Embora o Papa Francisco tenha expressado, anteriormente, que não se opunha ao casamento homossexual, o Vaticano esclareceu, na segunda-feira, que a Igreja não dispõe, nem pode dispor, do poder de abençoar uniões de pessoas do mesmo sexo. Esta tomada de posição por parte da Santa Sé está a dividir opiniões: se por um lado há quem considere que isto é regressar "à estaca zero", por outro há quem critique o apoio de Francisco, alegando "contradizer os ensinamentos da Igreja".
"O que deveria haver é uma lei da união civil, assim eles estão legalmente cobertos", uma citação que fez manchetes em todo o mundo, provocando críticas da ala mais conservadora da Igreja.
Esta decisão é vista como uma vitória da ala conservadora da Igreja Católica.
"A declaração de ilegalidade das bênçãos das uniões entre pessoas do mesmo sexo não é, portanto, e não quer ser, uma discriminação injusta, mas sim reivindicar a verdade do rito litúrgico e do que corresponde profundamente à essência dos sacramentos, como a Igreja os entende", refere a congregação. "Não há base para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus para o casamento e a família", acrescenta o documento emitido pelo Vaticano.
Já em 2020 o Vaticano viu-se forçado a falar do tema depois de um documentário revelar afirmações do papa que pareciam apoiar as uniões homossexuais. A Santa Sé esclareceu, na altura, que Francisco se referiu a proteções legais e não a uma aprovação da Igreja.
A decisão do Vaticano de considerar a união entre pessoas do mesmo sexo um pecado que a Igreja Católica não pode abençoar não surpreendeu a comunidade LGBTQ+ católica nos Estados Unidos, mas foi classificada como um regresso "à estaca zero".
A diretora executiva da organização não-governamental (ONG) DignityUSA, que luta pelos direitos da comunidade LGBTQ+ católica, Marianne Duddy-Burke disse à Associated Press (AP) que a organização que lidera tem elementos, casais do mesmo sexo, que estão juntos há décadas, um exemplo da perseverança do amor face à rejeição das famílias.
"O facto de a nossa igreja ao seu mais alto nível não reconhecer a nenhum nível qualquer tipo de bênção a estes casais é apenas trágico", acrescentou.
Em consonância com a responsável da DignityUSA, Ross Murray, que supervisiona os assuntos de índole religiosa do grupo de defesa dos direitos LGBTQ+ GLAAD, disse que a inclusão "explícita de pecado" na declaração do Vaticano faz com que a defesa pelos direitos desta comunidade "volte à estaca zero".
"Ter o pecado explicitamente incluído nesta declaração leva-nos de volta à estaca zero".
Murray lamentou ainda: "Termos a capacidade de viver as nossas vidas plena e livremente ainda é visto como uma afronta à Igreja ou, pior ainda, uma afronta a Deus, que nos criou, nos conhece e nos ama".
Já Francis DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, que defende uma maior aceitação dos homossexuais pela Igreja, previu que a posição do Vaticano seria ignorada, inclusive por alguns clérigos católicos.
"Os católicos reconhecem a santidade do amor entre casais comprometidos do mesmo sexo e reconhecem esse amor como divinamente inspirado e divinamente apoiado e, portanto, cumpre os padrões para ser abençoado", disse num comunicado, citado pela AP.
Algumas celebridades também recorreram às redes sociais para expressar a sua deceção com a decisão do Vaticano, aprovada pelo Papa Francisco.
"Enquanto graduado de uma escola secundária católica, estou profundamente triste com esta retórica arcaica e nem um pouco surpreendido. A boa notícia? Ainda estou casado e feliz e não preciso que o papa reconheça o amor que existe na minha família", escreveu no Twitter Jesse Tyler Ferguson, estrela da série "Modern Family".
As a graduate of a catholic high school, I am deeply saddened by this archaic rhetoric and not at all surprised.
— Jesse Tyler Ferguson (he/him/his) (@jessetyler) March 15, 2021
The good news? I’m still happily married & I don’t need the Pope to acknowledge the love that exists in my family. 🤪 https://t.co/eWNBtOS8mC pic.twitter.com/KqRHCuDGi0
"Falando a sério, a todos os que se esforçam para dizer que este papa é 'cool'. Não. A Igreja Católica abusou da comunidade LGBTQ por milénios. Então, vão à Igreja se precisarem. Mas é isto que estão a permitir", escreveu também na rede social o comediante, ator e produtor Billy Eichner.
On a serious note, to everyone who goes out of their way to talk about how “cool” this pope is...NO. The Catholic Church has abused the LGBTQ community for MILLENIA. So, go to church if you need to I guess but THAT’s what you’re enabling. Bye!
— billy eichner (@billyeichner) March 15, 2021
Desde o tempo em que foi arcebispo na Argentina, o papa Francisco apoiou o direito dos casais do mesmo sexo de terem proteção legal civil, mas sempre se opôs ao casamento.
Segundo uma investigação da Pew Research, no ano passado, a maioria dos católicos nos Estados Unidos e na Europa Ocidental aprova o casamento homossexual, contrariamente a uma maioria na Europa Oriental e nos países do ex-bloco soviético que se opõe.
Os católicos mais conservadores têm vindo a advertir que os debates sobre a homossexualidade geram divisões debilitantes nas igrejas cristãs.