Covid-19 pode inverter 20 anos de diminuição do trabalho infantil

por RTP
Khaled Abdullah - Reuters

O alerta é da Organização Internacional do Trabalho e da UNICEF. Muitos milhões de crianças correm o risco de serem empurradas para o trabalho infantil como consequência da pandemia. Isso significaria a um aumento do trabalho infantil pela primeira vez ao fim de 20 anos de progresso. Desde 2000 que o trabalho de crianças se reduziu em 94 milhões.

"A Covid-19 e trabalho infantil: num tempo de crise, é tempo de agir", é um documento conjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

A covid-19 pode ter efeitos perversos por dois caminhos.

Por um lado, aquelas crianças que já eram obrigadas a trabalhar correm o risco de trabalhar mais horas ou em piores condições, o que pode provocar danos significativos para a sua saúde e segurança.

Alguns estudos mostram que um aumento de um ponto percentual na pobreza leva a um aumento de pelo menos 0,7% no trabalho infantil em certos países.
Por outro lado, a pandemia pode conduzir a um aumento da pobreza e, em consequência, a um aumento do trabalho infantil, já que as famílias usam todos os meios disponíveis para sobreviver.  A contração económica vem reduzir a oportunidade de trabalho para os pais e, como consequência, as crianças podem ser exploradas, chamadas a realizar trabalho perigoso.

E as evidências mostram já que esta ameaça já está a tornar-se uma realidade, à medida que as escolas fecham durante a pandemia. O encerramento de estabelecimentos de ensino afeta mais de mil milhões de alunos em mais de 130 países. Mesmo quando elas reabrirem, algumas famílias podem já não ter condições para que os filhos continuem na escola.

“Muitos pais no meu bairro aproveitaram as “férias” para mandar as crianças para a cidade para vender fruta e vegetais”, como relata uma criança do Malawi neste relatório.
Nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o mundo comprometeu-se a por fim a todas as formas de trabalho infantil até 2025
Em consequência, mais crianças podem ser exploradas e colocadas em perigo. As desigualdades de género podem tornar-se mais agudas, com as meninas mais vulneráveis à exploração na agricultura e no trabalho doméstico.

Aqueles que trabalham na economia informal e migrantes serão os grupos mais vulneráveis e aqueles que mais sofrerão com a recessão económica, com o aumento da informalidade e do desemprego, queda nos níveis de vida, impactos na saúde e sistemas de proteção social insuficientes, entre outras pressões.

"Como a pandemia causa estragos no rendimento familiar, sem apoio, muitas famílias podem recorrer ao trabalho infantil", afirmou o diretor-geral da OIT, Guy Ryder. “A proteção social é vital em tempos de crise, pois fornece assistência às pessoas mais vulneráveis”, acrescenta.

“À medida que a pobreza aumenta, as escolas fecham e diminui a disponibilidade de serviços sociais, mais crianças são empurradas para o trabalho. Ao repensar o mundo pós-COVID, precisamos de garantir que as crianças e as suas famílias tenham as ferramentas necessárias para enfrentar tempestades semelhantes no futuro, afirmou a diretora executiva da UNICEF, Henrietta Fore.
As escolhas certas no momento certo
O documento hoje apresentado elenca uma série de medidas para combater esta ameaça. “Fazer as escolhas certas no momento certo” é a forma do relatório alertar os governos mundiais que as medidas têm de ser implementadas já, sobretudo no apoio às famílias de mais baixos recursos, para evitar que caiam na tentação de recorrer ao trabalho infantil.

Uma proteção social mais abrangente, acesso facilitado ao crédito para as famílias pobres e melhor trabalho para adultos são algumas medidas preconizadas.

A escola é um agente de mudança nesta espiral. O relatório defende medidas para levar as crianças ao ensino, incluindo a eliminação de taxas de matrícula e mais recursos para as inspeções do trabalho e para a aplicação da lei.

A OIT e a UNICEF estão a desenvolver um modelo de simulação para analisar o impacto da Covid-19 no trabalho infantil em todo o mundo. Em 2021 serão divulgadas as estimativas globais sobre trabalho infantil no atual contexto.

Tópicos
pub