Covid-19. Desigualdades na distribuição das vacinas geram tensão entre nações

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

Os países mais ricos já compraram e encomendaram doses de vacinas contra a Covid-19 suficientes para inocular as populações várias vezes, mas os países mais pobres não estão a conseguir garantir a proteção das pessoas nem a mitigação do novo coronavírus nessas regiões. Para minimizar estes contrastes e permitir o acesso global à vacina, foi enviada uma petição para a Organização Mundial do Comércio apelando a que fossem partilhadas com outras empresas farmacêuticas as patentes das vacinas que já revelaram eficácia.

A pandemia da Covid-19 tem afetado a grande maioria dos países desde o início do ano e aumentado as desigualdades sociais, económicas e até no acesso aos cuidados de saúde em todo o mundo. A verdade é que, desde o início, a contenção da doença têm estado a duas velocidades bem diferentes a nível global.

Por isso, a Índia e a África do Sul, em conjunto com algumas organizações dos Direitos Humanos, criarm uma petição a apelar à cooperação mundial para o acesso justo e equitativo à vacina e outros tratamentos contra o novo coronavírus.

"Pedimos que garantam urgentemente o acesso às vacinas, tratamentos e equipamentos que salvam vidas da Covid-19 para todas as pessoas no mundo", lê-se na petição. "As patentes deveriam ser retiradas, o conhecimento tecnológico compartilhado livre e abertamente e nenhum lucro permitido durante esta pandemia".

Esta proposta, que recebeu a concordância de cerca de 100 países, visa apelar aos governos que estudem as bases legais para convencer as empresas farmacêuticas a renunciar a patentes e outros direitos de propriedade intelectual relacionados com medicamentos, vacinas e meios de diagnóstico da Covid-19, até que seja alcançada a imunidade de grupo.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) confirmou, na quarta-feira, que recebeu uma petição com cerca de 900 mil signatários a pedir o levantamento das patentes das vacinas e tratamentos contra a Covid-19. A petição virtual, organizada pelo grupo de ativismo global Avaaz, foi apresentada antes da reunião do Conselho de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), que decorre esta quinta-feira.

"Governos, cientistas e empresas farmacêuticas devem cooperar e combinar recursos para garantir que ninguém seja deixado para trás. A pandemia não termina até que acabe em todos os países", refera ainda o documento.
Países ricos opõem-se à proposta
A petição é dirigida a todos os governos, membros da OMC e empresas farmacêuticas. Contudo, há Estados-membros da OMC que se opõe à partilha das patentes e tecnologias farmacêuticas, o que aumenta, mais uma vez, a divisão entre as nações.

"Continuam a existir diferenças consideráveis ​​entre os membros sobre esta proposta", referiu o órgão de comércio global com sede em Genebra, num comunicado.

Os países do Ocidente e fundamentalmente do Hemisfério Norte são os que mais se opõe a esta proposta, como os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Europeia.

"Um pequeno grupo de membros da OMC - Austrália, Brasil, Canadá, União Europeia, Japão, Noruega, Suiça, Reino Unido e Estados Unidos - está a negar o apoio que ajudaria a construir o consenso muito necessário para esta proposta", disse a Organização Médicos Sem Fronteiras esta semana, num comunicado.

A organização humanitária internacional defendeu ainda que deve ser aumentada a cooperação para que "tantas empresas quanto possível" possam produzir vacinas "fundamentais para salvar vidas".

"Qualquer eventual aprovação da vacina não será suficiente para resolver a pandemia global, a menos que as empresas tomem medidas urgentes para aumentar a cooperação com outros produtores e vender as vacinas a preço de custo", defenderam os Médicos Sem Fronteiras no documento.

Mas OMC funciona em consenso e 99 dos 164 países membros do órgão já se manifestaram a favor.

Os países-membros da UE, na generalidade, consideram mais útil financiar fundos globais para a resposta ao novo coronavírus do que a proposta da Índia e da África do Sul. Segundo a Comissão do Comércio, citada em El País, a Europa vai disponibilizar quase 16 mil milhões "para o acesso universal a testes, medicamentos, dispositivos e imunizações para a doença e alcançar a recuperação global".

Mas estes mecanismos e fundos não garantem o verdadeiro acesso justo e igual a todos os países.

Irene Bernal, investigadora da equipa de acesso a medicamentos do Salud Por Derecho afirmou ao jornal espanhol que, o que está a acontecer é que apenas "quem tem dinheiro é quem tem acesso" às vacinas e tratamentos.

A investigadora lembrou que cerca de "53 por cento das vacinas ficaram para os 14 por cento da população rica", e que "as empresas têm uma capacidade de produção limitada". Por isso, os fundos não acelerariam o processo, mas a "suspensão de patentes permitiria uma produção em larga escala suficiente para melhor responder ao mercado".

A Federação Internacional de Produtores Farmacêuticos (IFPMA) considera, por seu lado, que "a diluição dos direitos de propriedade intelectual é contraproducente", uma vez que "vai minar a confiança no que provou ser um sistema que funciona bem, permitindo que a indústria faça parceria com universidades, institutos de investigação, fundações e outras empresas privadas".

Contudo, a indústria afirma continuar "comprometida com o acesso justo e equitativo a tratamentos e vacinas para a Covid-19".

Recorde-se que no que diz respeito às patentes, as empresas farmacêuticas e outras indústrias do género têm o direito exclusivo de usar e explorar a invenção, como medicamentos ou vacinas, durante 20 anos a partir de sua concessão. Mas em 2001, a Declaração de Doha reconheceu o direito dos governos de tomar todas as medidas necessárias para eliminar patentes e outras barreiras de propriedade intelectual, de forma a priorizar a saúde pública sobre os interesses comerciais.
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