Diretores de museus eslovenos substituídos denunciam tentativa de "matar pensamento crítico"

Após três candidaturas falhadas, Zdenka Badovinac, diretora da Galeria Moderna da Eslovénia desde 1993, percebeu que o seu mandato não ia ser renovado: "querem ver-se livres de todas as pessoas críticas", aponta a ex-diretora.

Lusa /

Badovinac, que deixou o museu de arte moderna em dezembro de 2020, foi a primeira diretora a sair da chefia de um museu desde que o Governo de Janez Jansa tomou posse, em março de 2020.

Desde então, cessaram funções quatro ex-colegas: os diretores do Museu Nacional e dos de História Contemporânea, Etnografia e Arquitetura e `Design`.

A substituição de cinco diretores de museus desde o início do ano foi recebida com clamor pela comunidade académica internacional e, em dezembro de 2020, 150 académicos estrangeiros iniciaram uma petição na qual se insurgem contra uma "tentativa de controlar instituições culturais e académicas" na Eslovénia.

Nos cinco casos, o Ministério da Cultura, face ao fim do mandato de cinco anos de cada um dos diretores, nomeou novos candidatos, à revelia da opinião dos conselhos das instituições e, em dois casos, entre os quais o de Zdenka Badovinac, alterando os estatutos durante o processo de candidatura.

"Precisavam de reinstalar as suas próprias pessoas nos museus, e precisavam de se apoderar das narrativas", diz à Lusa Kaja Sirok, diretora do Museu de História Contemporânea entre 2011 e 2021, cujo mandato terminou em fevereiro e não foi renovado.

À Lusa, o Ministério da Cultura esloveno recusa ter "mudado" diretores, afirmando que "seguiu escrupulosamente" o processo normal de nomeação e prestou a "maior atenção" às "regras e regulamentos que regem as nomeações de diretores de instituições públicas".

Mas Badovinac aponta irregularidades nos sucessivos concursos públicos a que se candidatou, indicando critérios diferentes de concurso para concurso, que desconfia terem sido introduzidos para corresponderem ao perfil do seu sucessor.

"Logo a seguir à segunda candidatura, mudaram os estatutos fundadores da Galeria Moderna, e foram mudados exatamente nas linhas que descreviam as condições para se ser diretor", diz a ex-diretora.

O Ministério da Cultura não nega ter alterado os estatutos fundadores da Galeria Moderna durante o processo de seleção do novo diretor, mas refere que se trata de um "procedimento de rotina" que ocorreu "muitas vezes" com Governos anteriores e que foi necessário, no caso da Galeria Moderna, porque as condições para nomear um novo diretor eram "muito limitadoras e excluíam muitos especialistas competentes".

Quanto aos pareceres dos conselhos das instituições -- que nos casos de Kaja Sirok e de Zdenka Badovinac apoiaram a renovação dos mandatos --, o Ministério indica que essa "opinião não é vinculativa" e que o papel dos conselhos "é meramente consultivo".

"Devido ao grande número de anos em que coligações de esquerda estiveram no poder, esses conselhos foram sempre selecionados pelos governos de esquerda, pelo que tendem a negar a preferência do ministro e a indicar outro candidato mais adequado -- geralmente os atuais diretores ou um candidato alinhado com os centros de poder da esquerda", alega o Ministério da Cultura.

Badovinac considera que este tipo de discurso mostra que a mudança de diretores "é explicitamente política", uma acusação que Joze Dezman, que substituiu Kaja Sirok no Museu de História Contemporânea, não nega, considerando "problemáticas" as mudanças de critérios enquanto decorrem os concursos públicos, mas referindo que, nos "jogos de poder", acontecem sempre "manobras sujas".

"Estou profundamente convencido de que este tipo de nomeação para instituições estatais é corrupto na Eslovénia. Não é apenas corrupto para a esquerda, é para a esquerda e para a direita: é uma usurpação universal do poder. Não são critérios profissionais [que primam], mas mais, digamos, conhecimentos", aponta Dezman.

Kaja Sirok reconhece que os diretores de museus que procuraram renovar o seu mandato durante o governo anterior também tiveram "complicações", mas destaca que, com o atual, isso foi feito de forma descarada.

"O que temos experienciado no último ano é que eles nem sequer tentam esconder. Tem acontecido à luz do dia: quando os candidatos deles não têm referências suficientes, eles simplesmente mudam os critérios, no espaço de uma ou duas semanas," diz Sirok.

O Ministério da Cultura rejeita a acusação, referindo que os diretores recém-nomeados, como Joze Dezman, não têm "qualquer antecedente político", foram escolhidos por terem "todas as competências necessárias para o posto" e são "especialistas internacionais distinguidos" pelos pares.

Para ilustrá-lo, Dezman salienta que, "em 40 anos de carreira", nunca teve "qualquer reparo sobre declarações ou factos" relacionados com o seu trabalho e que as únicas críticas de que é alvo se prendem com a sua atitude, que diz surgirem por "não concordar" com o que qualifica de "propaganda esquerdista".

O novo diretor, que ocupou cargos estatais sempre que Janez Jansa esteve no poder -- o atual, durante o primeiro mandato do primeiro-ministro (2004 e 2008), e o de diretor dos Arquivos da República, durante um curto anterior governo de Jansa (2012-2013) -- admite que não seria nomeado se o atual primeiro-ministro não estivesse no poder, porque é um "tabu".

"Eu não posso ter qualquer função com um governo de esquerda, é simples", diz.

Reconhece que foi escolhido pessoalmente pelo ministro da Cultura para o cargo e que é "amigo" do primeiro-ministro desde 1985, quando ambos foram membros da Aliança da Juventude Socialista da Eslovénia, mas rejeita qualquer subserviência ao governo, afirmado ser um "historiador que procura a verdade" e "independente".

"Fui nomeado para fazer o meu trabalho. Quando o governo não estiver satisfeito, posso-me ir embora. Não estou aqui para fazer o trabalho sujo de ninguém. Sou demasiado velho: não o fiz antes, não o vou fazer agora", diz.

Zdenka Badovinac, que iniciou um processo judicial contra o Ministério da Cultura por irregularidades no concurso, aponta para um processo cultural mais vasto, operado pelo Governo para "matar o pensamento crítico".

"A nossa instituição estava relacionada estreitamente com a comunidade artística e com os intelectuais: servíamos de plataforma para discussões públicas, para o imaginário, para o futuro. Sempre fomos críticos e esse foi o problema: (...) este governo não quer pessoas fortes e autónomas, (...) e é por isso que acho que, primeiro, quiseram cortar as cabeças, e, depois, disciplinar as pessoas que ficaram lá dentro", afirma.

A Eslovénia, que assume a presidência do Conselho da União Europeia (UE) na próxima semana, vive um clima de contestação ao governo liderado por Janez Jansa, com protestos semanais que há cerca de um ano reúnem milhares de pessoas na capital contra o que consideram medidas que atentam contra as liberdades fundamentais do país.

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