Desavenças na Federação de bosníacos e croatas antecederam eleições

A crise política na Federação bósnia, partilhada entre croatas e bosníacos (muçulmanos), forçou em julho o alto representante internacional e impor modificações técnicas à lei eleitoral, destinadas a tentar preservar uma entidade em riscos de implosão.

Lusa /

Após três dias de manifestações em Sarajevo, o alemão Christian Schmidt, que assumiu o cargo de Alto Representante para a Bósnia-Herzegovina (OHR, na sigla em inglês) em agosto de 2021, cedeu em parte aos protestos bosníacos, que acusavam os croatas de deriva secessionista.

Assim, o ex-ministro conservador alemão proveniente da bávara CSU apenas adotou medidas transitórias, recusando a aplicação do conjunto do "pacote" exigido pelos nacionalistas croatas e que consumaria a partilha étnica de um país já muito dividido.

Em simultâneo, ameaçou de novo utilizar os seus amplos poderes legislativos e executivos, os "poderes de Bona", para impor "mudanças significativas" caso os políticos bosníacos e croatas não chegassem a acordo até às eleições de outubro, que decorrem no próximo domingo.

Os seus poderes também lhe permitem demitir dirigentes eleitos que considere estarem a violar o acordo de Dayton, que pôs termo à guerra interétnica em finais de 1995, quando a Bósnia-Herzegovina foi dividida em duas entidades - a República Srpska (RS) e a Federação bósnia (croato-muçulmana), unidas por um frágil poder central.

Já em maio passado, a quatro meses das eleições gerais que decorrem domingo, e num relatório apresentado perante o Conselho de Segurança da ONU, Schmidt emitia um negro balanço político de um país fraturado entre "o perigo iminente de desintegração" e "risco de um regresso do conflito".

Após ter de novo utilizado os seus poderes discricionários em junho para financiar as eleições e impedir o seu adiamento, Schmidt conseguiu apaziguar os nacionalistas croatas locais da União Democrática Croata (HDZ-BiH) que contestavam as regras eleitorais que permitem aos bosníacos -- largamente maioritário na entidade comum --, eleger representantes croatas, designadamente para a presidência colegial.

As "alterações técnicas" impostas por Schmidt também preveem multas mais elevadas para as violações da lei eleitoral, medidas que impeçam a utilização abusiva de recursos públicos para fins políticos, a proibição do discurso do ódio ou outras disposições destinadas a prevenir a fraude eleitoral.

No entanto, também emitiu um ultimato aos dirigentes bosníacos e croatas locais, ao ameaçar com "alterações significativas" caso não garantissem acordo sobre a alteração da lei eleitoral, e apesar de permanecer o impasse.

O projeto de nova lei, que suscitou apreensões entre os bosníacos, prevê alterações no funcionamento do parlamento da entidade, eleições dos representantes da Federação, a eleição de juízes do Tribunal Constitucional da Federação e ainda alterações relativas à transparência do processo eleitoral, extensíveis aos seus dez cantões.

Apenas este último aspeto foi adotado em finais de julho pelo OHR, com os bosníacos a considerarem discriminatórias as restantes disposições do plano e apenas favorecendo os croatas do HDZ-BiH.

As eleições vão decorrer sem a resolução das disputas eleitorais e tudo parece depender dos resultados eleitorais garantidos pelas duas principais forças nacionalistas de bosníacos (Partido de Ação Democrática, SDA) e da formação croata, `irmã-gémea` do partido no poder em Zagreb.

Prevê-se a permanência dos bloqueios, em particular a utilização sistemática do veto pelos croatas bósnios, e com Schimdt a insistir na necessidade de uma ampla reforma destinada a frenar os impulsos secessionistas de croatas, e ainda da liderança da RS.

Caso contrário, têm alertado diversos analistas, o país permanecerá numa crise endémica. Um compromisso pós-eleitoral tem sido considerado a melhor opção, também para evitar que o alto representante volte a utilizar os "poderes de Bona" para impor a alteração das leis do país sem a autorização dos líderes locais. Neste caso, Christian Schmidt decerto contará com o apoio da União Europeia e Estados Unidos, os parceiros ocidentais envolvidos na região.

 

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