CPLP já devia ter acionado estatutos devido ao golpe de Estado apontam especialistas
Especialistas em assuntos africanos defenderam hoje à Lusa que a CPLP já devia ter acionado os seus estatutos devido ao golpe de Estado desta semana na Guiné-Bissau, mas, em vez disso, parece "correr sempre atrás do prejuízo".
O docente da Universidade Autónoma de Lisboa Fernando Jorge Cardoso explicou à Lusa que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), atualmente presidida pela Guiné-Bissau, tem estatutos que têm de ser respeitados, nomeadamente, neste caso, o artigo 7.º que refere que, "em caso de violação grave da ordem constitucional num Estado-membro, os demais Estados-membros promoverão consultas visando a reposição da ordem constitucional".
"Nem sequer é uma posição, é o que está nos estatutos da organização e que, em princípio, os seus membros deverão procurar cumprir", referiu o especialista em assuntos africanos.
Nesse mesmo artigo, citou, consta ainda que "o Conselho de Ministros decidirá, com caráter de urgência, sobre as medidas sancionatórias a aplicar, que podem abranger desde a suspensão de participação no processo de decisão em órgão específico à suspensão total de participação nas atividades da CPLP" e que "as decisões do Conselho de Ministros sobre a suspensão de um Estado-membro são tomadas por consenso entre os demais Estados-membros".
Na sua opinião, é "isso que a CPLP tem que fazer".
A docente do ISCTE Ana Lúcia Sá considera que a CPLP "parece correr muito `atrás do prejuízo` e já devia ter feito uma conferência de líderes", mesmo que tivesse sido `online`, como fez a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
No entanto, Ana Lúcia Sá declarou não crer que a comunidade vá suspender a Guiné-Bissau da organização, como a CEDEAO fez, relembrando ainda que a presidência da comunidade por este país foi contestada desde início.
Ambos os investigadores consideram que Portugal já devia ter tomado uma posição oficial.
"O Governo português, particularmente o seu chefe e o ministro dos Negócios Estrangeiros, já deviam ter tomado uma ação concertada com a CPLP e a União Europeia", que lembrou ser o "principal organismo de ajuda internacional à Guiné-Bissau", referiu Fernando Jorge Cardoso.
"Portugal deve tomar uma posição oficial", referiu também Ana Lúcia Sá.
Ambos os especialistas defenderam que não se compreende a discrepância de tempos de reação - da CPLP e do Governo português - relativamente à comunidade internacional, nomeadamente instituições como a CEDEAO e a União Africana (UA).
"Portugal tem aqui uma responsabilidade, ou uma irresponsabilidade óbvia neste momento por não ter tomado ainda uma posição", acrescentou o especialista em relações internacionais.
Para o investigador, esta responsabilidade não se deve ao facto de ser ex-metrópole, mas por prestar a maior ajuda internacional a este país, defendendo, contudo, que a abordagem não deve ser "cortar ajudas e financiamento, pois as vítimas seriam os civis e não os militares que tomaram o poder".
Ambos os professores realçaram ainda, em entrevista à Lusa, que os militares que estão agora a ocupar cargos em Bissau eram figuras próximas do Presidente deposto, Umaro Sissoco Embaló.
"A junta militar já indicou um novo chefe de Estado, que já indigitou por sua vez o chefe de Estado-maior das Forças Armadas, já há um primeiro-ministro, são tudo figuras de continuidade com o regime deposto", declarou Ana Lúcia Sá.
O general Horta Inta-A foi empossado Presidente de transição da Guiné-Bissau, numa cerimónia que decorreu no Estado-Maior General das Forças Armadas guineense, um dia depois de os militares terem tomado o poder no país, antecipando-se à divulgação dos resultados das eleições gerais de 23 de novembro.
Hoje, o general nomeou Ilídio Vieira Té, antigo ministro do Presidente deposto Embaló, primeiro-ministro e ministro das Finanças, através de um decreto.
As eleições, que decorreram sem registo de incidentes, realizaram-se sem a presença do principal partido da oposição, Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), e do seu candidato, Domingos Simões Pereira, excluídos da disputa e que declararam apoio ao candidato opositor Fernando Dias da Costa.
Simões Pereira, cuja família apela por apoio à comunidade internacional, foi detido e a tomada de poder pelos militares está a ser denunciada pela oposição como uma manobra para impedir a divulgação dos resultados eleitorais.
A CPLP é composta por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.