Crise humanitária na Etiópia. Autoridades declaram estado de emergência em todo o país

Depois de, no fim de semana, a Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF, na sigla em inglês) ter atacado as cidades de Dessie e Kombolcha, as autoridades etíopes declararam estado de emergência no país e deixaram o apelo aos residentes de Adis Abeba para que registem as suas armas e se preparem para proteger os seus bairros. O apelo aos cidadãos surge após os dissidentes de Tigray, que deram início ao conflito com o Governo central do país, terem ameaçado avançar até à capital etíope.

Inês Moreira Santos - RTP /
Tiksa Negeri - Reuters

"O estado de emergência visa proteger os civis das atrocidades cometidas pelo grupo terrorista TPLF em várias partes do país", relatou a Fana Broadcasting Corporate (empresa de ‘media’ estatal), referindo-se aos rebeldes da Frente Popular de Libertação do Tigray.

A TPLP reivindicou, nos últimos dias, a tomada de Dessie e Kombolcha, duas cidades localizadas a 400 quilómetros de Adis Abeba, segundo a agência France-Presse. As forças dissidentes não negaram as intenções de marchar até à capital e o Governo não confirmou ter perdido o controlo destes territórios.

Se esta conquista se confirmar, marca o início de uma nova etapa do conflito que dura há mais de um ano. Entretanto, as comunicações estão cortadas em grande parte do norte da Etiópia e o acesso é restrito, o que dificulta a verificação independente dos factos no terreno.

"Todos os residentes devem ser organizados por quarteirões e bairros para proteger a paz e a segurança da sua área de origem, em coordenação com as forças de segurança, que coordenarão as atividades com a polícia comunitária e os agentes federais", disse Kenea Yadeta, chefe do Escritório de Administração de Paz e Segurança de Adis Abeba, citado pela Aljazeera.

A imprensa local noticiou, esta terça-feira, que as autoridades municipais definiram novas medidas para os cinco milhões de residentes da capital, incluindo que todas as armas de fogo existentes sejam registadas nos próximos dois dias, ou então entregues às forças de segurança do Governo, e que os cidadãos se preparem para defender a cidade.

"Haverá um recrutamento e organização dos jovens da cidade para trabalhar em coordenação com as forças de segurança para proteger a paz e a segurança no seu bairro", acrescentou Kenea.

De acordo com o responsável, "todos os setores da sociedade" devem cooperar com os esforços para aumentar o estado de alerta, incluindo os proprietários de hotéis que devem confirmar a identidade dos hóspedes. E quem publicar "informações falsas" nas redes sociais será obrigado a encerrá-las imediatamente.

Este apelo de cooperação com os militares do Governo etíope surge após as forças de Tigray terem anunciado a conquista de mais duas cidades a cerca de 400 quilómetros de Adis Abeba - Dessie e Kombolcha – e indicado que planeiam avançar em direção a Kemise, uma cidade a cerca de 325 quilómetros da capital.
TPLF aproxima-se de Adis Abeba
As forças do Tigray afirmaram ter atacado e assumido o controlo de várias cidades nos últimos dias, incluindo as cidades estratégicas de Dessie e Kombolcha na região de Amhara, sugerindo que estarão a aproximar-se da capital etíope.

"A cidade de Dessie está sob o controlo total das nossas forças", fez saber o porta-voz da TPLF, Kindeya Gebrehiwot, numa mensagem colocada no Twitter entretanto desmentida pelo governo da Etiópia.

"Dessie e os arredores da cidade ainda estão nas mãos das nossas forças de segurança", escreveu o departamento de comunicações do governo etíope na sua página do Facebook.

"Temos de garantir que o cerco ao Tigray seja desfeito", disse o porta-voz da TPLF, Getachew Reda, à comunicação social. "Temos de garantir que os nossos filhos não morrem à fome. Temos que nos certificar de que há acesso a comida, por isso faremos o que for preciso para garantir que este cerco acabe. Se avançar para Adis Abeba é o que precisamos para acabar com o cerco, então é o que faremos".

A conquista de Kombolcha, que fica junto de uma das principais estradas que liga a capital do país ao porto de Djibuti, seria uma vitória estratégica para os combatentes do Tigray.

William Davison, analista no International Crisis Group, afirmou à Aljazeera que esta estrada é "absolutamente vital para a economia nacional".

"Se as forças do Tigray conseguirem controlar aquele acesso, podem aumentar a pressão sobre o Governo federal ao restringir o fluxo de comércio", explicou. "Além disso, é um local favorável à criação de um corredor humanitário para levar bens essenciais de Djibouti diretamente para Tigray, contornando o Governo federal e fornecendo, portanto, ajuda humanitária necessária para Tigray".

O diretor do serviço de comunicações do Governo, Legesse Tulu, contrariou as afirmações de que a TPLF assumiu o controlo das duas cidades do norte da Etiópia, alegando que os militares etíopes continuavam a lutar para manter o controlo da região.

Contudo, na segunda-feira, o Governo da Etiópia acusou os independentistas da região nortenha do Tigray de terem executado cerca de 100 jovens durante o seu ataque à cidade de Kombolcha.

"É atroz, mas é também uma iniciativa deliberada para aterrorizar a população e forçá-los à submissão", indicou o porta-voz em declarações à agência espanhola de notícias Efe.

De acordo com o responsável, membros da TPLF que tomaram o controlo de Kombolcha durante o fim de semana alinharam uma centena de jovens e mataram-nos durante a madrugada. Legesse Tulu disse ainda que os separatistas estão a saquear a cidade e a destruir a propriedade privada.
Governo apela a "força total" contra rebeldes
Perante os avanços dos dissidentes, o primeiro-ministro da Etiópia pediu unidade e cooperação na luta contra a TPLF, argumentando que "a vitória é possível se a força total do país for colocada contra os rebeldes". Num discurso transmitido pelos media estatais na segunda-feira, Abiy Ahmed Ali afirmou também que há apoio estrangeiro ao lado da Etiópia para enfrentar as forças do Tigray.

O chefe do Executivo não adiantou contudo que forças estrangeiras estavam ao lado do Governo no conflito contra os independentistas. Para já apenas é conhecido o apoio das forças da Eritreia, que têm lutado ao lado de tropas federais contra a TPLF.

Já no domingo Abiy afirmou, através das redes sociais, que as tropas federais estavam a lutar em quatro frentes contra as forças do Tigray, acrescentando: "Devemos saber que a principal força do nosso inimigo é a nossa fraqueza e falta de preparação".

A força aérea da Etiópia realizou, na semana passada, oito ataques a alvos de natureza militar da TPLF, adiantou ainda o governante.

É de recordar que após meses de tensão, o primeiro-ministro da Etiópia enviou o exército federal para a região do Tigray, no norte do país, a 4 de novembro de 2020, para expulsar as autoridades regionais dissidentes da TPLF. As forças federais assumiram o controlo da maior parte da região, incluindo Mekele, nas suas mãos desde novembro de 2020.

Mas, em junho, a TPLF assumiu a maior parte do Tigray e continuou a sua ofensiva nas regiões vizinhas de Amhara e Afar.

Um dos ataques, na sexta-feira passada, fez 11 feridos e forçou um voo de ajuda humanitária da ONU a regressar a Adis Abeba, segundo médicos e fontes das equipas de voluntários. A intensificação dos combates tem agravado a crise humanitária, que afeta já centenas de milhares de pessoas.

Os recentes bombardeamentos provocaram indignação internacional e perturbaram o acesso das Nações Unidas à região, que está sob um bloqueio à ajuda humanitária. Cerca de 400 mil pessoas vivem expostas à fome, de acordo com a ONU.
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