Economia do Zimbabué à beira do colapso

Foi a 14 de Novembro de 1997 que se abateu sobre o Zimbabué a crise económica que, uma década depois, traz a antiga Rodésia britânica à beira do colapso produtivo e social, sem recuperação à vista.

Paulo Dias Figueiredo, LUSA /

A confirmarem-se as últimas previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) - quebras do PIB de 4,5 por cento em 2008 e de 6,2 por cento em 2007 - serão 12 anos consecutivos de redução do PIB.

A inflação, já fora de controlo, deverá atingir os 16.170 por cento até Dezembro, (para 2008 o FMI não arrisca previsão); é um ritmo que não tem paralelo no mundo, e muito menos nos salários que se praticam no país governado por Robert Mugabe há 27 anos.

Um correspondente internacional em Harare, citado sob anonimato pela BBC, frisava recentemente que o preço de uma vela nas lojas atinge já o equivalente a duas vezes o salário tabelado para um trabalhador agrícola, enquanto que uma única banana custa quinze vezes mais do que em 2000 se pagava pelo aluguer de uma casa de quatro quartos.

Cada quatro em cinco pessoas estão desempregadas na economia oficial, e as filas tornaram-se frequentes à porta das poucas lojas cujas prateleiras não estão ainda vazias.

À procura de melhores condições de vida, todos os dias 3.000 zimbabueanos atravessam as fronteiras para os países vizinhos, de onde, quando possível, rumam à Europa ou América do Norte, dizem as agências humanitárias presentes no terreno.

As mesmas fontes estimam que mais de quatro milhões de pessoas estarão actualmente necessitadas de assistência alimentar de emergência, em consequência da quebra de produção agrícola, iniciada com a reforma agrária de 2000, que levou à expulsão de mais de quatro mil latifundiários brancos e recentemente agravada por um período de seca.

Para tentar inverter um declínio da produção de trigo ou lacticínios, o governo nomeou 2007 "A Mãe de Todas as Campanhas Agrícolas".

Foi lançado um programa de mecanização agrícola, que envolveu a criação de um ministério próprio - o da Agricultura, Engenharia e Mecanização - e que deverá beneficiar de uma decisão do Supremo Tribunal que autoriza o governo a tomar posse de todo o equipamento agrícola e maquinaria dos fazendeiros brancos expulsos das suas terras.

Mas o plano do governo deverá esbarrar na carência generalizada de peças, químicos, combustível e electricidade, que já prejudicou a colheita invernal de trigo, pelo que os observadores continuam cépticos em relação à situação no país.

"O cenário permanece complicado, sem nenhuma alteração substancial na agricultura, e exemplo disso é que o país teve de recorrer a importações [de alimentos] do Malaui e a apelar à ajuda do Programa Alimentar Mundial", disse à Lusa Glen Mpani, investigador universitário e analista politico zimbabueano.

Os benefícios da reforma agrária, acusa o analista sedeado na Cidade do Cabo, África do Sul, "não foram para o povo, foram para pessoas ligadas ao regime. Não houve um programa coordenado para que a terra fosse da minoria [de fazendeiros brancos] para a maioria".

De acordo com os relatos de correspondentes em Harare, entre os beneficiários da atribuição de terras estão vários juízes do Supremo Tribunal, além de responsáveis do governo, políticos, destacados responsáveis do partido no poder, a União Nacional Africana do Zimbabué - Frente Patriótica (Zanu-PF), e oficiais das forças armadas e da polícia.

Dos cerca de 4.500 agricultores que existiam no país em 1997, restam 400, e as expulsões prosseguem.

Foi exactamente um "ajuste de contas" da maioria negra contra a minoria branca que levou à já chamada "Sexta-Feira Negra", de 17 de Novembro de 1997.

Na altura, pressionado pelos protestos de rua dos veteranos da guerra da independência, o Presidente Mugabe cedeu à exigência de pagamento de compensações extra-orçamentais.

O pagamento de 50 mil dólares zimbabueanos (na altura cerca de 1.315 dólares) a 50 mil veteranos causou uma queda abrupta das reservas de moeda estrangeira. O resultado foi uma desvalorização do dólar zimbabueano na ordem dos 72 por cento, e de 46 por cento na bolsa.

Desde então, a economia nunca se recompôs, e sofreu novo abalo em 2000, com o início da reforma agrária, com que Mugabe retirou as terras das mãos de uma minoria de latifundiários brancos, a maioria dos quais de origem britânica, que as tinham ocupado no final do século XIX e início do século XX.

Entretanto, pelo menos dois negócios floresceram: o mercado negro, onde a maioria dos produtos vai parar, e a bolsa de valores de Harare, que é mesmo uma das que melhor comportamento registou nos últimos anos a nível mundial, por servir de "refúgio" para os zimbabueanos que tentam reter o valor do seu capital.

A resposta do governo à crise tem passado por limitar os movimentos de moeda estrangeira, revalorizar o dólar zimbabueano, a introdução de vales em substituição de notas e, mais recentemente, a imposição de rigorosos controlos de preços, a par de uma campanha que levou à detenção de milhares de comerciantes ilegais, acusados de "especulação".

O Presidente Robert Mugabe promete continuar a imprimir dinheiro, caso os projectos governamentais assim o exijam, e anunciou ainda a intenção de "indigenizar" os negócios detidos por estrangeiros, assegurando que o controlo fique nas mãos de zimbabueanos.

Witness Chinyama, economista estabelecido em Harare, considera que o executivo zimbabueano vai continuar "com vontade de combater".

"Vão continuar a imprimir dinheiro, apesar de ser [um movimento] inflacionário... eles dizem que `se ninguém nos está a ajudar, o que é que vamos fazer?´", afirmava recentemente Chinyama à agência AFP.

A ajuda tem chegado sobretudo via países europeus e Comissão Europeia - mais de 280 milhões de euros no ano passado - e da assistência prestada pelas agências humanitárias e pelos emigrantes às famílias que deixam para trás.

São estas ajudas e as exportações de cobre e outras matérias-primas que permitem a entrada de divisas, que fazem com que a economia do Zimbabué continue a intrigar os analistas, por, apesar de tudo, continuar a existir.


PUB