Cuba viveu há um ano maiores protestos desde a revolução de 1959
Em 11 de julho de 2021, milhares de cubanos saíram às ruas na maior manifestação de protesto desde a revolução de 1959, queixando-se da falta de alimentos e medicamentos, com o regime a responder com repressão.
Aquilo que começou por ser uma manifestação pacífica nas ruas de Havana, rapidamente se transformou num movimento de protesto que se alargou a outras cidades e mesmo fora de fronteiras, com a polícia a fazer centenas de detenções e disparando sobre ativistas e dissidentes.
O domingo de 11 de julho de 2021 acordou com protestos antigovernamentais um pouco por toda a ilha de Cuba, com os `media` internacionais a relatarem casos de repressão policial sobre manifestantes que se expressavam pacificamente.
De Havana, surgiu uma resposta pronta do regime, acusando a imprensa estrangeira de "manipulação" e acusando os Estados Unidos de "hipocrisia", pela denúncia do que as autoridades cubanas consideraram ser o resultado das sanções económicas norte-americanas.
Manifestantes e o regime cubano concordavam no diagnóstico sobre as razões imediatas dos protestos populares, os de maiores dimensões desde a revolução de 1959 que levou Fidel Castro ao poder: a falta de alimentos e de medicamentos, bem como os frequentes cortes de energia elétrica, em plena pandemia de covid-19.
Na resposta às manifestações, as autoridades cubanas detiveram centenas de pessoas e abriram processos judiciais a mais de 500 com acusações de crimes contra o regime, incluindo sedição e desordem pública.
Num país onde não existe liberdade de associação e de reunião, foi fácil às autoridades cubanas imputar acusações de manifestações ilegais, apesar dos protestos de numerosas organizações de defesa de direitos humanos, que condenaram a atuação violenta da polícia e de militares.
De acordo com algumas dessas organizações, mais de 178 pessoas foram dadas como desaparecidas, durante as manifestações que se iniciaram em 11 de julho e se prolongaram ao longo de todo o mês, tendo ainda duas outras sessões, em agosto e em meados de novembro de 2021.
Entre os desaparecidos encontravam-se nomes de ativistas políticos, músicos e dissidentes do regime.
Em declarações à Lusa, Andrés Malamud, professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, explicou que as causas da explosão social foram concorrentes: "o colapso sanitário devido à pandemia de covid-19; a crise económica pela queda no turismo e a unificação cambial; a morte de líderes revolucionários; e a existência de redes sociais que permitiram a coordenação dos protestos".
Nos protestos populares de 11 de julho, em várias regiões do país, incluindo San Antonio de los Baños, nos arredores de Havana, e Palma Soriano, na província de Santiago de Cuba, no sul da ilha, surgiram manifestantes gritando palavras de ordem contra o "regime comunista" do Presidente cubano e primeiro secretário do Partido Comunista Cubano, Miguel Díaz-Canel.
Outros manifestantes empunhavam cartazes com a palavra "Liberdade", entoando cânticos onde diziam que não tinham medo da repressão do regime cubano.
Nos dias seguintes, as manifestações espalharam-se por toda a ilha, desde a região do norte, rica em plantações de tabaco, até às zonas mais desfavorecidas no sul, onde a crise económica acentuada pela pandemia de covid-19 mais se fazia sentir.
Durante os protestos, jornalistas internacionais, como Camila Acosta, repórter do jornal espanhol ABC, foram detidos pelas autoridades, enquanto várias plataformas de redes sociais `online` alimentadas por figuras contra o regime foram fortemente censuradas.
Para Maria Alanes, investigadora cubana de Ciência Política na Universidade de Santiago de Compostela, os protestos iniciados em 11 de julho de 2021 foram "o rosto mais visível de um desconforto que vinha ganhando dimensão desde que a população de Cuba percebeu que as alterações no relacionamento diplomático com os EUA definido pelo ex-Presidente Barack Obama não teriam consequências na sua vida".
"A frustração aumentou com a crise sanitária da pandemia de covid-19, mas já estava instalada no povo cubano, quando ficou claro que nem as alterações políticas em Havana, nem uma prometida aproximação aos Estados Unidos teriam efeitos", explicou à Lusa Alanes.
Fora de fronteiras, emigrantes e exilados cubanos e países como os Estados Unidos, o Chile ou a Argentina replicaram as manifestações de protesto na ilha, amplificando as ondas de impacto da sublevação, que alarmou as autoridades cubanas.
No dia 12 de julho, no auge dos protestos, uma reunião de topo do Partido Comunista de Cuba, em que participou Raúl Castro, procurou uma solução para a crise, plasmada num comunicado que atribuía aos Estados Unidos a origem das "provocações orquestradas por elementos contrarrevolucionários".
No dia seguinte, o Ministério do Interior cubano emitiu um outro comunicado, onde lamentava a morte de um manifestante e o apresentava como mais uma vítima "do embuste norte-americano".
Nos dias seguintes, grupos de ativistas cubanos revelavam nas redes sociais imagens da polícia cubana a forçar a entrada em casa de ativistas, disparando contra os "contrarrevolucionários" e detendo todos os que faziam frente às autoridades.
Em meados de julho, o Governo cubano emitiu novo comunicado reconhecendo três tipos de manifestantes: os contrarrevolucionários, os criminosos e os que "viam as suas legítimas aspirações frustradas", numa primeira confissão de que alguns dos protestos tinham um fundamento entendível.
Mas, ao mesmo tempo, o regime de Havana promoveu uma grande contramanifestação a favor do Governo que, em 17 de julho, juntou dezenas de milhares de pessoas nas ruas de várias cidades cubanas, que puderam ouvir discursos das principais figuras do Estado insistindo nas acusações a Washington e ao impacto das sanções económicas.
Entretanto, nas ruas das cidades cubanas o Governo instalou um forte dispositivo policial e militar, que fez centenas de detenções, sob o pretexto de vandalismo e de ataque à autoridade.
Dias depois, em agosto, era divulgada um decreto que considerava crime a "divulgação de informações falsas" ou de mensagens difamatórias, apertando-se o cerco contra a liberdade de expressão.
"Sem recursos materiais, por causa da crise, nem simbólicos, ao regime resta a repressão: proibição das expressões culturais, prisão para os dissidentes, apagão da Internet", concluiu Andrés Malamud, dizendo que o regime cubano se manterá por enquanto porque "conserva o apoio das forças armadas e dos serviços de informações", para além da "aliança com a Venezuela", que lhe garante o petróleo.