"Democracia sob pressão". Jovens europeus mais céticos quanto aos sistemas democráticos

Há menos jovens na Europa a acreditar que a democracia é o melhor sistema de governo. A conclusão é de um novo estudo, agora divulgado em Berlim, que revela que as gerações mais novas querem mudanças políticas e na implementação da governação da União Europeia. O custo de vida e as ameaças externas aos países europeus são os principais fatores apontados para a menor aprovação dos sistemas democráticos por parte das pessoas entre os 16 e os 26 anos.

Inês Moreira Santos - RTP /
Yves Herman - Reuters

Cinquenta e sete por cento dos inquiridos preferem incondicionalmente a democracia a outras formas de governo e a Alemanha é o país europeu onde a taxa de aprovação é mais elevada, com 71 por cento. À primeira leitura parecem números bons, mas o estudo “Jovem Europa” revela que apenas seis por cento dos jovens entre os 16 e os 26 anos acredita que o sistema político do país em que vive funciona bem e não tem de ser alterado.

Embora a maioria (57 por cento) apoiem a democracia, há uma parcela considerável de pessoas deste grupo etário que não valoriza particularmente sistemas democráticos. Na Polónia foi onde menos jovens admitiram preferir incondicionalmente a democracia – apenas 48 por cento. E de acordo com o inquérito, cerca de 21 por cento (um quinto dos entrevistados) são a favor de uma forma de governo autoritária em detrimento de uma democrática, em determinadas circunstâncias.

Há outro número relevante: 48 por cento dos jovens europeus acredita que a democracia do próprio país está em risco. De facto, a grande maioria considera necessário haver uma reforma no sistema político do próprio país. E destes, 39 por cento acredita que o sistema funciona bem mas tem de mudar em “alguns aspetos”. Há ainda um terço dos inquiridos a afirmar que é preciso mudar “em muitos aspetos” porque o sistema político não está a funcionar muito bem.Além disso, quase um em cada dez em todos os países disse não se importar se o governo é democrático ou não e cerca de 14 por cento não sabia ou não quis responder.

A investigação foi realizada pela Fundação Tui, em abril e maio deste ano, com cerca de 6.700 inquiridos entre os 16 e os 26 anos da Alemanha, França, Reino Unido, Espanha, Itália, Grécia e Polónia.

“Entre as pessoas que se consideram politicamente à direita do centro e se sentem economicamente desfavorecidas, o apoio à democracia cai para apenas um terço”, explicou num comunicado Thorsten Faas, cientista político e professor da Universidade Livre de Berlim, e responsável por este estudo.

“Estes números mostram que a democracia está sob pressão, interna e externa”.O investigador sublinhou que, vendo estes resultados, não se pode achar que a democracia está “garantida”: “precisa de democratas”.

“Se 57 por cento dos jovens europeus afirmam preferir a democracia a qualquer outra forma de governo, isso também significa que muitos não a apoiam 100 por cento. Em países como Polónia, Espanha ou França, esse número chega a apenas 50 por cento”
Mais ceticismo sobre imigração
Há mais jovens do que há quatro anos que se classificam como de centro-direita. Em 2021, o número era de 14 por cento, mas agora é de 19 por cento. Este ano, 33 por cento dizem ser do centro político, 32 por cento de esquerda e 16 por cento não sabem ou não respondem.

Na Alemanha, assim como em França e em Itália, a proporção dos que se classificam como de centro-esquerda está a aumentar. E sobre questões de género, o estudo mostra que os jovens na Alemanha, França e Itália são mais progressistas atualmente, contrariamente aos jovens na Polónia e na Grécia que serão mais conservadores do que há quatro anos.Outro dado novo: os jovens europeus tornaram-se mais críticos em relação à migração.

  Em 2021, 26 por cento acreditava que a imigração tinha se ter mais restrita. Agora esse número subiu para os 38 por cento. E há ainda 33 por cento de indecisos sobre esta questão.

"Numa comparação entre países, as atitudes mais céticas são encontradas na Polónia, Grécia e Espanha", explicou Faas. “No entanto, a localização da fronteira europeia não explica esse padrão. Na Itália – também fortemente afetada pela migração – o ceticismo é significativamente menor”.

Os jovens também querem que os governos façam mais para promover a igualdade para as mulheres na sociedade. Trinta e oito por cento de todos os entrevistados afirmam que a igualdade não foi ainda longe o suficiente, mas 20 por cento acham que as medidas de igualdade "já vão longe demais".
UE precisa de mudanças
Apesar da maioria aprovar a democracia, 40 por cento dos entrevistados afirma que o funcionamento da União Europeia não é particularmente democrático. Destes, 51 por cento concorda com a afirmação "a UE é uma boa ideia, mas é muito mal implementada". Cerca de 33 por cento discorda. A opinião mais cética vem da Grécia, onde dois em cada três entrevistados concorda.

Mais da metade (53 por cento) acreditam que o bloco comunitário está muito preocupado com "pequenas coisas" e não com as "coisas realmente importantes"

Os jovens dos países da UE veem uma necessidade particular de ação na questão do custo de vida: 36 por cento considera que tem de se tornar mais acessível a todos os cidadãos. Em segundo lugar, está o aumento da defesa contra ameaças externas (25 por cento), seguido da exigência por melhores condições para a economia e as empresas e a proteção climática (ambos com 23 por cento).

"Se apenas seis por cento afirmam que o sistema político do seu país funciona bem, isso envia uma mensagem séria. E o projeto europeu, que nos trouxe paz, liberdade de movimento e progresso económico durante décadas, também é visto como complexo e insuficientemente democrático. É precisamente por isso que é necessária mais educação política para tornar as relações europeias compreensíveis e permitir uma participação genuína", escreve também Elke Hlawatschek, Diretora-Geral da Fundação TUI.

Quando a questão é o papel da Europa na política global, os jovens europeus veem os Estados Unidos como o ator político mais importante do mundo. Oitenta e três por cento diz que os EUA são um dos três países mais importantes, seguidos pela China e a Rússia. A UE alcança apenas 42 por cento neste ranking. Os jovens britânicos citam com mais frequência a UE como um dos três atores mais importantes na política global (50 por cento), do que os restantes pertencentes ao bloco europeu.

Os números do estudo da Fundação TUI mostram pouca confiança na UE como ator geopolítico, mas os jovens europeus veem potencial: 51 por cento acredita que a UE só pode competir com os principais atores políticos globais se mudar aspetos fundamentais. Apenas um em cada quatro, ou seja 25 por cento, é fundamentalmente cético e acredita que a UE nunca desempenhará um papel tão importante.

Entre as mudanças fundamentais desejadas para maior relevância geopolítica, melhores condições para o crescimento económico são a prioridade, seguidas por maior coesão entre os Estados-membros. Os jovens europeus querem que a UE invista mais em defesa no futuro e que haja redução da burocracia. Cerca de um quarto (28 por centi) acredita que a UE deve representar os próprios interesses com mais confiança.

Apesar disso, a permanência dos países na União Europeia não é um assunto em debate para a maioria. Dois terços, cerca de 66 por cento, consideram que a adesão à UE é positiva.

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