Documentos inéditos associam líderes chineses à repressão do povo uigur

por Carla Quirino - RTP
"É tempo de se falar de genocídio". "China, pára de matar o povo uigur" Twitter - PoliticsHome/The House

Foram designados por "Documentos de Xinjiang" e incluem três discursos proferidos pelo presidente chinês Xi Jinping e outros líderes do Partido Comunista Chinês em 2014. Nos textos são referidas várias medidas que visam a minoria uigur, em Xinjiang, e que assentam na "reeducação", controlo de natalidade forçada e transferências de trabalho coercivo para outras regiões. Estes arquivos foram entregues em formato digital ao Tribunal Uigur sediado no Reino Unido, em setembro passado. As autoridades decidiram revelá-los apenas agora para proteger a fonte da denúncia.

Desde 2017, mais de um milhão de uigures foram retidos em campos de concentração pelas autoridades chinesas, de acordo com várias organizações de Direitos Humanos. Os conflitos recentes na região autónoma de Xinjiang são apenas o último episódio conhecido de uma longa história de desentendimentos entre o governo central da China e a minoria uigur.

Adrian Zenz, reconhecido académico alemão e especialista em repressões da China contra as minorias étnicas em Xinjiang, foi contratado pelo Tribunal Uigur para investigar o conjunto de documentos.

A redução forçada da população uigur é descrita por Zens como genocídio cultural.

Acrescenta que os novos documentos demostram a determinação da liderança de Xi Jinping em proteger o governo do Partido Comunista Chinês (PCC) e a extensão da repressão de Pequim.
O conteúdo dos discursos

Num dos discursos analisados por Zens, o presidente Xi Jinping, também secretário-geral do PCC, descreve a minoria uigur como uma "ameaça terrorista" ao projeto governativo de política externa.

Sublinha que tudo deve ser feito para "evitar que as violentas atividades terroristas de Xinjiang se espalhem para o resto da China".

Xi destaca que "estabilidade em Xinjiang, e até em todo o país, depende do sul de Xinjiang". O líder chinês remata com um pedido para que haja "uma intervenção esmagadora para ganhar tempo" perante a alegada ameaça uigur.

Num outro texto, o secretário do partido em Xinjiang, Chen Quanguo, ordena a prisão de um sem número de uigures para "fins de reeducação".

As evidências documentais desta semana, somadas a outras provas reveladas em 2019 pelo The New York Times, de conteúdo idêntico, expõem o governo chinês em relação às alegadas repressões em Xinjiang, apesar de Pequim continuar a negar as acusações de abusos de Direitos Humanos em Xinjiang.

Citado na Deutsche Welle (DW), o porta-voz do Ministério chinês das Relações Exteriores, Zhao Lijian, disse durante uma conferência de imprensa que "as questões relacionadas a Xinjiang são essencialmente de combate ao terrorismo violento, radicalização e separatismo, não sobre Direitos Humanos ou religião".

Mas para Zens estes últimos documentos reforçam a "intenção"das políticas governamentais repressivas sobre o povo Uigur.

"É a ligação entre o que Xi Jinping disse e o desenvolvimento de políticas posteriores. É muito mais forte do que imaginávamos em 2019 com base na revelação do The New York Times. Não apenas porque o nosso conhecimento da atrocidade aumentou, mas também porque fiz uma comparação cuidadosa com os novos textos" argumenta Zens.

"O grande problema é que Xi Jinping realmente preparou o terreno para os campos de concentração e reeducação, com a separação dos filhos dos pais. Também se focou nas transferências de trabalho forçado para a promoção de empregos nas fábricas e aplicou medidas para o controlo de natalidade como equalizador da população, o que parece bastante inócuo no papel, mas se formos comparar exatamente a mesma frase em documentos sobre a orientação política para Xinjiang percebemos que a implicação é muito mais profunda", acrescentou Zens.
Os Uigur

Os uigur são muçulmanos e habitam predominantemente a região autónoma de Xinjiang, no noroeste da China, que faz fronteira com o Paquistão e o Afeganistão. O idioma falado é parente da língua turca e os uigur consideram-se cultural e etnicamente mais ligados à Ásia Central do que ao resto da China.
Campanha a favor dos Uigur - Twitter

No início do século XX, os uigur chegaram a auto-proclamar a independência, mas em 1949 a região passou a ser controlada pela China comunista. Pequim diz que militantes uigur têm levado a cabo uma campanha violenta com vista à independência da região, para o que recorrem a ataques à bomba, sabotagem e incitamento da população à revolta.

Desde os ataques a 9 de setembro de 2001 às Torres Gémeas, nos Estados Unidos, que a China tem acusado os separatistas uigur de manterem ligações com a Al-Qaeda, nomeadamente serem treinados por militantes islâmicos. A minoria uigur fala, no entanto, de repressão cultural e religiosa por parte de Pequim.

"A comunidade internacional já tem muitas provas em cima da mesa, mas não está a agir com base nesses factos", lamenta o investigador alemão.

Enquanto os governos por todo o mundo continuam a negociar com a China e a fechar os olhos aos atropelos dos Direitos Humanos, uma grande comunidade composta por ativistas e particulares continua a alimentar uma campanha a favor do povo uigur, apelando a boicotes económicos semelhantes aos que já se fazem contra Israel, co sentido de pressionar a comunidade internacional a agir.

A comentadora política da publicação Middle East Monitor, Yvonne Ridley, recorre a a uma frase de 1963 proferida por Martin Luther King para enquadrar a repressão uigur:"A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares. O que quer que afete alguém diretamente, afeta a todos indiretamente".

Ridley relembra que "o que está a acontecer aos uigur hoje, pode acontecer com outra pessoa amanhã, e é por isso que precisamos agir agora. Boicotar Israel? Boicote-se a China também".
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