Covid-19. Como se explica o "milagre" indiano de mil mortes?

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Um grupo de mulheres indianas reza numa igreja Hindu Rupak De Chowdhuri - Reuters

A Índia, o segundo país mais populoso do mundo, conta com pouco mais de 31 mil infetados e cerca de mil óbitos. No entanto, a realidade da pandemia neste país pode não ser tão otimista quanto os números fazem parecer. Os esforços do país no combate à pandemia poderão ser uma das justificações para estes números, mas existem também outros fatores como a falta de testes e um número real de óbitos superior ao registado.

O cenário previsto para a Índia não era promissor. Os especialistas conjeturavam milhões de casos de infeção no país e alertavam para um “massacre” assim que a pandemia chegou às favelas indianas.

No entanto, os números atuais parecem demostrar precisamente o contrário. O segundo país mais populoso do mundo conta com 31.332 infetados e apenas 1.008 mortos. São apenas menos 948 óbitos e sete mil casos de infeção do que em Portugal. Na Índia, o número de mortos por milhão é de 0,76. Nos Estados Unidos há mais de 175 mortos por milhão.

Alguns especialistas dizem que os números relativamente positivos na Índia sugerem que o confinamento a nível nacional decretado logo no início da pandemia poderá estar a funcionar enquanto travão na propagação da Covid-19.

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, argumenta que “a Índia não esperou que o problema escalasse” e começaram logo em janeiro as testar os passageiros que chegavam da China e de Hong Kong. “Assim que o problema surgiu, tentamos impedi-lo tomando decisões rápidas”, acrescentou Modi. “Não consigo imaginar como seria a situação se decisões tão rápidas não tivessem sido tomadas”, sublinhou.

De facto, a Índia impôs o confinamento obrigatório relativamente cedo. A 24 de março, quando a Índia registava apenas 519 casos de infeção, o primeiro-ministro decretou o confinamento para todo o país, enquanto a China apenas impôs bloqueios por cidade, nunca em todo o país. Modi já anunciou que os 1,3 mil milhões de indianos vão continuar confinados até 3 de maio.

No entanto, a explicação para este “milagre” não é assim tão linear. Os esforços do país no combate à pandemia poderão ser uma das justificações para os números otimistas da Índia, mas existem também outros fatores.
Falta de testes
Os dados relativos ao número de infetados e de óbitos depende do número de testes realizados e na Índia, o número de pessoas que estão a ser testadas é reduzido. Em meados de março, a Índia realizada dez testes por cada milhão de habitantes, enquanto que em Itália este valor fixava-se nos 2.477.

A Índia aumentou drasticamente as suas capacidades de teste, mas ainda assim continuam abaixo da média. De acordo com a CNN, apenas cerca de 48 em cada 100 mil indianos foram testados, em comparação com os cerca de 1.175 na Coreia do Sul e 1.740 nos EUA.

De acordo com os dados do Ministério da Saúde da Índia, do total da população que realizou os testes, cerca de 4 por cento testaram positivo. Nos EUA, essa taxa é de cerca de 17 por cento e o Reino Unindo situa-se nos 21 por cento.
Mais mortes do que as registadas?
Outro dos fatores que poderá justificar os baixos números consiste no número de mortos. Mesmo perante um cenário não pandémico, apenas cerca de 22 por cento das mortes registadas na Índia são medicamente certificadas, o que significa que a causa da morte da grande maioria dos óbitos não foi certificada por um médico. Poderá ser o que está acontecer atualmente.

Um médico de um dos principais hospitais de Mumbai disse à CNN que quando os corpos chegavam ao hospital, estes não eram testados para despistar o novo coronavírus, mesmo que suspeitassem que essa foi a causa de morte.

“Se o histórico demonstra que a pessoa esteve em contacto com alguém infetado com o vírus, nós descartamos o corpo da mesma forma para pacientes que testaram positivo para a Covid-19”, revelou o médico.

No entanto, alguns especialistas dizem que, nesta altura, o cenário ainda não é muito grave no país:

“Mesmo que não estejamos a testar o suficiente, não existem assim tantos cadáveres a chegar aos hospitais que sugira que estejamos no centro de algo realmente dramático nesta fase”, considera a especialista Saran.

“Mesmo assim, a verdadeira contagem de mortes por Covid-19 só ocorrerá muito mais tarde, quando pudermos comparar as estatísticas deste ano com os anos anteriores”, observa Laxminarayan, do Center for Disease Dynamics, Economics & Policy.

Para além disso, as opiniões dividem-se quanto ao bloqueio de 40 dias na Índia. Muitos consideram que ainda é muito cedo para celebrar e assim que o confinamento for levantado a 3 de maio, os casos de infeção irão disparar.

A pandemia da Covid-19 já infetou mais de três milhões de pessoas em todo o mundo e o número de óbitos ultrapassou os 200 mil. Há ainda a registar mais de cinco milhões de recuperados.
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