COP26. Reações ao Pacto de Glasgow são críticas mas falta de ambição domina

por RTP
EPA

As reações ao consenso alcançado na Cimeira do Clima da ONU dividem-se entre quem considera ser o acordo possível ou quem lamenta a falta de ambição e força do Pacto Climático aprovado. Por um lado, o primeiro-ministro britânico e a presidente da Comissão Europeia sublinham alguns dos objetivos alcançados, por outro a ativista Greta Thunberg resume as duas semanas de reuniões em Glasgow a "blá, blá, blá". Há ainda representantes de países que se sentiram postos de lado.

As duas últimas semanas foram marcadas por protestos em Glasgow, pela divisão entre países ricos e pobres e por algumas medidas que tentam conter a subida da temperatura do planeta em 1,5º graus celsius em comparação com a era pré-industrial, embora o sucesso deste objetivo não esteja garantido.
Os otimistas
Há ainda muito a fazer nos próximos anos”, considerou o primeiro-ministro britânico, líder do país que acolheu a 26ª Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. “Mas hoje é um grande passo em frente”, acrescenta Boris Johnson, que espera que no futuro a conferência fique conhecida como “o início do fim das alterações climáticas”.

“O que é importante é que temos o primeiro acordo internacional para reduzir o uso de carvão e um plano para limitar o aquecimento global a 1,5 graus”, sustenta.

De acordo com a ONU, o planeta está a dirigir-se para uma trajetória "catastrófica" de aquecimento de 2,7° graus em relação à era pré-industrial. Contudo, o think tank Center for Climate and Energy Solutions sublinha a evolução que tem sido feita nesta campo: “O Acordo de Paris está a funcionar. Não era expectável resolver a emergência climática de uma só vez, mas ao longo do tempo. Em 2014, antes do Acordo (de Paris) ser adotado, o mundo estava rumo os 4 graus celsius de aquecimento global".

"Após a COP26, os novos compromissos tornam claro que vamos rumo aos 2 graus. Glasgow foi um passo importante em manter aberta a possibilidade de limitar o aquecimento global a 1,5 graus” acima do nível pré-industrial, considera o vice-presidente Kaveh Guilanpour.

O texto pede aos 197 Estados membros que aumentem os compromissos de redução de carvão com mais regularidade do que está previsto no acordo de Paris, a partir de 2022.

Uma referência que a presidência da Comissão Europeia saúda e que vai no sentido de “manter vivo os objetivos do acordo de Paris”, “o que nos deixa confiantes do facto de que podemos oferece à humanidade um espaço seguro e próspero neste planeta”. Conduto, ressalva o “trabalho difícil que ainda nos espera”.

Ursula von der Leyen destaca os avanços feitos para a realização dos três objetivos que tínhamos fixado no início da COP26. “Primeiro, conseguir compromissos de redução de emissões de modo a não ultrapassar o limite de 1,5 ° C do aquecimento global. Em segundo lugar, cumprir a meta dos 100 mil milhões de dólares por ano em financiamento climático para os países em desenvolvimento e vulneráveis. Finalmente, um acordo sobre o ‘manual do utilizador ’do acordo de Paris' ", detalhou.

Se os países implementarem as medidas de longo prazo anunciadas em Glasglow, a presidente da Comissão Europeia admite que o aquecimento global fique abaixo dos 2 ° C. “Portanto, ainda temos de trabalhar mais para que a conferência do clima do próximo ano no Egito nos coloque firmemente no caminho dos 1,5°C” acrescentou.

A ministra do Ambiente do governo alemão ainda em funções sublinha que a eliminação progressiva do carvão está lançada no mundo inteiro e que “um novo modelo económico está a surgir. No entanto, Svenja Schulze admite que gostaria que a formulação fosse “um pouco mais clara”.

Já para o enviado dos Estados Unidos, o acordo alcançado aproxima o mundo "mais do que nunca" de "evitar o caos climático".

John Kerry acredita que o pacto alcançado após tensas negociações e apesar de divergências entre os 197 países presentes, aprofunda os compromissos firmados no Acordo de Paris de 2015.
Os moderados céticos
Com opiniões mais mescladas, estão os representantes de organizações ambientalistas como a Greenpeace e a World Wildlife Fund e o Center for climate.

Se por um lado as alterações de último minuto ao parágrafo sobre o carbono, por insistência da Índia e da China, são desvalorizadas pela Greenpeace, as medidas para conter o aquecimento global já suscitam mais dúvidas. “É mole, é fraco e o objetivo de 1,5° C quase não está vivo, mas há um sinal de que a era do carvão está a chegar ao fim. E é importante”, comentou Jennifer Morgan, líder da Greenpeace International. Para “um diretor de uma companhia de carvão, os resultados desta COP são maus”, notou.

A organização ambientalista World Wildlife Fund também “reconhece que foram feitos progressos. Existem agora novas oportunidades para os países cumprirem o que sabem que tem de ser feito para evitar uma catástrofe climática”. Contudo, a dificuldade será em aplicar o que está no Pacto Climático de Glasgow. “A menos que (os países) se voltem para a implementação e mostrem resultados substanciais, vão continuar a ter a sua credibilidade ameaçada”, observou Manuel Pulgar-Vidal, o diretor da secção para o clima desta organização.

Uma opinião secundada por Manish Bapna, presidente da Natural Resources Defense Council, que enumera as áreas das promessas feitas em Glasgow: clima e energia limpa, ajudar as comunidades vulneráveis a fazer face ao impacto das alterações climáticas e a adaptar o seu modelo económico, reduzir os combustíveis fósseis e a proteger as florestas.

Notando que o objetivo dos 1,5 graus está “ferido mas vivo”, o primeiro-ministro das ilhas Fidji saudou os seus negociadores por lutarem por “assegurar que um caminho sem carvão nem energias fósseis figure no acordo final”. Frank Bainimarama destaca que "o compromisso encontrado só conta se os países agora o concretizarem”.

Já a ministra do Ambiente e da Energia da Costa Rica admite gostaria de ter alcançado mais nos artigos que respeitam às perdas e danos “mas penso que de certa maneira foi uma mudança”. “Penso que pela primeira vez em algum tempo, pelo menos em algumas salas, pudemos ter conversas honestas”, considerou Andrea Meza.
Falta de transparência e inclusão
Um cenário que, na perspetiva da representante das Ilhas Marhsall nem sempre aconteceu. “Houve uma conversa da qual não fizemos parte e foi um verdadeiro golpe ... Disseram-nos que não haveria mais alterações no texto, e já tínhamos engolido algumas alterações que eram muito difíceis de engolir e que vieram no fim. Acho que para nós, principalmente dos pequenos Estados insulares, viemos aqui para falar, para ser ouvidos e para que isso aconteça, precisamos estar na sala”, contou Tina Stege.

Apesar de “não ser perfeito”, principalmente na alteração feita ao carvão e nos parcos resultados nas perdas e danos”, Tina Stege vê “progressos reais” no Pacto de Glasgow , que "é uma tábua de salvação para o meu país. Não devemos desconsiderar as vitórias cruciais cobertas por este pacote".

A falta de transparência do processo foi também denunciada pela diretora do departamento de Assuntos Globais, do ministério dos Negócios Estrangeiros do México: “Acreditamos que fomos marginalizados num processo pouco transparente e inclusivo. Todos temos preocupações remanescentes mas foi-nos ditos que não podíamos reabrir o texto”.

Camila Lizama nota que os pedidos do México em ver fortalecida e reforçada as referências aos direitos humanos não foram atendidos, enquanto outros países viram aceites exigências de última hora.
Os inconformistas
As ativistas Greta Thunberg e Malala Yousafzai estão entre as vozes críticas do Pacto Climático celebrado este sábado em Glasgow.
"Blá, blá, blá”, assim resume a ativista sueca as duas semanas de diálogo e golpes de teatro. “O verdadeiro trabalho vai continuar fora das salas. E nós não desistiremos, nunca”, escreveu na rede social Twitter a líder do movimento Sextas pelo Futuro.

Também a laureada com o prémio Nobel da Paz considera que as expectativas dos ativistas foram defraudadas. “Acho que os líderes devem dar prioridade às pessoas e ao planeta sobre os lucros neste momento”, comentou Malala Yousafzai num programa da televisão britânica.

Sabemos que a mudança climática não é um problema isolado, está ligada à igualdade de gênero e à educação das meninas também”, acrescentou Malala.

Os resultados da COP26 ficaram aquém do necessário, nota o diretor do grupo de Ambiente e Sociedade do think tank Chatam House, principalmente para “reduzir as emissões de forma consistente” e prevenir “mudanças climáticas perigosas nas próximas décadas”.

“Houve muitas promessas e o lançamento de novas iniciativas internacionais encorajadoras, algumas mais significativas do que outras. Mas uma urgência genuína e uma vontade para combinar palavras com ação e para fechar a lacuna entre promessas e planos detalhados de curto prazo ainda está a faltar", sublinha Tim Benton.

É um insulto aos milhões de pessoas cujas vidas estão a ser devastadas pela crise climática”, comenta, por fim, Teresa Anderson, da ONG Action Aid International, que se junta aos apelos dos outros ativistas aos líderes políticos para que mudem a abordagem à crise climática.

C/ agências AFP e Reuters
pub