Egito. Cinco jovens condenadas a penas de prisão por partilharem vídeos "indecentes" no TikTok

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Reuters

Desde inícios de junho, as autoridades egípcias condenaram cinco jovens “influencers” a penas de prisão sob acusações de tráfico de pessoas e incitação à prostituição pelos conteúdos partilhados na rede social TikTok, descritos como "indecentes". A decisão do tribunal para as cinco jovens gerou uma onda de indignação entre defensores dos direitos humanos, que acusam as autoridades egípcias de repressão.

Os casos mais recentes e que geraram mais controvérsia foram os de Haneen Hossam, de 20 anos, e Mowada Al-Adham, 23 anos, condenadas no domingo a dez e seis anos de prisão, respetivamente. As duas jovens conhecidas por partilharem vídeos no TikTok foram acusadas de “tráfico de pessoas”.

O tribunal multou ainda as duas estudantes universitárias em 200 mil libras egípcias cada (cerca de 13 mil dólares) por desafiarem os valores conservadores do Egito ao encorajarem mulheres a partilharem imagens e vídeos na rede social em troca de dinheiro.

Hossam, que tem cerca de 900 mil seguidores no TikTok, já tinha sido presa em abril de 2020 sob a acusação de “violar os valores e princípios familiares”, após publicar um vídeo no Instagram onde explicava como as mulheres poderiam ganhar até três mil dólares pela partilha de conteúdos na rede social, o que foi interpretado pelas autoridades egípcias como incitamento à prostituição.

Adham, que já teve três milhões de seguidores no TikTok e 1,4 milhões no Instagram, foi acusada da mesma ofensa um mês depois por partilhar vídeos considerados “indecentes” para os procuradores, onde a jovem de 23 anos é vista a cantar e dançar.

A 8 de junho, Renad Emad, também famosa no TikTok, foi condenada a três anos de prisão pelo conteúdo partilhado na plataforma, que as autoridades consideraram também “indecente”. Uma semana depois, uma famosa dupla do TikTok, formada por uma mãe e filha, foi também sentenciada a cinco anos de prisão.

As cinco mulheres já tinham sido sentenciadas a dois anos de prisão em fevereiro por partilharem vídeos “imorais” no TikTok. Um tribunal de recurso anulou a decisão em janeiro, mas foram apresentadas novas acusações de tráfico de pessoas. As cinco arguidas foram colocadas em liberdade em fevereiro, após passarem dez meses na prisão, mas no passado domingo foram todas consideradas culpadas por “tráfico de pessoas”.
Advogada de Hossam vai recorrer
A advogada de Hossam disse na segunda-feira que iria recorrer da decisão. “Vamos exigir a restauração dos procedimentos do caso porque existem contradições na decisão do tribunal”, defendeu a advogada, Hani Sameh.

“Esperamos que ela consiga uma redução da pena de prisão ou a absolvição”, afirmou. A advogada explicou que Hossam foi condenada a uma pena de prisão mais longa porque não compareceu ao tribunal, embora “fosse o seu direito legal não comparecer”.

Horas antes de ser detida, na terça-feira, Hossam partilhou um vídeo no Instagram onde apela ao perdão do Presidente do Egito, Abdul Fatah Khalil Al-Sisi. “Dez anos! Eu não fiz nada imoral para merecer isto. Estive presa durante dez meses e não disse nem uma palavra depois de ter sido libertada. Porquê que me querem prender outra vez?”, questionou a jovem “influencer” ao Presidente egípcio.

Estou a ser alvo de uma injustiça e não fiz nada. Estou literalmente a morrer. Salvem-me”, apelou a jovem de 20 anos.
Ativistas e grupos de direitos humanos criticam sentenças
As sentenças destas cinco mulheres representam uma das primeiras vezes em que as autoridades egípcias recorreram a uma lei de crimes cibernéticos, aprovada em 2018. Esta lei prevê penas de prisão de seis meses a cinco anos pela partilha de conteúdos na Internet contrários à “moral pública” e “valores familiares”.

A decisão do tribunal para as cinco “influencers” gerou uma onda de indignação entre defensores dos direitos humanos, que acusam as autoridades egípcias de repressão.

"A sentença contra Mowada e Haneen pretende ser uma mensagem para que todas as mulheres e jovens temam punições severas se acreditarem que são livres para se expressarem na Internet e nessas redes sociais”, disse Mohamed Lotfi, diretor da Comissão de Direitos Humanos e Liberdades, uma das nove organizações que pediram a anulação das sentenças na terça-feira.

“A decisão é severa e exagerada”, defendeu Reda Eldanbouki, diretor executivo do Centro de Mulheres para Orientação e Conscientização Legal, citado por Al Jazeera. “Tal veredicto restringe o direito à liberdade de opinião e expressão e visa controlar os corpos das mulheres e impor a custódia sobre as suas ações”, acrescentou.

Eldanbouki considera que o veredicto reduz as mulheres a rótulos vagos como “proteger os valores da família”.

Entessar el-Saeed, outra ativista pelos direitos das mulheres e responsável da Fundação Cairo para o Desenvolvimento e o Direito, acusou as autoridades egípcias de estarem a condenar injustamente as mulheres nos seus esforços de “salvaguarda” dos valores familiares em detrimento dos homens.

“Temos visto outros vídeos e publicações nas redes sociais de homens a justificarem violações conjugais, mas não foi tomada nenhuma medida contra eles. Isso não viola os valores familiares?”, questionou a ativista.
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