Economia
Dinheiro da China vai sobretudo para os países ricos: novo estudo põe em causa algumas certezas
Estudo inovador revela como a China, o maior credor do mundo, redirecionou os seus empréstimos principalmente para países ricos e tecnologias sensíveis nos últimos 20 anos.
Os números são publicados pelo AidData, um laboratório de investigação da Universidade William & Mary, na Virgínia, especializado no acompanhamento das despesas públicas no estrangeiro. Durante quatro anos, este centro de investigação trabalhou com 120 investigadores para produzir aquele que é o primeiro registo de todos os investimentos chineses apoiados por Pequim em todo o mundo.
Números que abalam um certo número de certezas sobre o investimento chinêsO Estado chinês injetou 2200 mil milhões de dólares fora das suas fronteiras desde 2000. É duas a quatro vezes mais do que se estimava anteriormente. E a grande surpresa que este cadastro trouxe à luz do dia é o facto de quase metade destes fundos terem sido canalizados para os países ricos. Contrariamente à ideia de que a China financia sobretudo os países do Sul, foram sobretudo os Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Austrália e Países Baixos que beneficiaram destes fluxos.
O que é curioso, uma vez que os Estados Unidos estão a denunciar a armadilha da dívida da China... ao mesmo tempo que são o maior mutuário de Pequim: com mais de 200 mil milhões de dólares. Estes empréstimos financiaram terminais no aeroporto JFK, gasodutos no Texas, centros de dados na Virgínia e até empresas icónicas como a Amazon, a Tesla e a Boeing.
Europa não fica atrás: também recebe muito dinheiro emprestado da China
A União Europeia recebeu 161 mil milhões, dos quais 21 mil milhões para França e quase dois mil milhões para a Bélgica. Projetos como o parque eólico offshore de Saint-Nazaire receberam créditos chineses, tal como Nexperia, o especialista holandês em semicondutores.
O Reino Unido e Portugal foram particularmente favorecidos pelos empréstimos do Governo chinês. Estes financiamentos não se limitam às infraestruturas tradicionais. Envolvem ativos estratégicos. A título de comparação, os empréstimos concedidos no âmbito das Novas Rotas da Seda representam apenas cerca de 20% do total.
Porque motivo Pequim investe tão fortemente nos mercados ocidentais?
Trata-se obviamente de um interesse estratégico: o plano "Made in China 2025", lançado há dez anos, visa dominar dez indústrias-chave, incluindo a robótica, os veículos elétricos e os semicondutores até ao final da década.
Para o conseguir, Pequim financia aquisições no estrangeiro para repatriar tecnologias críticas. O controlo apertado dos bancos e do capital dá a Pequim uma capacidade de intervenção que nenhum outro país desenvolvido tem. A China pode conceder empréstimos rápidos, avultados e, por vezes, opacos, através de consórcios internacionais, empresas de fachada ou circuitos offshore. Estes investimentos permitem-lhe reciclar o excesso de poupanças chinesas em mercados estáveis ou em empresas internacionais com necessidade de liquidez: Tesla, Boeing, Airbus ou Michelin. Algumas economias ocidentais - atingidas pela crise de 2008 ou pela Covid - viram por vezes no dinheiro chinês uma solução prática para financiar infraestruturas ou salvar as suas empresas. Em Atenas, por exemplo, o porto do Pireu passou a arvorar a bandeira chinesa.
Embora a escala desta mudança seja surpreendente, os investigadores relativizam uma tentativa de leitura geopolítica sistemática.
"Nem todos estes empréstimos servem necessariamente um grande objetivo geopolítico", salienta o diretor da AidData num artigo de opinião publicado pelo The Economist. Mas o seu impacto é inegável. Financiam infraestruturas críticas, reforçam a presença da China em setores estratégicos e criam dependências invisíveis.
Trata-se obviamente de um interesse estratégico: o plano "Made in China 2025", lançado há dez anos, visa dominar dez indústrias-chave, incluindo a robótica, os veículos elétricos e os semicondutores até ao final da década.
Para o conseguir, Pequim financia aquisições no estrangeiro para repatriar tecnologias críticas. O controlo apertado dos bancos e do capital dá a Pequim uma capacidade de intervenção que nenhum outro país desenvolvido tem. A China pode conceder empréstimos rápidos, avultados e, por vezes, opacos, através de consórcios internacionais, empresas de fachada ou circuitos offshore. Estes investimentos permitem-lhe reciclar o excesso de poupanças chinesas em mercados estáveis ou em empresas internacionais com necessidade de liquidez: Tesla, Boeing, Airbus ou Michelin. Algumas economias ocidentais - atingidas pela crise de 2008 ou pela Covid - viram por vezes no dinheiro chinês uma solução prática para financiar infraestruturas ou salvar as suas empresas. Em Atenas, por exemplo, o porto do Pireu passou a arvorar a bandeira chinesa.
Embora a escala desta mudança seja surpreendente, os investigadores relativizam uma tentativa de leitura geopolítica sistemática.
"Nem todos estes empréstimos servem necessariamente um grande objetivo geopolítico", salienta o diretor da AidData num artigo de opinião publicado pelo The Economist. Mas o seu impacto é inegável. Financiam infraestruturas críticas, reforçam a presença da China em setores estratégicos e criam dependências invisíveis.
Diane Burghelle-Vernet/2 Dezembro 2025 09:50 GMT
Edição e tradução/ Joana Bénard da Costa - RTP