Covid-19. Como é que alguns doentes recuperados ficam imunes sem ter anticorpos?

por RTP
Carl Recine - Reuters

É sabido que a presença de anticorpos não é sinónimo de imunidade à Covid-19, mas investigações recentes revelam que há pessoas que recuperaram da infeção provocada pelo novo coronavírus e ficaram imunes à doença, sem os terem desenvolvido.

Seis meses após ter surgido o novo coronavírus na cidade chinesa de Wuhan, os cientistas continuam com muitas dúvidas relativamente ao SARS-Cov-2, ainda não há vacina nem tratamento específico e a resposta imunológica não é igual em todas as pessoas infetadas - o que tem impedido garantir a segurança das populações na retoma da vida normal.

Uma investigação recente descobriu que é possível alguém curar-se da Covid-19 sem que o seu organismo tenha desenvolvido anticorpos para combater o coronavírus.

Os investigadores já tinham percebido que mesmo quando os testes serológicos indicam a presença de anticorpos isso não garantia a imunidade à Covid-19 e que esta resposta adquirida do organismo tem um duração limitada e inferior à que se pensava inicialmente. De acordo com alguns estudos ainda preliminares, pensa-se que os anticorpos desenvolvidos para combater o SARS-CoV-2 não tenham uma vida longa, principalmente em pessoas infetadas sem sintomas ou que apenas tiveram sintomas leves.

Há milhares de infetados sem qualquer sintoma que superam o novo coronavírus, tornam-se imunes - mesmo que por pouco tempo - mas não o seu organismo não desenvolve anticorpos na hora de responder à Covid-19, o que tem suscitado mais dúvidas entre a comunidade científica.

Uma das investigações em causa, divulgada em meados de junho na revista científica Nature Medicine, focou-se nas diferenças relativas à quantidade de anticorpos entre indivíduos com sintomas e assintomáticos, concluindo que, de modo geral, pacientes sem sintomas apresentavam uma "resposta imunitária menor" e níveis de anticorpos "consideravelmente mais baixos", em relação a doentes sintomáticos durante a fase mais aguda da infeção.

O mesmo estudo indicava que, após oito semanas de recuperação – cerca de dois meses –, os anticorpos de 40 por cento pacientes assintomáticos desceram até níveis indetetáveis, "tornando-se soronegativos", o que só se verificou em apenas 12,9 por cento dos doentes com sintomas.

Depois de estudados 37 indivíduos assintomáticos e 37 doentes com Covid-19 e com sintomas, os resultados revelaram que a eliminação do novo coronavírus em assintomáticos durou mais tempo (uma média de 19 dias de período de incubação) do que em doentes sintomáticos (uma média de 14 dias no período de incubação).

"Estes dados sugerem que indivíduos assintomáticos tiveram uma resposta imune mais fraca à infeção por SARS-CoV-2", lê-se no estudo.
Infetados assintomáticos desenvolvem menos anticorpos?

Os anticorpos são uma resposta imunitária inata, mais lenta e mais específica, contra um corpo estranho que entra em contacto com o organismo. Quando um vírus infeta o organismo pela primeira vez, o sistema imunitário tenta eliminar a ameaça e, geralmente, desenvolve anticorpos.

Sabe-se que pacientes sem sintomas (ou até aqueles com sintomas lgeiros) possuem e segregam menor carga viral do que aqueles que apresentam sintomas. Assim, o sistema imunitário do portador do vírus produz menos anticorpos e, estes podem desaparecer em menos tempo.

Na verdade, quando a resposta inata é eficaz pode impedir a infeção ou, pelo menos, contê-la rapidamente. Nesse caso, a pessoa é infetada mas praticamente não apresentaria sintomas, porque essa resposta é muito rápida e não precisa de desenvolver anticorpos.

Esta é uma das possibilidades que os cientistas apontam para explicar como é que houve pessoas infetadas com o Sars-Cov-2 que recuperaram e não desenvolveram anticorpos, avança El País.

Mas há uma outra possibilidade que pode explicar a imunidade dos doentes assintomáticos sem que o organismo recorra aos anticorpos: a resposta citotóxica dos linfócitos.

Numa infeção comum, o organismo desenvolve a imunidade adquirida após o contacto com o agente patogénico e passa a desenvolver anticorpos especifícos sempre que há ameaça de uma nova infeção. Mas o corpo humano está também preparado para responder com a capacidade citotóxica celular.

Isto é, o organismo tem células capazes de eliminar outras células que já estejam infetadas pelo vírus, retardando a infeção em algumas pessoas, evitando a propagação do vírus a outras células e impedindo que se desenvolvam anticorpos específicos.

Um exemplo de células citotóxicas do sistema imunitário humano são os linfócitos T citotóxicos que destroem outras células que estejam infetadas por agentes patogénicos, como vírus, bactérias ou parasitas.
Há pessoas que testaram positivo para o coronavírus e que, após a infeção, o teste serológico não acusa a presença de anticorpos, o que pode dificultar mais ainda a precisão quanto ao número real de infetados e suscitar mais dúvidas quanto à imunidade à Covid-19.

Segundo os especialistas, em alguns pacientes de Covid-19, estas células citotóxicas reconheceram o coronavírus como um resfriado ou uma constipação comum, respondendo da mesma forma que responderam anteriormente a outros vírus mais comuns. Os linfócitos T citotóxicos têm "memória celular" e ao reconhecerem o SARS-CoV-2 como outros vírus de gripe normal que infetaram anteriormente o organismo, eliminaram todas as células infetadas, potenciando uma imunidade celular à Covid-19 - o que pode explicar a infeção assintomática e a inexistência de anticorpos.

Em algumas pessoas, de facto, a resposta celular pode ter sido suficiente para controlar a infeção pelo novo coronavírus sem desenvolver sintomas graves.

A existência de anticorpos em sobreviventes e recuperados da Covid-19 já foi testada, mas, de acordo com a OMS, algumas pessoas demonstraram ter baixos níveis de "anticorpos neutralizantes" - o tipo que impede o vírus de entrar nas células.

Mesmo com a presença destes pode não ser suficiente para prevenir uma infeção futura uma vez que podem existir em quantidades mínimas ou podem não ter a força para conter a estirpe de um novo vírus da infeção.

É por isso que um teste serológico positivo não significa ainda imunidade à Covid-19.

Não é certo que pessoas que desenvolvam anticorpos fiquem imunes, pelo menos por algum tempo, e não possam ser infetadas de novo pelo SARS-CoV-2. Agora, com a possível resposta celular - que explica a inexistência de anticorpos em algumas pessoas que recuperaram - vem levantar mais dúvidas quanto à possível imunidade.
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