Detenção de George Floyd violou normas policiais, testemunhou chefe da Polícia de Minneapolis

por Inês Moreira Santos - RTP
Medaria Arradondo, chefe da Polícia de Minneapolis a testemunhar no julgamento de Derek Chauvin Nicholas Pfosi - Reuters

Um testemunho pouco comum marcou a sessão de julgamento, na segunda-feira, no caso sobre a morte de George Floyd: o chefe da Polícia de Minneapolis afirmou em tribunal que as normas policiais foram violadas na imobilização do afroamericano por Derek Chauvin, o ex-agente em julgamento por homicídio.

"Continuar a aplicar aquele nível de força a uma pessoa algemada atrás das costas, que claramente já não reagia — nem se mexia sequer —, não faz parte, de nenhuma maneira nem forma, de qualquer regra que tenhamos, não faz parte do nosso treino e certamente não faz parte da nossa ética ou valores", disse Medaria Arradondo, num dos testemunhos mais aguardados no julgamento deste caso.

O chefe da Polícia de Minneapolis foi ouvido na segunda-feira em tribunal e garantiu que a forma como o polícia acusado pelo homicídio de George Floyd, Derek Chauvin, deteve a vítima não está de acordo com quaisquer regras e normas em vigor na corporação.

Segundo Medaria Arradondo, Derek Chauvin "violou as regras" da Polícia além do código de ética da corporação, que se rege pela "inviolabilidade da vida", ao ter utilizado violência extrema na detenção de George Floyd, resultando na morte do afroamericano de 46 anos.

"Temos um dever de auxílio e, portanto, quando alguém está sob a nossa custódia, independentemente de ser um suspeito, temos uma obrigação de assegurar assistência", declarou ao júri. "É absolutamente imperativo que os nossos agentes regressem a casa no final do turno, mas temos de garantir que os membros da nossa comunidade o possam fazer também".

Testemunhando em mais uma das sessões de julgamento de Chauvin, Arradondo admitiu ter ficado "alarmado" quando, horas após a detenção, viu pela primeira vez um vídeo que mostrava o agente ajoelhado sobre o pescoço de George Floyd.

"Assim que o senhor Floyd parou de oferecer resistência, e seguramente assim que começou a ficar em dificuldades e a tentar verbalizar isso, aquilo devia ter parado"
, sublinhou.

De acordo com o New York Times, o facto de um chefe de polícia depor contra um dos seus agentes em tribunal é raro e pode pesar na decisão final do júri, uma vez que dificulta o trabalho dos advogados de Chauvin que alegam que o agente estava a cumprir o seu dever durante a detenção de George Floyd.
"Uso de força" pela Polícia
O chefe da Polícia de Minneapolis , responsável pelo despedimento de Chauvin e dos três outros agentes envolvidos no incidente, declarou perante o júri que a vida humana devia ser a base do trabalho das forças de segurança, mas que nem sempre isso aconteceu.

"A santidade da vida e a proteção do público devem ser o pilar da política de uso de força por parte da polícia de Minneapolis", citou Arradondo, ao ler em tribunal um manual sobre normas da corporação.

Para Medaria Arradondo, Chauvin não cumpriu este princípio na forma como lidou e deteve Floyd.

"Quando falamos dos princípios e dos valores que temos [na polícia de Minneapolis], esta ação é contrária àquilo que ensinamos", disse. "É minha convicção que o único incidente sobre o qual seremos julgados para sempre vai ser a forma com usamos a força".

"O procedimento de imobilização consciente do pescoço, na política que temos, pressupõe uma pressão ligeira a moderada", começou por explicar Medaria Arradondo, baseando-se nas normas do manual da corporação. "Quando olho para a prova número 17 e para a expressão facial do senhor Floyd, não parece de forma alguma que tenha sido utilizada pressão ligeira a moderada".

Por isso, o chefe da Polícia não hesitou em afirmar em tribunal que Derek Chauvin violou "absolutamente" esta regra policial, para além de não ter prestado assistência de primeiros socorros como lhe foi ensinado.

Arradondo, de 54 anos, é o primeiro afroamericano a dirigir a polícia de Minneapolis, e na sequência da morte de Floyd em Maio de 2020 demitiu Chauvin e os outros três agentes que o acompanhavam, tendo defendido desde início que no caso de Floyd se tratava de "homicídio".

A defesa de Chauvin, no entanto, baseia-se no argumento de que o agente seguiu o protocolo de detenção e que a causa da morte de Floyd foi o consumo de drogas associado a outros problemas de saúde.

Também na segunda-feira, no início da segunda semana do julgamento, os jurados ouviram o testemunho do médico que declarou o óbito de Floyd, Bradford Langenfeld, que disse não ter tido conhecimento de quaisquer esforços para reanimar a vítima antes da intervenção dos paramédicos. Baseado nas informações disponíveis, disse, "o mais provável" é que a paragem cardíaca de Floyd tenha sido causada por "asfixia ou falta de oxigénio".

No ano passado, recorde-se, o médico legista do condado classificou a causa da morte de Floyd como homicídio, relacionando-a com compressão nas vias respiratórias, e classificou o consumo de drogas como "outras condições significativas".

Já na sexta-feira passada, o agente mais experiente da Polícia de Minneapolis, Richard Zimmerman, afirmou em tribunal que tinha sido "absolutamente desnecessária e injustificada" a "força mortal" usada contra Floyd.

"Colocá-lo de bruços com um joelho no pescoço tanto tempo foi simplesmente injustificado, absolutamente desnecessário", afirmou Zimmerman, acentuando que "ajoelhar sobre o pescoço de alguém pode matar", é uma "força mortal".
Chauvin foi treinado para "neutralizar" situações de crise
Na sessão de segunda-feira, para além de Arradondo, também a inspetora Katie Blackwell testemunhou no mesmo sentido. Blackwell confirmou ao júri que é suposto os agentes colocarem os suspeitos "numa posição lateral de recuperação" e que isso deve ser feito "assim que possível" e que os agentes são informados durante a sua formação dos riscos de asfixia posicional.

Segundo a inspetora, ex-responsável pelo programa de formação da polícia local, a forma como Chauvin prendeu o pescoço de George Floyd com o joelho não corresponde a qualquer movimento ou posição convencional — o que contraria diretamente a tese da defesa do arguido.

"Não sei que tipo de posição improvisada é esta", disse Blackwell. "Não é isto que nós treinamos".

Mas segundo foi revelado já na sessão de julgamento desta terça-feira, quatro anos antes da morte de George Floyd, Derek Chauvin fez um curso de 40 horas sobre intervenção em crise, que incluiu treino e formação sobre como reconhecer pessoas em crise e como agir para as neutralizar ou acalmar.

Na segunda sessão desta semana, Ker Yang, o oficial da polícia de Minneapolis responsável por treinar os agentes para lidar com situações de crise, também foi testemunhar em tribunal.

De acordo com a Associated Press, o também oficial na Polícia de Minneapolis disse que os agentes são ensinados a tomar decisões críticas para lidar com pessoas em crise, incluindo aqueles que sofrem de problemas mentais ou sob efeitos do uso de drogas, e então "neutralizar a situação".

Os registos apresentados em tribunal esta terça-feira, mostram que Chauvin participou num curso destes em 2016.

"Quando falamos sobre situações de evolução rápida, muitas vezes temos tempo para desacelerar as coisas e reavaliar e passar por esse modelo", disse Yang.

Derek Chauvin, de 45 anos, está acusado do crime de homicídio em segundo grau de George Floyd que aconteceu a 25 de maio de 2020. É esperado um veredicto no fim de abril ou no início de maio.

Os outros três polícias implicados, Alexander Kueng, Thomas Lane e Tou Thao, serão julgados em agosto acusados de cumplicidade no homicídio.
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