É difícil ser cristão na Nigéria e Governo não leva a sério a violência diz padre

O padre espiritano Tony Neves afirmou à Lusa que é difícil ser-se cristão na Nigéria, devido aos ataques em partes do país, e porque o Governo não leva a sério esta violência.

Lusa /
EPA

De acordo com o religioso, desde há muito que existem "problemas muito sérios" na Nigéria com as comunidades cristãs, o que faz com que esta nação, em algumas regiões, seja "hoje um sítio difícil para se viver".

Segundo o missionário, "a relação entre algumas comunidades islâmicas radicais e as comunidades cristãs é muito complicada". Têm existido ataques a aldeias maioritariamente cristãs que resultam "em muita gente morta, raptada" ou em infraestruturas destruídas. 

Na sua opinião, o Governo nigeriano não está a considerar "a sério este tipo de ataques, nem a quantidade de cristãos que diariamente são maltratados - muitos deles mortos ou perseguidos".

O padre alertou que o número de cristãos atacados na Nigéria é, de facto, crescente e isso preocupa muito a Congregação do Espírito Santo, conhecida como os espiritanos.

Tony Neves contextualizou que a instabilidade entre comunidades com diferentes religiões na Nigéria é mais profunda do que a causa religiosa em si e tem raízes antigas.

O missionário espiritano recordou que a sua ordem religiosa teve "problemas na Nigéria há uns 60 anos" quando foram expulsos "sobretudo na região de Biafra" (sul da Nigéria). 

"Biafra é uma parte muito católica e, quando se deu a famosa Guerra de Biafra" - entre 1967 e 1970 -, "os espiritanos presentes na região, que eram na altura quase todos estrangeiros, foram expulsos porque estavam muito ligados às comunidades católicas", lamentou.

"De facto, quem ganhou a guerra foram os muçulmanos e, por isso, Biafra não se tornou na altura independente, como aspirava", explicou.

Para si, esta questão de Biafra nunca foi efetivamente ultrapassada e os cristãos ficaram sempre reticentes por não terem conseguido criar "uma espécie de Estado cristão dentro da atual Nigéria" e, acrescentou, os muçulmanos ficaram a mandar e "estão a mandar mal".

Em termos históricos, "a Nigéria sempre teve governantes muçulmanos, mesmo é um país com comunidades cristãs muito numerosas e muito fortes", afirmou.

No entanto, ressalvou, a violência inter-religiosa é "um pretexto" para o alcance de outros fins.

De uma forma geral, "as perseguições religiosas, na maioria dos casos, são pretextos para outro tipo de perseguições. Por trás de muitos destes ataques estão questões económicas, de acesso a recursos e de terras agrícolas", indicou.

Do que tem observado, e em concordância com o que tem sido explicado por investigadores, estas lutas religiosas na Nigéria, que dividem o país entre um norte muçulmano e um sul cristão, são também uma disputa por espaços agrícolas e pastorais.

"Os muçulmanos, que estão a atacar mais cristãos, são também pastores nómadas que precisam de terra para o gado. Quando expulsam comunidades cristãs, o objetivo é ocupar o território, não apenas impor uma fé", disse o missionário.

O padre salientou ainda que, neste mundo tão fragmentado, há, de facto, sítios em que o cristianismo é muito perseguido, ou que os seus crentes o são não pela religião em si, mas pela conjuntura dos seus países, que enfrentam crises económicas e/ou políticas.

Para o missionário espiritano, além da Nigéria, as comunidades cristãs em África têm suscitado preocupação no Sudão do Sul, no Gabão, na República Centro-Africana, nos Camarões, na Tanzânia e em Moçambique, por causa das incursões radicais em Cabo Delgado.

O religioso reconheceu que ser missionário em contexto de conflito é "um ato de fé e resistência", mas reiterou que, apesar de raptos feitos a confrades na Nigéria, por exemplo, ninguém vai desistir de "testemunhar o Evangelho e os valores em que acreditam".

Por fim, Tony Neves pediu à comunidade internacional mais respeito e diálogo.

Só nos primeiros sete meses deste ano, mais de 7.000 cristãos foram mortos na Nigéria, segundo um relatório divulgado em agosto pela Associação Internacional para as Liberdades Civis e o Estado de Direito (Intersociety), uma Organização Não-Governamental (ONG) africana que documenta violações de direitos humanos, citado pelo diário norte-americano The Washington Post.

Além dos motivos religiosos em causa nestas estatísticas, existem conflitos por causa de terras, sequestros para resgate (sobretudo de padres católicos) e outros focos de conflito.

 

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