Cuando, nova província angolana nasce com uma mão cheia de promessas

 Com apenas nove meses de existência, a nova província angolana do Cuando nasce marcada por promessas e desafios, sendo o acesso rodoviário uma das maiores preocupações.

Lusa /

Nesta zona remota do sul de Angola, com a nova capital em Mavinga, quase nada mudou desde os tempos em que era bastião da UNITA --- que a designava como "terras livres de Angola" --- e  os camiões Kamaz, de fabrico russo, continuam a ser a alternativa mais viável para o transporte de mercadorias e passageiros entre Mavinga e Cuito Cuanavale, o centro urbano mais próximo, a cerca de 200 quilómetros de distância.

Sem estradas asfaltadas, o percurso é feito por trilhos arenosos, ladeados por árvores que funcionam como estreitas "balizas", testando a perícia dos motoristas.

A viagem é longa e exigente: são pelo menos 10 horas para quem tem sorte, mas pode durar até dois dias, dependendo das condições do veículo.

A equipa da Lusa demorou 36 horas a completar o trajeto, incluindo uma gélida noite passada num acampamento improvisado no mato, com temperaturas quase negativas.

A dureza da picada é atenuada apenas pela beleza da savana africana e a vastidão das planícies inundáveis, localmente conhecidas como "chanas".

O Presidente angolano, João Lourenço, que esteve na região em julho, chegou de avião, e não enfrentou as dificuldades da viagem por via terrestre, mas anunciou o relançamento das obras de ligação entre Cuito Cuanavale e Mavinga, num novo traçado desminado --- herança da longa guerra civil --- para concluir os cerca de 200 quilómetros de estrada e impulsionar o desenvolvimento regional.

Mavinga é, por enquanto, um povoado modesto, atravessado por caminhos de terra batida, onde apenas agora começam a surgir infraestruturas administrativas para acolher os serviços da nova capital provincial, de dimensão ambiciosa, mas ainda sem calendário conhecido.

A criação da nova província, que resultou da divisão da antiga província do Cuando Cubango em duas, é recebida com sentimentos mistos. Para uns, é uma oportunidade para o desenvolvimento, mas outros mostram-se céticos quanto ao cumprimento das promessas.

Sérgio Afonso, professor vindo do Huambo, está em Mavinga desde 2020. Reconhece progressos, mas sublinha que ainda falta muito para a capital atingir o seu verdadeiro estatuto. A dificuldade de locomoção é o maior entrave: "A via de acesso não está em condições. Para o Cuito Cuanavale, normalmente viajamos de Kamaz. São os transportes que melhor se adequam ao terreno".

Os Kamaz são usados para fazer transporte de mercadorias, mas acabam por servir também para boleias, ainda que os passageiros tenham de viajar muitas vezes em cima das cargas.

"Chega-se, faz-se o contacto, normalmente paga-se um valor e somos aceites a viajar", diz o professor.

Com sorte, o trajeto demora 10 horas, mas, se o veículo estiver degradado, pode durar dois dias. A falta de acessos encarece também produtos essenciais como o combustível.

Ainda assim, Sérgio Afonso reconhece evolução: "Há mais movimentação no município e temos energia quase 24 horas", apesar de ser proveniente de geradores.

José Teodoro, técnico de saúde, concorda que a estrada é o principal obstáculo, mas nota também "uma nova dinâmica" com as melhorias recentes.

Já o jovem Abel, natural do Cuando, levanta dúvidas: "Houve melhorias desde a paz, mas espero que não nos venham com promessas falsas".

Desempregado, dedica-se à agricultura e queixa-se da impossibilidade de caçar --- Mavinga integra um parque nacional --- ou garimpar diamantes.

"Há tempos, tentámos explorar produtos como kamanga, mas o Estado não permitiu. Alguns amigos foram presos. Agora todos têm medo", diz, apontando como prioridade a "organização" das ruas e vias de acesso".

Na reunião com João Lourenço, a 22 de julho, o governador do Cuando, Lúcio Amaral, ecoou estas preocupações. Destacou as carências em infraestruturas --- estradas, escolas, hospitais, habitação, energia e água ---, mas também outros desafios como a exploração desordenada de recursos florestais e os ataques de jacarés e hipopótamos, nesta região que é um dos principais redutos de vida selvagem de Angola.

A província do Cuando compreende nove municípios (Cuito Cuanavale, Dima, Dirico, Luengue, Luiana, Mavinga, Mucusso, Rivungo e Xipundo), tendo como vizinhas as províncias do Moxico e do Cubango, a Zâmbia e a Namíbia.

O território tem uma área de 93.219 quilómetros quadrados --- superior ao território continental de Portugal --- e uma população estimada em 140 mil habitantes, estimando-se que cresça até 350 mil em 2050.

Com elevada biodiversidade, vegetação e recursos hídricos abundantes, o Cuando tem forte potencial para o desenvolvimento agrícola sustentável e ecoturismo, por enquanto comprometido devido à falta de estradas.

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