Desiludidos, moradores da antiga `cidade paralela` bolsonarista tentam a união

Os poucos bolsonaristas acampados em Brasília contra o `comunismo` procuram a união e reagrupar os poucos `soldados da liberdade` que ainda restam entre o desânimo por, finalmente, perceberem que Lula da Silva é mesmo Presidente do Brasil.

Lusa /

Poucos dias antes do final do ano, e de Lula da Silva subir a rampa do Palácio do Planalto, no dia 01 de janeiro, o cenário no acampamento era bem diferente. Havia a certeza entre os milhares de `resistentes` de que as forças armadas iriam "salvar o povo brasileiro" contra o "demónio vermelho" que aí vinha.

"Mais 72 horas" e algo acontecerá. Era esta a expectativa constante dentro dos vários acampamentos espalhados pelo Brasil montados a partir de 30 de outubro, dia das presidenciais.

Acreditava-se que as forças armadas iriam reverter o resultado das eleições e colocar Jair Messias Bolsonaro no `trono`. Por várias vezes acreditou-se na prisão de Alexandre de Moraes, o juiz do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), inimigo número um dos bolsonaristas.

Estes momentos criavam explosões de euforia dentro destas `cidades paralelas`.  As redes de informação de `influencers` radicais iam inundando as plataformas sociais, no Twitter, YouTube, WhatsApp e Telegram, com falsas esperanças, criando a sensação de que algo bombástico ira acontecer. Um deles, Oswaldo Eustáquio, tinha um autentico estúdio de televisão montado na acampamento em frente ao Quartel-General em Brasília.

Mas, afinal, nada aconteceu e Lula subiu mesmo a rampa no primeiro dia do ano. A outrora `cidade paralela` - que chegou a albergar 10.000 pessoas, com uma rua de restaurantes, frutarias, cabeleireiros, loja de roupa, churrascarias, centenas de casas de banho -- praticamente acabou.

Restam apenas algumas dezenas de tendas, um palanque para os oradores e pastores improvisados e uma dúzia de casas de banho. A `cidade paralela` transformou-se numa pequena aldeia que, dali, procura resistir ao comunismo, ao vermelho, à ideologia de género e à censura. "Lutamos pela liberdade", diz à Lusa um dos resistentes da agora `pequena aldeia gaulesa. Mas falta poção.

Sentada na escadaria de frente para o Quartel-General, uma senhora na casa dos 60 anos, aposentada residente em Brasília, vestida com uma camisola amarela e sentada num pequeno banco de plástico conta à Lusa que não pretende abandonar o acampamento.

"Juramos pela nação e eu ainda honro o exército", afirma, acrescentando que esta luta não é mais por Bolsonaro, mas sim "pelo Brasil".

"Bolsonaro foi para os EUA porque ia ser preso na quarta-feira", explica à Lusa um homem que se identificou como camionista, que parou para conversar com a reformada brasiliense, justificando assim a ida do ex-Presidente brasileiro para Orlando, por tempo indeterminado.

A mulher ao se aperceber que o homem era camionista começa depois a recordar os `gloriosos tempos` do acampamento, que persiste há mais de 60 dias.

"Estavam todos ali estacionados e às 16:00 buzinavam", relembra, melancólica, quase a chorar.

O camionista conta que participou em vários bloqueios de estradas, que procuraram paralisar o país e assim chamar as forças armadas, e que chegou ao acampamento na quinta-feira para no fim de semana tentar invadir a praça dos três poderes.  

Nos grupos de redes sociais bolsonaristas esse é o apelo. Dizem que estão a chegar centenas de autocarros e camiões vindos de todo o país para invadir Brasília. Mas, tal como a história do `Pedro e do Lobo`, não se sabe se é verdade.

Na sexta-feira, foi desmantelado um acampamento na cidade de Belo Horizonte, que também estava montado há mais de 60 dias. Questionada se tinha receio que isso pudesse acontecer também em Brasília, a aposentada disse não acreditar "porque este terreno pertence ao exercito".

Na quinta-feira, o novo ministro da justiça, Flávio Dino, disse acreditar que a "expectativa é de que essa persuasão funcione, ou seja, que as pessoas se convençam de que elas têm todo o direito de não gostar do governo, mas que elas não têm o direito de descumprir a lei em nome de não gostar do governo".

Mas, avisou que exitem "mecanismo necessários" para um desmantelar o acampamento. "Espero que isso não aconteça", frisou.

Uns metros mais à frente da escadaria onde se encontrava a mulher, um homem que se identificou como "índio e evangélico" começa a pregar para cerca de duas dezenas de pessoas.

"Tudo o que estamos fazendo é brigando pela libertação do nosso e "cada um que está em Brasília sabe o que nós vamos fazer", declara, para delírio dos ouvintes. "Estou com Deus na frente e em segundo estamos nos", termina.

Ao sair do palanque, aproxima-se um homem e diz ao cacique: "Amanhã [hoje] vou lá, com você na frente, estou falando sério", diz, referindo-se à suposta manifestação que acontecerá na Praça dos Três Poderes.

De seguida sobe ao palco uma mulher - acompanhada por um outro homem que empunhava um quadro de Jesus - que montou uma igreja evangélica no acampamento há 67 dias.

A mulher pede a Deus que "retire o espírito de divisão entre os manifestantes e na direita" e apela à união de todos ali presentes para combater a descrença instalada.

"O comunismo é a religião do demónio", garante, contando depois que o que viu durante as celebrações da tomada de posse de Lula da Silva foi "macumba".

"Todo o mundo fazendo macumba. Para criar um espírito divisor", diz aos seus ouvintes.

A mulher pede depois aos presentes para fazerem um minuto de silêncio em prol da união entre os manifestantes. No fim, rezou-se um "Pai Nosso".

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