Detritos de teste anti-satélite russo em rota de colisão com satélites operacionais

por Nuno Patrício - RTP
Ilustração de uma potencial colisão de lixo espacial Foto: University of Warwick/Mark Garlick/DR

Milhares de pedaços de lixo metálico espacial provocados por uma demonstração russa de uma arma anti-satélite, lançada em novembro, deram origem a várias ondas de aproximações a satélites ativos em órbita baixa da Terra.

Os detritos são tantos que as agências dedicadas ao rastreio do lixo espacial referem que, em alguns casos, surgem dezenas de milhares de hipóteses de colisão por semana.

Tais eventos, já classificados de “rajadas de conjunção” pela empresa que faz o rastreio espacial de satélites COMSPOC, foram registados pela primeira vez em janeiro.

Eventos que decorrem das circunstâncias únicas do teste russo ASAT realizado a 15 de novembro, que destruiu o satélite Cosmos 1408 e criou milhares de pedaços de detritos orbitais.

Simulação da demonstração russa do ASAT em novembro de 2021. Grande parte dos detritos desse evento apresenta-se agora numa órbita que se alinha periodicamente com satélites em órbitas sincronizadas com o sol. Crédito: COMSPOC

Para se ter uma maior noção do que poderão ser estas rajadas de conjunção, imagine-se um tiro de caçadeira em que os chumbos viajam não muito dispersos, mas com uma amplitude suficiente para atingirem um conjunto de pássaros a voar em bando.

Travis Langster, vice-presidente da COMSPOC, está tão preocupado com estas vagas de lixo que referiu abertamente, durante um colóquio no 24.º FAA Commercial Space, a 17 de fevereiro, que espera o pior para o início de abril: “Na primeira semana de abril, somente nessa semana, haverá 40 mil conjunções (ondas) que prevemos puramente a partir desse evento”.

Ondas que surgiram da destruição do Cosmos 1408 e que agora se encontram na órbita de várias constelações de satélites sensoriais remotos, que exercem importantes funções de monitorização terrestre, marinha e meteorológica.


Este gráfico revela os picos em conjunções com satélites ativos em LEO causados ​​por detritos russos ASAT. Crédito: COMSPOC

O satélite russo Cosmos 1408 encontra-se numa órbita com uma inclinação de 82,3 graus, diferente dos muitos satélites remotos estacionados em órbitas síncronas com o Sol, com inclinações de cerca de 97 graus. Mas os detritos criados sobrepõem-se às órbitas dos satélites, com a agravante de se deslocarem na direção oposta, ou seja, choque frontal.

“Quando eles (detritos) se sincronizam, provocam a tempestade perfeita: estão no mesmo plano de órbita, mas a viajar em sentido contrário, cruzando-se duas vezes numa órbita, repetidamente”, explica Dan Oltrogge, diretor de operações integradas e pesquisa da COMSPOC, numa entrevista recente.

A contribuir para o potencial desastre orbital, estas vagas de detritos vão durar vários dias até que as órbitas saiam de sincronia.

A COMSPOC registou pela primeira vez um aumento nas conjunções no início do ano, que colocaram em risco um grupo de cubesats de imagem Dove operados pela Planet. Esta primeira onda atingiu o pico com cerca de quatro mil conjunções diárias, definidas como aproximações dentro de dez quilómetros, a 2 de janeiro. Desde então, já foram registadas novas vagas, chegando a cerca de duas conjunções por dia a outro conjunto de satélites Planet que operam naquela região orbital.

O COMSPOC prevê agora uma rajada de conjunção ainda mais forte no início de abril, quando os destroços encontrarem vários cubesats Flocks of Planet, incluindo um pico de mais de 14 mil conjunções no dia 5 de abril.

O diretor de operações integradas e investigação da COMSPOC, Dan Oltrogge, explicou ainda que a constelação dos satélites remotos da Planet é, potencialmente, a mais afetada, entre os demais existentes (Satellogic, Spire e Swarm), devido ao elevado número de satélites que operam nesta órbita baixa. Mas não está sozinha. “Isso não é diferente para qualquer sistema de observação da Terra que usa órbitas sincronizadas com o sol nessa altitude”, disse Oltrogge. “E infelizmente estamos À espera que muito do que lá está em cima seja afetado”.

O COMSPOC projeta que, na vaga prevista para o início de abril, as conjunções a envolver todos os satélites ativos em órbita baixa da Terra atinjam um pico de quase 50 mil por dia.

No entanto, como muitos desses satélites são cubesats (satélites de pequenas dimensões), o risco de colisões pode ser atenuado. Mas a acontecer vão surgir novos detritos e a voar em várias direções, podendo afetar outras órbitas e outros satélites.

Apesar de a COMSPOC estar particularmente preocupada com as constelações que habitam nesta região orbital, não se excluem os satélites fora das órbitas sincronizadas com o Sol, como a constelação Starlink, da SpaceX.

A agência que monitoriza muito do que anda lá por cima prevê que, dado o limite da SpaceX de realizar manobras automatizadas para evitar colisões, quando houver uma hipótese de colisão de um em 100 mil, a constelação Starlink esteja preparada para deslocar os seus satélites até 80 manobras por dia. Mas isto implica uma verdadeira dor de cabeça para os controladores dos satélites em órbita.

Oltrogge alertou ainda que estas vagas de conjunção podem sobrecarregar os sistemas de consciência situacional espacial (SSA) e dificultar a identificação de outras colisões potenciais pelos operadores. “Os sistemas SSA, legados e comerciais, serão prejudicados”, refere . “Se quer encontrar uma agulha no palheiro, livre-se do feno. Mas isto está a juntar muito feno”.
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