras conhecidas, mas procede de forma difusa, com um activismo numeroso e altamente participativo. O artigo cita um dos manifestantes, Luke Meyer, a dizer que o movimento "é realmente orgânico e não centralizado. Quase votamos com as nossas acções".


Nas manifestações, grita-se em coro: "De quem são as ruas? As nossas ruas! Que vidas importam? As vidas negras importam". A mesma reportagem observa a enorme diversidade social e etária do movimento: nele participam, ombro a ombro, activistas de longa data e estreantes absolutos da luta de rua; avozinhas e adolescentes em idade escolar.

Uma outra manifestante, Laurie Vandenburgh, diretora escolar de 63 anos, mostra-se principalmente irritada pela presença federal, como corpo estranho à cidade: "A nossa cidade estava muito bem sem eles". A declaração da veterana manifestante está em consonância com outra palavra de ordem repetidamente gritada em coro: "Feds go home [Polícias federais, vão para casa]".
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