Dez dias de manobras. Chineses, russos e sul-africanos em exercícios navais no Índico

São dez dias de manobras navais que vão coincidir com o primeiro aniversário da invasão russa da Ucrânia. As marinhas de guerra de China, Rússia e África do Sul dão esta sexta-feira início aos exercícios Mosi II, no Oceano Índico. O que está a potenciar as críticas internas ao Governo sul-africano, embora este garanta que tenciona conservar uma posição de neutralidade face à guerra no leste da Europa.

Carlos Santos Neves - RTP /
A Rússia anunciou o envio, para as águas ao largo da África do Sul, do vaso de guerra Almirante Gorshkov, equipado com mísseis hipersónicos Zircon Nic Bothma - Reuters

Segundo a Força Nacional de Defesa sul-africana, o país empenha, nestas manobras navais, 350 operacionais de diferentes ramos. Já os russos anunciaram o envio, para as águas ao largo da África do Sul, do vaso de guerra Almirante Gorshkov, equipado com mísseis hipersónicos Zircon.

Citada pela BBC, Denys Reva, do Instituto para Estudos de Segurança, da África do Sul, estima que o objetivo da máquina de guerra russa é demonstrar que, “apesar dos seus contratempos na guerra da Ucrânia, as suas Forças Armadas continuam a ser muito poderosas”.Os mísseis russos Zircon superam em nove vezes a velocidade do som e têm um alcance de mil quilómetros.

Estes exercícios tripartidos não são inéditos – em 2019 mobilizaram sete navios, em concreto um vaso de guerra por cada país, navios de abastecimento e outros de vigilância, que treinaram a resposta a incêndios e inundações costeiros e a recuperação de embarcações capturadas por piratas. Desta feita, porém, revestem-se de outro valor geoestratégico, face à invasão russa da Ucrânia.

Em janeiro, a Casa Branca sublinhava que os Estados Unidos manifestariam sempre “preocupações sobre qualquer país a treinar com a Rússia” no atual contexto. O Governo sul-africano afiança que mantém a neutralidade, acenando com o argumento de que realiza ciclicamente manobras semelhantes com outros países, incluindo os Estados Unidos e a França.


“Todos os países realizam exercícios militares com amigos em todo o mundo”, sustentou também no mês passado a ministra sul-africana dos Negócios Estrangeiros, Naledi Pandor, ao receber o homólogo russo, Serguei Lavrov.A África do Sul absteve-se de votar favoravelmente, nas Nações Unidas, a condenação da ofensiva russa contra a Ucrânia. Recusou também juntar-se a norte-americanos e europeus na imposição de sanções a Moscovo.


Igualmente ouvida pela emissora pública britânica, Elizabeth Sidiropoulos, à frente do Instituto de Relações Internacionais da África do Sul, afirma que a participação do país nestas manobras fica a dever-se ao facto de as Forças Armadas se encontrarem subfinanciadas e assoberbadas. A marinha em particular, explica, “precisa de fazer equipa com outras nações para ter a capacidade de lidar com coisas ao largo da sua costa, como a pirataria”.

Já a Rússia terá, este ano, mais a ganhar com os exercícios Mosi II. “Mostram que a Rússia ainda consegue projetar o seu poder à distância e que ainda tem aliados no mundo. Permitem-lhes dizer que não é o mundo contra a Rússia. Só o Ocidente está contra a Rússia”, acentua Sidiropoulos.

Por sua vez, a China quererá preservar a segurança das rotas navais seguidas pelas suas frotas comerciais para destinos em África, além de fazer crescer a visibilidade do poderio da sua marinha de guerra no Índico.O ANC – Congresso Nacional Africano mantém laços históricos com Moscovo, que apoiou ativamente a luta contra o regime do apartheid.

Os críticos internos deste posicionamento do Governo sul-africano consideram que o atual quadro económico deveria ser suficiente para forçar uma ponderação.

“É uma bofetada na cara dos nossos parceiros comerciais estar tão claramente ao lado da Rússia no aniversário da invasão. Somos idiotas úteis”, reprovou Kobus Marais, responsável pelo dossier da defesa na formação oposicionista Aliança Democrática, citado pela Reuters.

c/ agências
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