Dezoito anos do massacre de Srebrenica assinalado com enterro de 409 corpos

por Graça Andrade Ramos, RTP
Centenas de Bósnios rezam junto aos caixões de 409 vítimas massacradas em Srebrenica há 18 anos, no Memorial de Potocari Reuters

Há uma bebé entre os restos mortais hoje enterrados no cemitério de Srebrenica, na Bósnia-Herzgovina. Uma pequena placa de madeira identifica quem está dentro do pequeno caixão. "Recém nascida Muhic (pai Hajrudin)" diz a inscrição, seguida de uma data: 11.07.1995, dia de nascimento e de morte. Nesse dia, tropas sérvias lideradas pelo general Ratko Mladic entraram no pequeno enclave de Srebrenica, à revelia das tropas da ONU que deviam garantir a segurança da população. Mais de 30 mil pessoas fugiram para junto dos capacetes azuis holandeses, procurando refúgio.

No meio do caos, Hava Muhic, de 24 anos grávida do seu segundo filho, entrou em trabalho de parto e foi autorizada a entrar no edifício da ONU enquanto milhares de pessoas desesperadas observavam o avanço das forças sérvias que varriam o enclave.

Uma mulher que ajudou ao parto disse a Hava que ela tinha tido uma menina mas que esta havia nascido com o cordão umbilical enrolado à volta do pescoço e estava morta.

"Dois homens de uniforme entraram... Pegaram no meu bebé e puseram-no numa caixa. Perguntaram-se os meus dados pessoais e eu dei-lhos. Disseram-me que iam levar a minha bebé para a enterrarem" lembra Hava.

Não se sabe se a pequena bebé poderia ter sido salva. Mas no meio da violência que rodeou o nascimento era impossível prestar-lhe um eventual socorro.

Hava nunca mais viu nem soube da filha. A bebé acabou por ser enterrada numa vala comum. Uma das muitas abertas e fechadas em volta de Srebrenica nessa altura da guerra da Bósnia.

Meia hora depois do parto, Hava, ainda coberta de sangue, foi obrigada a erguer-se e a entrar num camião juntamente com outras mulheres.

Os soldados sérvios haviam separado a população de Srebrenica, mulheres e crianças muito novas para um lado, adolescentes e homens para outro, perante a impotência de centenas de capacetes azuis assustados.

Os homens e os rapazes acabaram assassinados ao longo de cinco dias, no que ficou conhecido como o massacre de Srebrenica. Entre as 8,372 vítimas estão o marido de Hava, Hajrudin, o irmão dela e os dois irmãos dele.

Das vítimas do terrível genocídio, 6,066 foram já identificadas e sepultadas dignamente. Mais de duas mil continuam desaparecidas.

No camião, naquele dia sete de julho de 1995, Hava Muhic foi levada para lugar seguro. Deixava para trás, além dos homens da família, o seu filho de cinco anos. Só anos depois soube que os adultos haviam sido massacrados. Apenas o seu filho sobreviveu e, hoje com 23 anos, vive com Hava no sul de França.

Hava Muhic assistiu hoje finalmente ao funeral da filha cuja campa se situa ao lado da do seu marido e pai da criança. Para Hava é o fim de 18 anos de angústia e de incerteza.



A bebé foi finalmente identificada entre mais de 400 corpos exumados e hoje enterrados com dignidade. Havia sido enterrada numa vala comum, aberta pelos soldados holandeses para sepultar as vitimas que nesse dia morreram de morte natural, e cuja localização se tinha perdido.

Após anos de buscas infrutíferas, "foi possível obter uma foto dos soldados junto à vala, com o pequenino corpo," afirmou Amor Masovic, um dos diretores do Instituto para as pessoas desaparecidas da Bósnia.

"Pela posição da luz e algumas sombras pudemos determinar o local o ano passado. Continha cinco corpos além do bebé," acrescenta Masovic.

Hava já tinha escolhido o nome da bebé mas nunca pôde dar-lho. Pediu agora para ser colocado na placa que assinala a campa. O presidente da câmara de Srebrenica já lho prometeu. Em breve, em vez de "recém-nascida", estará ali o nome da bebé Muhic: "Fátima".
pub