Drogas, armas, espiões e terrorismo. Desertor expõe os segredos da Coreia do Norte

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Reuters

Kim Kuk-song era um oficial militar de alta patente da Coreia do Norte e decidiu contar agora a sua história e os segredos do país que serviu durante 30 anos. Kim retrata um país que procura desesperadamente ganhar dinheiro através do tráfico de droga e de armas, onde o terrorismo é usado como “uma arma política” e as agências de espionagem são os “olhos, ouvidos e cérebro do Líder Supremo”.

Durante a sua carreira de 30 anos como militar na Coreia do Norte, Kim Kuk-song conseguiu chegar ao topo das poderosas agências de espionagem. Numa entrevista exclusiva à BBC, o desertor explica que guardou durante anos os segredos do Líder Supremo, enviou assassinos para matar os seus principais críticos e até construiu um laboratório de droga para ajudar a angariar fundos.

“Eu era o mais vermelho dos vermelhos”, diz Kim, querendo com isto dizer que era um leal funcionário comunista. Mas nem o seu cargo, nem a sua lealdade ao regime garantiam a sua segurança na Coreia do Norte. A BBC esclarece que não conseguiu corroborar de forma independente todas as declarações de Kim Kuk-song, mas conseguiu verificar a sua identidade e encontrou, sempre que possível, provas que corroboram as suas alegações.

Em 2013, quando se soube que Jang Song-thaek, tio do atual líder coreano, tinha sido executado, Kim percebeu que a Coreia do Norte não era um país seguro para si e para a sua família.


“Fiquei mais do que surpreso, foi um golpe fatal e fiquei chocado”, diz Kim sobre a morte de Song-thaek. “Eu senti imediatamente que a minha vida estava em perigo. Eu sabia que não podia viver mais na Coreia do Norte”, acrescenta. Em 2014, Kim e a sua família fugiram para a Coreia do Sul, onde vive desde então e trabalha para os serviços de inteligência sul-coreanos.
O terrorismo como uma “ferramenta política”
A execução de Jang Song-thaek – aquele que seria o presumível sucessor de Kim Jong-il – oferece apenas uma pequena amostra da natureza do misterioso regime norte-coreano.

Em 2009, altura em que Kim Jong-un se preparava para suceder ao cargo de líder da Coreia do Norte, Kuk-song diz que foi ordenado a criar uma “task-force de terror” para assassinar Hwang Jang-yop, um importante político norte-coreano que desertou para o sul em 1997.

"Uma ‘task-force de terror’ foi formada para assassinar Hwang Jang-yop em segredo. Eu dirigi e executei pessoalmente o trabalho", diz Kim à BBC.

Kim explica que o assassinato de Jang-yop foi “um presente para demonstrar a lealdade” de Kim Jong-un ao seu grande líder, o pai. “Na Coreia do Norte, o terrorismo é uma ferramenta política que protege a mais alta dignidade de Kim Jong-il e Kim Jong-un”, explica.
Espiões e um “exército” de hackers
Uma das responsabilidades de Kim na Coreia do Norte consistia em desenvolver estratégias para lidar com a Coreia do Sul. O objetivo era a “subordinação política”, afirma, e isso implicava ter olhos e ouvidos no terreno.

Há muitos casos em que enviei espiões para a Coreia do Sul para realizar missões através deles. Muitos casos”, afirma.

“Houve um caso de um agente norte-coreano que foi enviado e trabalhou no Gabinete Presidencial da Coreia do Sul [Casa Azul]. Isso foi no início dos anos 90. Depois de trabalhar na Casa Azul durante cinco a seis anos, regressou em segurança”, declara. "Posso dizer que os agentes norte-coreanos estão a desempenhar um papel ativo em várias organizações da sociedade civil, bem como em instituições importantes na Coreia do Sul", revela Kim à BBC.

A BBC confirma que existem vários espiões norte-coreanos detidos na Coreia do Sul, mas esse número tem vindo a cair desde 2017, à medida que Pyongyang tem investido nas novas tecnologias para a espionagem.


De acordo com Kim, o anterior líder norte-coreano ordenou a formação de novos funcionários na década de 90 “para se prepararem para uma guerra cibernética”. Foi, assim, criado um “exército” de 6000 hackers qualificados.

“A Universidade Moranbong escolheria os alunos mais brilhantes de todo o país e colocava-os durante seis anos em educação especial”, explica.

"As pessoas dizem que esses agentes estão na China, Rússia e países do sudeste asiático, mas também operam na própria Coreia do Norte. O escritório também protege a comunicação entre espiões norte-coreanos", afirma Kim.
Tráfico de droga e armas
Kim revela ainda à BBC os contornos das duas principais fontes de receita do regime norte-coreano: tráfico de droga e armas.

Em 1990, altura em que a Coreia do Norte atravessava uma crise de fome, conhecida como “marcha árdua”, Kim estava no Departamento de Operações e recebeu a ordem de angariar “fundos revolucionários para o Líder Supremo. Esse era o código para o tráfico de droga.

“A produção de droga na Coreia do Norte de Kim Jong-il atingiu o pico durante a marcha árdua”, diz Kim. “Naquela época, o Departamento Operacional ficou sem fundos revolucionários para o Líder Supremo”, acrescenta.

O desertor explica à BBC que contratou estrangeiros e construiu uma base de produção de droga. “Era metanfetamina. Poderíamos trocá-la por dólares para entregar a Kim Jong-il”, explica.

Todo o dinheiro resultante do tráfico de droga era então entregue ao Líder Supremo. "Todo o dinheiro da Coreia do Norte pertence ao líder norte-coreano. Com esse dinheiro, ele construiria vilas, compraria carros, comida, roupas e desfrutaria de luxos", explica Kim.

A outra fonte de receita é o tráfico de armas ao Médio Oriente e África, à medida que a Coreia do Norte continua a desenvolver a sua tecnologia de armas, apesar de estar sujeita a severas sanções internacionais.

De acordo com Kim, Pyongyang vendeu armas e tecnologia para países que travam longas guerras civis. Nos últimos anos, as Nações Unidas acusaram a Coreia do Norte de fornecer armas à Síria, Myanmar, Líbia e Sudão.
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