Décadas de experiência. EUA publicam manual do golpe de Estado

por RTP
O secretário de Estado Hnery Kissinger (esq.) com o general golpista Augusto Pinochet, que derrubou em 1973 o governo eleito do Chile Reuters

A "Universidade de Operações Especiais Conjuntas" publicou um estudo de 250 páginas que extrai os ensinamentos de 47 casos de estudo - tudo golpes de Estado em que os Estados Unidos tiveram um indiscutível protagonismo.

O autor, Will Irwin, um antigo militar das forças especiais do Exército, lecciona actualmente naquela original universidade e escreveu o trabalho segundo regras formais do estilo académico. Delimitou o objecto do estudo, excluiu dele expressamente aqueles casos, como os golpes que derrubaram Mossadegh no Irão (1953) ou Jacobo Árbenz na Guatemala (1954), ambos democraticamente eleitos, e ambos derrubados "a frio", pela força militar, sem que existisse contra eles algum movimento do que Irwin classifica como "resistência".

Com efeito, o estudo apresenta o sugestivo título Support to Resistance: Strategic Purpose and Effectiveness e concentra-se sobre 47 casos de estudo, classificando 23 como sucessos, 20 como fracassos, dois como "parcialmente bem sucedidos" e outros dois como inconclusivos.

Irwin teoriza sobre o golpe de Estado em países estrangeiros como técnica acessória, indispensável a qualquer política externa norte-americana digna desse nome. E sustenta a teorização no carácter verdadeiramente bipartisan do recurso a essa técnica - transversal aos dois grandes partidos do espectro político norte-americano.

Assim, explica o autor, a metodologia putschista foi usada por presidentes tão diversos como o republicano direitista Ronald Reagan ou o democrata Jimmy Carter, ambos apoiantes da guerrilha antisoviética no Afeganistão e da guerrilha "contra" na Nicarágua.

Quanto aos critérios para distinguir os casos de sucesso e os fracassos, Irwin admite a contradição entre os de curto e de médio prazo. Assim, com um critério de curto prazo, o apoio aos mudjahedin afegãos constituiu um enorme sucesso, que expulsou as tropas soviéticas e foi um poderoso factor para o colapso da URSS. Mas, com um critério de médio prazo, preparou os quadros da Al Qaeda e dos taliban, e foi um factor para criar o pântano político-militar em que os EUA ainda hoje se encontram atolados.

Outros casos, foram fracassos segundo qualquer critério, mediato ou imediato: um é o apoio às guerrilhas tchetniks, em 1948, para derrubar o regime comunista jugoslavo; outro, clássico, é o da Baía dos Porcos, em 1961, para derrubar Fidel Castro. São as acções que Irwin classifica como "disruptivas", e que veementemente desaconselha.

O autor inclina-se afinal para uma teorização do modelo Guaidó como método mais depurado e mais prometedor de sucesso no labor de derrubar governos. Para ser bem sucedido, há que actuar de preferência em situações de guerra ou de conflito armado de baixa intensidade, e há que começar pelo apoio a movimentos de desobediência civil.

Começar logo pela violência terrorista ou pelo golpe palaciano é algo que o experto académico considera imprudente. Mas tudo tem a sua dinâmica e um movimento de protesto não coadjuvado por uma crescente campanha militar, interna e/ou externa, acabará por esgotar-se.

O estudo de Irwin explica exaustivamente como fazer um golpe de Estado e em que contexto potenciar as suas possibilidades de sucesso imediato. Mas admite que não há receita milagrosa para garantir esse sucesso e, menos ainda, para garantir que, uma vez alcançado, ele não venha a tornar-se uma vitória de Pirro no futuro medido com escala mais longa.
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