Diretora da Vogue Brasil demite-se por ter feito humor com a escravatura

por RTP
Cartaz publicitário da revista Vogue, em 1996 Simon Kwong, Reuters

A diretora da edição brasileira da revista de moda Vogue pediu a demissão, depois de terem sido publicadas fotografias do seu 50º aniversário, que evocavam representações da escravidão colonial.

As imagens mostram Donata Meirelles, de etnia branca, sentada num cadeirão que se assemelha a um trono, com quatro mulheres negras vestidas de branco a seu lado, na sua festa de aniversário na Bahia, região do Brasil com a mais numerosa população negra.

Os críticos comparam as roupas brancas aos uniformes usados por escravos domésticos, e apontam para a semelhança do cadeirão onde Donata estava sentada com a “cadeira de sinhá”, uma cadeira ornamentada para os donos dos escravos.

“As mulheres negras foram usadas como objetos para criar uma cena exótica”, afirmou Stephanie Ribeiro, a autora da coluna #BlackGirlMagic na edição brasileira da revista feminina Marie Claire. “É uma reminiscência do colonialismo e romantiza aqueles tempos. Ela recriou a imagem de que os brancos são superiores e os negros são desumanizados ”, acrescentou.

Uma cantora reconhecida no Brasil, Elza Soares, escreveu no Instagram: “Pense em quanto pode magoar as pessoas, as suas memórias, e no seu sofrimento, quando escolhe um tema para animar um momento feliz da sua vida.”

Um utilizador do Instagram justapôs a fotografia de Donata com uma imagem de arquivo de uma mulher da família Costa Carvalho num cadeirão, com dois escravos a seu lado.

“A primeira é de 1860. A segunda é, na verdade, de 2019”, escreveu.

No dia a seguir à festa, Meirelles respondeu às críticas no Instagram afirmando que o cadeirão era um artefacto que representa o folcore religioso afro-brasileiro e que as roupas eram trajes tradicionais das festas da Bahia. “Mesmo assim, sinto muito se causei uma impressão errada”, disse.

Na quarta-feira, Donata demitiu-se do seu cargo na Vogue.
Numa declaração no Instagram, a revista escreveu: “A Vogue Brasil lamenta profundamente o que aconteceu e espera que a discussão gerada sirva de aprendizagem”. A Vogue disse que estava a criar um grupo de ativistas e académicos para ajudar na criação de conteúdos para o combate às desigualdades.

Mas o movimento não foi aceite por Stephanie Ribeiro. “Deveriam contratar pessoas negras para trabalhar na Vogue Brasil, e não criar um fórum para ativistas negros agirem como babysitters, ao explicar o que é racista e o que não é”, disse.

Mais de metade da população brasileira é negra ou miscigenada, e a revista Vogue foi a primeira a fotografar mulheres negras para a capa em 2011 – 36 anos depois do lançamento da revista.
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