Cortes em subsídios do gasóleo. Protesto dos agricultores alemães pressiona Scholz

Durante toda a semana, milhares de agricultores alemães bloqueiam estradas em quase todos os 16 Estados federais, em sinal de protesto contra os cortes nos subsídios do combustível agrícola. À espreita está o partido de extrema-direita AfD, que, ao apoiar o protesto, espera beneficiar com o descontentamento face ao Governo de Olaf Scholz.

Carla Quirino - RTP /
Porta de Brandemburgo, em Berlim Nadja Wohlleben - Reuters

“Não há cerveja sem agricultores”, lê-se numa faixa do protesto. Noutra, “Nunca morda a mão que alimenta” ou “Sem agricultores não há futuro”. 

As mensagens fixadas nos tratores são de perder de vista, na avenida junto ao Portão de Brandemburgo, em Berlim. De dia e de noite, centenas de tratores parados estendem-se pelas principais avenidas, congestionando o trânsito. Há relatos de bloqueios em Baden-Württemberg, Renânia, Saxónia e Baviera, entre outras regiões.


Berlim | Fabrizio Bensch - Reuters

A ação de protesto vai perdurar pelo menos uma semana. Na mira da contestação estão o planos do Governo de coligação para reduzir os incentivos fiscais dirigidos à agricultura.Cortes para acertar o orçamento de 2024
O Governo alemão aboliu a isenção do imposto automóvel para veículos agrícolas, assim como os benefícios fiscais sobre o gasóleo. Os cortes de subsídios foram idealizados para resolver uma crise orçamental.

Em causa estão 60 mil milhões de euros originalmente destinados a amortecer as consequências da pandemia da covid-19 e direcioná-los para medidas que ajudassem a combater as mudanças climáticas e modernizar o país.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, está agora entre a espada e a parede depois de uma decisão judicial a forçar o Governo federal a desenvolver um mecanismo de poupança para o orçamento de 2024. As propostas faziam parte de um pacote necessário para colmatar um buraco de 17 mil milhões de euros nas contas deste ano.

Perante a pressão do sector, na semana passada, Scholz decidiu recuar parcialmente. Prevê-se agora que o benefício no imposto sobre veículos rurais permaneça em vigor. Porém, o subsídio ao combustível agrícola passará eliminado gradualmente ao longo de três anos, em vez de ser abolido imediatamente, disse o Governo.

A Associação dos Agricultores Alemães não concordou e continua a insistir na reversão total dos cortes aos benefícios fiscais e por isso estão na rua com a "semana de ação".
Extrema-direita à espreita
O presidente da associação agrícola, Joachim Rukwied, declarou ao jornal Bild am Sonntag não pretender "ter grupos de direita e outros grupos radicais" nas manifestações. Mas a a ala da direita radical está na rua a apoiar a insatisfação dos produtores rurais.

O líder da bancada da AfD na Turíngia, Björn Höcke, quer fazer parte da equação governativa do Estado nas eleições no final de 2024 e, por isso, tenta capitalizar simpatizantes rurais, apoiando as reivindicações contra os cortes nos subsídios do diesel. Curiosamente, o programa do seu partido defende o fim das subvenções a produtores agrícolas.

Matthias Quent, investigador de temas relacionados com a extrema-direira, em entrevista à rádio Deutschlandfunk, adverte os produtores rurais para que se demarquem dos radicais de direita: "Os agricultores que estão a protestar não têm só que se distanciar verbalmente. Eles precisam de agir para que as manifestações não sejam instrumentalizadas e exploradas visualmente".

A jornalista da publicação alemã Der Spiegel Ann-Katrin Müller vai ao encontro das palavras de Quent numa publicação na rede X e partilha imagens de tratores com simbolos do movimento Landvolk - povo do campo: um arado branco com uma espada vermelha contra um fundo preto. Fundado nos anos 20, o movimento Landvolk tem um histórico enraizado no antissemitismo, racismo e antidemocrático.
"Durante os protestos dos #agricultores #b0801 encontrei numerosas mensagens e símbolos antidemocráticos e extremistas de direita. A AfD e os media filiados à AfD são anunciados. Os cartazes mais radicais são populares: os participantes na manifestação param repetidamente em frente deles e tiram fotografias".

Os receios dos observadores sobre a radicalização do debate político acentuam-se e alertam para a possibilidade de, pela primeira vez desde 1945 e o fim do regime nazi de Adolf Hitler, um extremista de direita possa voltar a ocupar um cargo governamental na Alemanha.
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