Dubai. Princesa Latifa pede reabertura de investigação ao desaparecimento da irmã

por Andreia Martins - RTP
A princesa Shamsa foi detida em agosto de 2000 e nunca mais voltou a ser vista em público Twitter

Numa carta revelada pela BBC, a princesa Latifa, filha do emir do Dubai, pede à polícia britânica a reabertura da investigação ao desaparecimento da irmã mais velha, a princesa Shamsa, que está desaparecida há mais de 20 anos. O pedido surge uma semana depois da divulgação de um vídeo em que Latifa conta como tem sido mantida em cativeiro pelo pai desde 2018, após uma tentativa de fuga dos Emirados Árabes Unidos.

Na missiva a que a BBC teve acesso, a princesa Latifa pede à polícia britânica que investigue o desaparecimento da irmã mais velha.

Shamsa abandonou os Emirados Árabes Unidos em 2000, mas acabou por ser raptada em Cambridge, de onde voou para França e depois para o Dubai.

Na altura com apenas 18 anos, hoje com 39 anos, a princesa Shamsa nunca mais voltou a ser vista em público.

A carta hoje revelada chegou às mãos de Cambridge esta semana através de amigos. Foi escrita por Latifa em 2019, a partir da casa onde se encontra enclausurada há três anos, depois de também ela ter tentado fugir dos Emirados Árabes Unidos, em 2018.

Num vídeo publicado pela BBC há pouco mais de uma semana, a princesa Latifa afirma que é “refém” e que a casa onde vive se transformou numa “prisão”, onde não pode sequer abrir uma janela.

“Não sei se vou sobreviver a esta situação. A polícia ameaçou-me que iria ficar nesta prisão toda a vida e que nunca mais vou voltar a ver a luz do sol”, conta a princesa Latifa neste vídeo que diz ter gravado trancada numa casa de banho.

Agora, na carta que chega a público, a filha do sheik Mohammed bin Rashid al-Maktoum, emir do Dubai e vice-presidente dos Emirados Árabes Unidos, pede às autoridades britânicas que investiguem o desaparecimento da irmã. 

“Tudo o que vos peço é que, por favor, deem atenção ao caso dela, porque isso pode valer-lhe a liberdade. A vossa ajuda e atenção podem libertá-la”, refere a princesa Latifa.

Acrescenta que a irmã “tem uma grande ligação a Inglaterra” e que, durante a detenção, sem qualquer forma de contacto com o exterior, sem julgamento ou acusação, foi torturada com “chicotadas nos pés”.

Apesar de ter sido escrita em 2019, a carta de Latifa surge com a data de fevereiro de 2018, antes de ter encetado a sua própria tentativa de fuga, de forma a não revelar que, mesmo em cativeiro, consegue ter uma forma de comunicar com o exterior.

A polícia de Cambridgeshire, onde ocorreu o sequestro, chegou a iniciar uma investigação em 2001, mas não houve qualquer resultado concreto, uma vez que as autoridades britânicas foram impedidas de viajar até ao Dubai. A investigação voltou a ser revista em 2018.

Em comunicado, a polícia de Cambridgeshire confirma que recebeu a carta da princesa Latifa e garante que a mesma “será analisada como parte da revisão da investigação em curso”.

"Este é um assunto muito complexo e sério e, como tal, há detalhes deste caso que seria impróprio discutir publicamente", acrescentam as autoridades na resposta enviada à BBC.
Ligações do sheik ao Reino Unido

A história de Shamsa, em 2000, assemelha-se à história da princesa Latifa, em 2018. A tentativa de fuga da irmã mais velha para o Reino Unido e a subsequente captura desempenhou um papel decisivo na tentativa falhada de fuga de Latifa, através de um barco no Oceano Índico.   

Shamsa estudou e viveu alguns anos em Inglaterra, mas os problemas começaram em 1999, já que a princesa pretendia prosseguir estudos naquele país, mas o pai não queria que a filha fosse para a universidade.

Na tentativa de fuga, Shamsa desapareceu da propriedade de Longross, do pai, perto de Surrey, Após a detenção em Cambridge, em agosto de 2000 – cerca de um mês depois de ter escapado - Shamsa foi enviada de imediato para o Dubai, tendo passado os oito anos seguintes na prisão. Em 2008, aquando da libertação, Latifa reencontrou a irmã.

“Ela tinha de ser guiada. Não conseguia abrir os olhos. Estava muito medicada e esses medicamentos deixaram-na como um zombie”, conta a princesa Latifa.

Um dos pontos de maior polémica neste caso prende-se com alegados contactos entre assessores do sheik e o Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros à altura da abertura da investigação.

Em 2018, a BBC pediu a revelação de correspondência entre o Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros e os Emirados Árabes Unidos sobre o caso. Em resposta, Londres frisou que a "divulgação de informações com detalhes (...) poderia prejudicar potencialmente o relacionamento bilateral entre o Reino Unido e os Emirados Árabes Unidos".

Quando a polícia revisitou a investigação em 2018, um dos investigadores confirmou que havia “sensibilidades significativas” neste caso.

Em esclarecimentos posteriores, o Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros recusou-se a comentar o caso, sublinhando que este é um “assunto privado”. Garante ainda que não teve nenhum papel na investigação da polícia de Cambridgeshire ou no resultado da mesma.

O sheik Mohammed bin Rashid al-Maktoum, pai das duas princesas capturadas, tem grandes ligações económicas e políticas ao Reino Unido, incluindo com a própria coroa britânica.

Apesar das relações próximas, o ministro dos Negócios Estrangeiros reagiu na semana passada à divulgação do vídeo da princesa Latifa. Dominic Raab considerou que as imagens são “profundamente perturbadoras” e que o Reino Unido continuaria a “acompanhar de perto” todos os desenvolvimentos.  

No domingo, as Nações Unidas exigiram aos Emirados Árabes Unidos uma prova em como a princesa Latifa continua viva após a divulgação do vídeo, na semana passada.
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