Do Muro de Berlim às fronteiras vedadas na Europa

por Daniela Ferreira Pinto (Texto), Sara Piteira (Infografia) |

9 de novembro de 1989. Na noite em que caiu o muro, Berlim caminhou para a unificação com euforia. Em 2019, os novos muros europeus completam o equivalente a seis muros de Berlim.

Uma barreira construída em 1961 dividiu a Europa durante quase três décadas. De um lado o comunismo, do outro o liberalismo. Berlim era o centro do confronto entre ocidente e oriente, num duelo urbano que percorria 100 quilómetros e atravessava até linhas de comboio.

Como uma tundra, o nome atribuído às áreas extensas de vegetação rasteira, o Muro de Berlim saneava a influência ocidental e protegia a República Democrática Alemã, ao mesmo tempo que impedia a fuga dos seus desertores.

Fotografia Muro de Berlim em 1961

Muro de Berlim em agosto de 1961 / Fotografia: Direitos reservados

A divisão durou até 9 de novembro de 1989, quando forças soviéticas anunciaram que não disparariam sobre os cidadãos que tentassem atravessar. Alemães orientais puderam cortar vedações, correr pelo terreno baldio, trepar proteções antitanque e partir, ao ritmo das picaretas do outro lado, a parede que dividia Berlim.

Encontrando-se em cima do muro, berlinenses de ambos os lados cantaram juntos.

“I've been looking for freedom

I've been looking so long

I've been looking for freedom

still the search goes on”

- David Hassefhoff -

Nas décadas posteriores à demolição, o ocidente europeu percorreu um caminho quase contínuo de integração e paz. Horst Köhler, antigo Presidente alemão, definiu mais tarde o que aconteceu no dia 9 de novembro como o fim de um “edifício do medo” e o início de um “espaço de alegria”. Pedaços físicos de pedra viajam pelo mundo como lembrança da vitória da democracia, mas também como amuleto para a queda de outras barreiras.

Esquerda: Queda do Muro de Berlim em 1989. Direita: Segmento do Muro de Berlim em 2019

À esquerda: Queda do Muro de Berlim em 1989. À direita: Segmento do Muro de Berlim em 2019. / Fotografia: Reuters

Os últimos trinta anos consolidaram a imagem do Muro de Berlim como símbolo de libertação. Mas foi também durante esse tempo que se construíram novos muros na Europa. Desde então, a União Europeia ergueu quase mil quilómetros de fronteiras físicas no seu território.

O Instituto Transnacional para a pesquisa e defesa de Direitos Humanos, que liga académicos, atores políticos e movimentos sociais, quantificou em 2018 os muros construídos na UE desde 1990.

Dos 28 Estados-membros, mais de um terço tem barreiras físicas erguidas pelo homem. Dez das quais foram construídas durante ou após a crise migratória de 2015, o ano com o maior fluxo de refugiados desde a II Guerra Mundial.

No pico de 2015 entraram na União Europeia mais de um milhão de migrantes através das rotas que conduzem a Itália, Chipre, Malta, Grécia ou Espanha. Embora os números estejam desde então em queda o tema tornou-se fragmentário no discurso político, principalmente nos países de entrada. De acordo com a legislação europeia, um refugiado que entre na UE deve requerer asilo no primeiro país europeu com o qual contacta, sobrecarregando os países fronteiriços.

Chegada de migrantes set 2015 Chegada de migrantes out 2015

Chegada de migrantes à estação de Hegyeshalom, na Húngria. Em setembro de 2015 e em outubro de 2015/ Fotografias: Leonhard Foeger - Reuters

O leque de soluções é limitado e controverso. A solução a longo-prazo, implementada em parte pelas operações do Serviço Europeu para a Ação Externa (EEAS), é a de melhorar as condições nos países de origem, quase todos alvos de intervenções militares internacionais.

A maior parte dos refugiados que chegam à UE vêm do Afeganistão, Iraque ou Síria. Deste último fugiram mais de cinco milhões de refugiados desde que a guerra civil começou em 2011. Mais de um terço de todos os refugiados sírios espera na Turquia pela entrada na Europa ou pelo regresso ao país de origem.

Em 2018:

5,6 milhões de sírios deslocados

3,6 milhões de sírios a aguardar na Turquia

10,400 sírios embarcaram em rotas para a EU

141,472 número total de migrantes que entraram na EU

O Fundo Madad é a resposta direta da UE à situação na Síria e conta com contribuições de 22 Estados-membros e da Turquia, embora a maior parte do financiamento saia do orçamento geral da Comissão Europeia. Desde a inauguração em 2014 recebeu mais de 1,8 mil milhões de euros.

À falta de consenso para a distribuição de migrantes através de quotas, soluções mais imediatas foram implementadas. A Hungria foi pioneira. Embora já existissem outros muros no território europeu, Viktor Orbán foi o grande impulsionador da Europa Fortaleza, nome com que ficou conhecida a estratégia de fortificação das fronteiras terrestres e que engloba, agora, agências europeias, polícias fronteiriças nacionais e quilómetros de barreiras físicas.

“Uma cerca não é uma coisa má. Todas as pessoas que têm uma casa com jardim têm uma cerca para controlar quem entra"

- Johanna Mikl-Leitner, Ministra do Interior da Áustria em 2015 -

Ao mesmo tempo que os governos dos países mais afetados pela crise migratória se voltaram para o encerramento das fronteiras, a Comissão Europeia reforçou a patrulha das mesmas através da Agência Europeia para o Controlo da Costa e das Fronteiras (Frontex).

A Frontex é responsável por monitorizar as fronteiras europeias e repatriar migrantes sem documentos que não sejam requerentes de asilo. O orçamento da polícia fronteiriça europeia aumentou de 6,2 milhões de euros para 333 milhões entre 2005 e 2019. Em paralelo, aumentou também o orçamento para as deportações, de 80 mil euros para 63 milhões durante o mesmo período.

A agência é ainda responsável pela execução dos acordos com países terceiros, nomeadamente a Turquia e a Líbia. Em 2018, o número de refugiados evacuados da Líbia foi seis vezes maior face ao ano anterior. Ainda assim, apenas 2,404 refugiados de campos líbios tiveram entrada direta para a União Europeia no ano passado. As estimativas apontam para mais de 43 mil refugiados registados na Líbia pela Agência da ONU para os Refugiados. É de lá que partem 90% dos migrantes para as rotas que atravessam o Mar Mediterrânio.

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Fontes:UNHCR; DW

Somadas, as estratégias parecem ter resultado. O número de migrantes desceu drasticamente: em 2018, chegaram a solo europeu 140 mil migrantes, um décimo do fluxo de 2015. Mas os números de refugiados no Médio Oriente continuam a aumentar e as rotas conhecidas foram desviadas para trajetos mais perigosos.

Em 2018, apesar do número total de migrantes por terra ter descido, o número de mortes nas rotas terrestes quase duplicou e pelo menos duas mil pessoas morreram ao atravessar o Mar Mediterrâneo.

Ainda assim, para os defensores da Europa Fortaleza, como Viktor Orbán, a construção de cercas foi um sucesso: as estações de comboio regressaram à normalidade, muitos dos acampamentos de refugiados desapareceram. No seu lugar estão novos muros europeus. Em vez de tijolo, são construídos com arame farpado. Mas juntos contabilizam o equivalente a seis Muros de Berlim.

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Hungria / Sérvia

“Atenção. Está na fronteira com a Hungria. Danificar a cerca ou tentar atravessar de forma ilegal é crime”. Os anúncios podem ser ouvidos em Inglês, Árabe e Farsi ao longo da fronteira com a Sérvia, separada com duas filas de arame farpado, vigiadas com câmaras com infravermelhos e protegidas por choques elétricos.

Data da construção: 2015 / Comprimento: 151 km / Altura: 4 m

Fronteira Hungria/Sérvia
Fronteira Hungria/Sérvia
Fronteira Hungria/Sérvia

Fotografias: Laszlo Balogh - Reuters

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Hungria / Croácia

Meses depois da construção da cerca com a Sérvia, a Hungria fechou também a fronteira com a Croácia, desviando a rota dos Balcãs para a Eslovénia.

Data da construção: 2016 - 2019 / Comprimento: 1,6 km concluídos em 2018, 110 km planeados para 2019 / Altura: 2,5m

Fronteira Hungria/Croacia

Fotografia: Antonio Bronic - Reuters

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Grécia / Turquia

A fronteira com a Turquia foi a principal rota migratória para solo europeu até ser encerrada em 2016. É consequência do acordo com a União Europeia que determina que migrantes sem asilo na Grécia sejam deportados. O trajeto por terra podia ser feito através do norte da Grécia mas foi fechada em 2012 com vedações de arame farpado.

Data da construção: 2012 / Comprimento: 12,5 km

Fronteira grecia/turquia

Fotografia: Vassilis Ververidis/Motion Team via Reuters

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Macedónia / Grécia

Apesar de ainda não pertencer à União Europeia, a Macedónia do Norte faz parte da rota dos Balcãs. O país construiu uma vedação na fronteira com a Grécia feita de arame farpado. O exército macedónio patrulha também a fronteira com a Sérvia desde 2017.

Data da construção: 2015 / Comprimento: 33 km / Altura: 2,5 m

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macedonia-grecia

Fotografias: Vassilis Ververidis/Motion Team via Reuters

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Bulgária / Turquia

A Bulgária também protegeu a fronteira com a Turquia. A barreira é composta por torres de controlo, arame farpado, câmaras de infravermelhos e patrulhas militares.

Data da construção: 2013 / Comprimento: 201 km / Altura: 3 m

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Fotografia: Stoyan Nenov - Reuters

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Áustria / Eslovénia

Em outubro de 2015 o governo austríaco revelou a intenção de construir uma vedação na fronteira com a Eslovénia, a primeira barreira a ser implementada entre países pertencentes a Schengen. A vedação acabou por ter menos de quatro quilómetros e pode facilmente ser contornada. Em 2016, a Áustria impôs também postos de controlo na fronteira com a Hungria.

Data da construção: 2015 - 2016 / Comprimento: 3,7 km / Altura: 2 m

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Fotografia: Srdjan Zivulovic - Reuters

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Eslovénia / Croácia

Do outro lado, também a Eslovénia construiu vedações de arame farpado na fronteira com a Croácia.

Data da construção: 2015 / Comprimento: 200 km

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Fotografia: Antonio Bronic - Reuters

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Reino Unido / França

A parede que divide Calais, paga pelo Reino Unido e França, foi erguida para impedir a passagem de migrantes através do Canal da Mancha. A antiga Selva de Calais, o acampamento improvisado onde viviam mais de 10 mil migrantes, foi destruída no mesmo ano.

Data da construção: 2015 / Comprimento: 1 km / Altura: 4 m

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Fotografia esq.: Philippe Wojazer - Reuters | Fotografia dir.: Benoit Tessier - Reuters

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Letonia - Russia

Letónia / Rússia

Os países balcânicos estão também a investir em vedações na fronteira com a Rússia. As razões são uma mistura entre a prevenção de entrada de refugiados e a consequência do aumento da tensão com o país vizinho.

Data da construção: 2015 - 2019 / Comprimento: 90 km (23 km construídos em 2017) / Altura: 2 m

Letonia - Russia

Fotografia: Ints Kalnins - Reuters

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Noruega - Russia

Noruega / Rússia

O fecho da rota dos Balcãs conduziu migrantes à entrada pela Noruega, pela chamada rota do Ártico, que atravessa o território russo e termina na estação de comboios de Storksog. A fronteira com a Rússia foi entretanto parcialmente fechada.

Data da construção: 2016 / Comprimento: 200 m / Altura: 4 m

Noruega - Russia

Fotografia: Cornelius Poppe/NTB Scanpix via Reuters

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Estónia - Russia

Estónia / Rússia

À semelhança da Hungria, a Estónia pediu à União Europeia ajuda para o financiamento da vedação que pretende erguer até ao final do ano na fronteira russa, no valor de 197 milhões de euros. A fronteira é controlada com drones.

Data da construção: 2016 - 2019 / Comprimento: 1,6 km concluídos em 2018, 110 km planeados para 2019 / Altura: 2,5m

Estónia - Russia
Estónia - Russia
Estónia - Russia

Fotografias: Ints Kalnins - Reuters

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Lituânia - Russia

Lituânia / Rússia

A Lituânia também ergueu obstáculos na fronteira com Kaliningrado, o enclave russo à beira do Mar Báltico situado entre os lituanos e os polacos.

Data da construção: 2016 - 2019 / Comprimento: 1,6 km concluídos em 2018, 110 km planeados para 2019 / Altura: 2,5m

Lituânia - Russia
Lituânia - Russia

Fotografias: Ints Kalnins - Reuters

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Ceuta e Melilla

Espanha / Marrocos

Os enclaves de Ceuta e Melilla, território espanhol em Marrocos, foram as primeiras experiências da UE na gestão dos fluxos migratórios. Foi o primeiro Estado-membro a levantar barreiras para impedir a entrada de migrantes do Norte de África. Os muros têm vigilância permanente com sensores de movimento que permitem às autoridades espanholas intervir em menos de um minuto.

Data da construção: 1993 e 1996 / Comprimento: 18,3 km / Altura: 6 m

Ceuta
Ceuta
Ceuta

Ceuta / Fotografia: Juan Medina - Reuters

Melilla

Melilla / Fotografias: Youssef Boudlal - Reuters

Melilla
Melilla

Melilla / Fotografia : Youssef Boudlal (esq.) e Juan Medina (dir.) - Reuters

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Chipre

Chipre / Turquia

A zona desmilitarizada do Chipre, também conhecida como Linha Verde, foi implementada pela ONU em 1974. É a barreira fronteiriça mais antiga da UE. Surgiu do conflito entre cipriotas turcos e cipriotas gregos, depois da invasão e ocupação da Turquia no norte da ilha, que ainda se mantém.

Data da construção: 1974 / Comprimento: 180 km

Chipre

Melilla / Fotografia: Reuters