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Eleições na Rússia. Os desafios do derradeiro mandato de Putin

Na Rússia e no mundo, a votação deste domingo é vista como uma mera formalidade. Há poucas dúvidas quanto à reeleição de Vladimir Putin, no poder há 18 anos, perante adversários que dificilmente seriam capazes de o deter. Os maiores perigos internos deste escrutínio são mesmo a possibilidade de elevados níveis de abstenção e as dificuldades económicas que o país tem atravessado. Para esses dilemas, o Kremlin conta com a receita usada nos últimos anos: a imagem de um país mais forte e poderoso a nível internacional. Mas será essa postura o suficiente para sair do Kremlin pela porta grande em 2024?

“Pelo que eu vi dos nossos amigos e aliados russos durante a guerra, estou convencido de que não há nada que eles admirem tanto como a força e não há nada que desprezem tanto como a fraqueza, especialmente a fraqueza militar”.

Winston Churchill

18 de março. A data para a realização de eleições não foi escolhida ao acaso. A Rússia assinala este domingo o quarto aniversário desde que foi oficializada a anexação da Crimeia, precisamente um dos últimos locais visitados pelo Presidente Vladimir Putin durante a campanha eleitoral. Os seis anos deste mandato que agora termina ficaram incontestavelmente marcados pelos eventos de março de 2014, mas também pela participação russa na Guerra da Síria, desde 2015.

O patriotismo e a importância da Rússia no mundo são as grandes bandeiras de um Presidente omnipresente, que se tornou sinónimo do país e do cargo que ocupa, e que deverá ser reeleito para um novo mandato de seis anos à frente do maior país do mundo, um colosso com mais de 17 milhões de quilómetros quadrados onde se integram 85 regiões, hoje com mais de 142 milhões de habitantes. 

Com a ajuda de investigadores e especialistas da área, olhamos para os candidatos a estas eleições, mas também para as ameaças internas que podem fragilizar o poder do Kremlin, enquanto se começa a preparar a sucessão de Putin. 


Os fantasmas da abstenção
Em vésperas de eleições presidenciais, as sétimas desde a queda do Império Soviético em 1991, um vídeo homofóbico e xenófobo, de origem até agora desconhecida e que se tornou viral nas últimas semanas, mostra aos russos como seria o país sem Vladimir Putin. Nesse mundo hipotético, os russos seriam obrigados por lei a acolher pessoas homossexuais que foram deixadas pelos parceiros, os homens negros pertenceriam ao Exército e até mesmo o tempo para estar na casa de banho seria contado ao segundo.

O pesadelo é pintado com traços grotescos e passa-se no dia 17 de março. O protagonista da história até tinha pensado em abster-se. “Como se não elegessem alguém sem o teu voto”, diz à mulher. Mas, ao acordar após ter vislumbrado um futuro representado como nos filmes de terror, o homem percebe com alívio que ainda está a tempo de exercer o seu direito de voto e de evitar o cenário com o qual sonhara.

Nestas eleições, o perigo máximo para o poder vigente vem mesmo da abstenção. A mensagem é clara: aqueles que não votarem arriscam-se a ver o seu país mudar radicalmente para algo que não desejam. De facto, o grande adversário de Putin nesta altura é a abstenção.

Não só porque grande parte da população dá como garantida a reeleição de Vladimir Putin, mas também porque aquele que seria o principal adversário, Alexei Navalny, foi proibido de concorrer às eleições devido a uma condenação judicial que o acusado considerou “politicamente motivada“.



Na sexta-feira, uma mensagem do Presidente gravada no Kremlin sublinhava o dever patriótico do voto. “Todos estamos preocupados com o destino do nosso país. É por isso que vos peço que votem no próximo domingo. Usem o vosso direito de escolher o futuro da nossa grande e amada Rússia”, pedia Putin aos eleitores.

“Obviamente, não há condições mínimas de competição política democrática na Rússia. A essência da democracia soberana de Vladimir Putin é eliminar a incerteza quanto aos resultados das eleições democráticas”, considera Carlos Gaspar, membro da direção do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), em entrevista à RTP.



Em protesto por não estar na corrida às eleições, Navalny tem apelado, nos últimos meses, ao boicote. De tal forma que os responsáveis pelas várias regiões têm apelado ao voto, com a organização de festas e eventos junto aos locais para atrair eleitores.

“Nunca vi nada assim. Há uma enorme mobilização. Desde escolas, creches, hospitais – é uma luta sem precedentes por uma participação mais elevada”, conta Yevgeny Roizman, presidente da câmara de Yekaterinburg, num vídeo publicado na semana passada no Youtube.

A ausência de um mandato claro pode significar o enfraquecimento do poder e da legitimidade de Vladimir Putin aos olhos das potências ocidentais e do seu próprio eleitorado. Para conselheiros e responsáveis do Kremlin, 70 por cento dos votos e 70 por cento de participação são os números mágicos a cumprir. Uma tarefa difícil, uma vez que desde 1991 que as eleições presidenciais na Rússia contam com uma participação abaixo dos 70 por cento.

“Não devemos esperar grandes surpresas destas eleições de domingo. Vladimir Putin vai ser eleito para um novo mandato, não há grande dúvida quanto a isso. Mais importante é a questão dos 70 por cento. Será importante para percebermos até que ponto é que Putin continua a ser um líder popular e se esta eleição irá demonstrar a sua fragilidade em termos de apoio interno”, considera Raquel Freire, investigadora do Centro de Estudos Sociais e professora de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra, e que tem publicado nos vários trabalhos sobre a Rússia e o papel da Rússia no mundo.

Segundo as previsões do Russian Public Opinion Research Center, controlado pelo Estado, prevê-se uma participação acima dos 70 por cento com o atual Presidente a conseguir alcançar cerca de 69 por cento dos votos. No entanto, o Levada Centre, um centro de sondagens apartidário que as autoridades russas classificam como “entidade estrangeira”, sugere que apenas um quarto dos russos tinham assumido que iriam votar, enquanto 34 por cento admitiram que poderiam votar, mas que ainda não tinham decidido.

Outro dado preocupante: nas eleições parlamentares de 2016, a participação no escrutínio nem chegou aos 48 por cento. ”Isto é um sinal muito claro de alguma apatia entre a população”, refere a investigadora.
Sete adversários possíveis
Com Alexei Navalny de fora do baralho, há mais sete candidatos a surgir no boletim de voto ao lado de Vladimir Putin, alguns deles integraram no passado o seu círculo próximo. No entanto, nenhum deverá sequer ultrapassar os 10 por cento de votos.



Quem são os adversários que se dispõem a enfrentar Putin? Destacam-se algumas figuras como Vladimir Zhirinovsky, um nacionalista de 71 anos que já é veterano na política russa. Candidatou-se pela primeira vez às eleições presidenciais em 1991 e é visto como um populista com ideais antiocidentais.

Nascido no Cazaquistão, é o líder do Partido Liberal Democrata da Rússia e apresenta como proposta principal o regresso do poder imperial da Rússia, admitindo a criação de uma aliança alargada com a Turquia e o Irão. Considera que países como a Ucrânia e a Bielorrússia “nunca deveriam ter sido criados” e defende a valorização do povo e língua russa contra o “predomínio dos imigrantes”.

Pavel Grudinin, candidato do Partido Comunista e é o responsável pela maior produtora de morangos da Rússia desde 1995. O início da campanha ficou marcado pela polémica, uma vez que foram descobertas várias contas bancárias no estrangeiro. 

Grudinin esclareceu depois que as contas foram abertas para cobrir os gastos de um tratamento médico para a mãe e irmã, que se encontram no estrangeiro. Uma das ideias do candidato do Partido Comunista é retirar a Rússia da Organização Mundial do Comércio.

Mas a estrela desta campanha foi mesmo Ksenia Sobchak, uma figura da televisão com 36 anos, conhecida como “a Paris Hilton russa”. Apela por uma renovação democrática na Rússia, já participou em manifestações contra Vladimir Putin e defende a realização de um novo referendo na Crimeia, realizado em março de 2014, considerando que o território pertence à Ucrânia.



Sem ilusões sobre o resultado do escrutínio deste domingo, a candidata admite que “não vai ganhar estas eleições” e que está a preparar a eleição de 2021 para a Duma, o Parlamento russo. A três dias das eleições, disse que a candidatura foi “apenas o início” de uma batalha política e anunciou a criação de um novo partido em conjunto com Dmitry Gudkov, uma das principais figuras da oposição.

“Não tenho nenhuma hipótese de ganhar, estas eleições são falsas. Não são verdadeiras. (…) Nem todos os candidatos foram autorizados a participar. Não temos cobertura mediática equitativa, não podemos controlar o voto em si”, disse a candidata em entrevista à NPR.

“Putin é como um polvo que tem dominado a Rússia firmemente com os seus tentáculos. Temos de o conseguir arrancar”, foi outras das frases sonantes de Ksenia Sobchak durante a campanha eleitoral. Nos últimos dias de campanha, prestou homenagem a Boris Nemtsov, um líder da oposição assassinado no centro de Moscovo em 2015.

Mas com apenas dois por cento de intenções de voto, a tarefa de destronar o Presidente será praticamente impossível, pelo menos para já. Ksenia mantém-se na corrida a estas eleições, predispondo-se a ser "a voz dos que partilham os valores liberais”.

No entanto, apesar do atrevimento de algumas das suas ações, desde o início da campanha que muitos desconfiaram das verdadeiras intenções de Sobchak. Apesar de negar de forma veemente qualquer ligação a Putin, muitos consideram que a sua candidatura é uma fachada produzida pelo próprio Kremlin. É que Ksenia é filha de Anatoly Sobchak, antigo presidente da Câmara de São Petersburgo, um político que é considerado o mentor de Vladimir Putin e que ajudou na sua ascensão política durante os anos 90 

A lista de candidatos fica completa com Grigory Yavlinsky, um liberal que ajudou a liberalizar a economia soviética na era Gorbachev; Boris Titov, um empresário novato nas lides políticas; Sergei Baburin, antigo candidato do partido comunista e grande apoiante da política externa de Putin; e Maxim Suraikin, que classifica todos os outros candidatos como “burgueses” e se identifica como leninista-estalinista.


A questão da sucessão
No passado dia 11 de março, a Assembleia Nacional Popular da China aprovou uma emenda constitucional histórica que colocou fim à limitação de dois mandatos consecutivos de cinco anos do Presidente. Em Pequim, Xi Jinping prepara-se para se eternizar no poder. Em Moscovo, o atual Presidente – com 65 anos, na linha da frente a política russa há mais de 18 anos – tem encontrado forma de contornar os limites constitucionais. É o líder russo com maior longevidade no poder desde Estaline.

Vladimir Putin foi escolhido como primeiro-ministro interino em 1999 e meses depois sucedeu a Boris Yeltsin na Presidência. Foi o segundo presidente da Rússia pós-Guerra Fria, tendo sido reeleito em 2004. Em 2008, sem possibilidades de seguir para um terceiro mandato consecutivo, trocou de posto com Dmitri Medvedev, que ocupava o lugar de primeiro-ministro. Um compasso de espera que lhe permitiu ser Presidente outra vez.

Com o poder de facto naquele país, o antigo agente do KGB aguardou apenas quatro anos para regressar ao Kremlin. Ainda antes, uma emenda constitucional que entrou em vigor em dezembro de 2008, no início da presidência de Medvedev, estendeu os mandatos presidenciais de quatro para seis anos, com efeitos a partir da eleição seguinte.

Mais que anunciado, o regresso de Putin aconteceu nas eleições presidenciais de 2012. Atualmente, a Constituição russa tem o limite de dois mandatos presidenciais consecutivos, cada um com seis anos. Por isso, a menos que alguma alteração aconteça nos próximos seis anos, Vladimir Putin não poderá ser candidato em 2024.

Carlos Gaspar, professor na Universidade Nova de Lisboa, não deixa de notar as diferenças entre o líder russo e o homólogo chinês: “O Presidente Vladimir Putin está a completar o seu ciclo de poder e vai iniciar o último mandato. O Presidente Xi Jinping ainda não completou o seu ciclo de poder e não é impossível que abra caminho a uma gerontocracia, fatal para o regime comunista na China”, considera.

Também a investigadora Raquel Freire acredita que este poderá ser o derradeiro mandato de Vladimir Putin que, em 2024, data da próxima eleição, terá completado 71 anos. “Começa a haver algum cansaço, alguma vontade de mudança interna. Putin não é alheio a isto. Nestas eleições ele não é candidato pelo seu partido, o Rússia Unida, é candidato independente. Isto é interessante porque de alguma forma mostra que se quer afastar um pouco de algumas questões em termos de política interna que não têm corrido tão bem. Mas mais do que isso, mostra uma vontade de ser conhecido e de ser reconhecido como um líder histórico. Uma figura histórica que devolveu à Rússia o estatuto de grande potência do sistema internacional”, destaca em entrevista à RTP.



O jornal Financial Times destacava esta semana que, ao barrar os principais adversários e ao impor “um controlo mais apertado sobre a imprensa, a sociedade civil, o Parlamento, os governos regionais e locais, o Kremlin garantiu que não há substitutos reais e credíveis no horizonte”. No entanto, em 2024, será necessário garantir uma continuidade sem que haja um sucessor óbvio. O diário britânico identifica várias personalidades que deverão integrar o esforço de transição que já é visível, entre eles Anton Alikhanov, que ocupa desde 2016 o lugar de governador do oblast de Kaliningard.

“O que vai ser interessante neste mandato é a questão da sucessão. Poderão surgir algumas incertezas nos próximos anos ao nível da política interna, e essa questão vai colocar-se de forma clara a determinada altura. A sucessão vai acontecer através de um primeiro-ministro ou de um outro elemento que acabe por sobressair. Ainda não é muito evidente”, considera Raquel Freire.
Em rota de colisão com o Ocidente
Putin fez uma campanha discreta para esta eleição. Poucas intervenções e comícios, não marcou presença nos dois debates televisivos entre os candidatos e só pontualmente se destacou. A meio da passada semana, resolveu realizar o último evento de campanha em Sevastopol, a maior cidade da Crimeia, onde participou no quarto aniversário da anexação unilateral daquele território.

O Presidente visitou também o local onde está a ser construída a ponte no estreito de Kerch, uma infra-estrutura de enorme investimento que irá fazer a ligação direta entre a Crimeia e a Rússia continental num total de 19 quilómetros, passando a ser a maior ponte da Europa. O território anexado é de extrema importância estratégica para a Rússia, uma vez que lhe garantiu uma base militar às portas do mar Negro e o único porto de águas quentes de todo um extenso território.



Numa lógica de afrontamento, o Presidente ucraniano ameaçou nos últimos dias que iria impedir o voto dos russos em território ucraniano, numa retaliação contra o voto que se realiza em território ocupado na Crimeia. As forças militares russas depressa se mobilizaram em força para a fronteira entre os dois países, prontas a reacender o conflito.

A anexação de Crimeia continua a ser um dos motivos principais para o atual isolamento de Moscovo e para a aplicação de sanções económicas por vários países do Ocidente. Apesar do sufoco para a economia russa, a taxa de aprovação de Vladimir Putin cresceu mais de 10 por cento nos últimos seis anos. Entre fevereiro e março de 2014, a taxa de aprovação de Putin subiu de 69 para 80 por cento e quase atingiu os 90 por cento na fase mais crítica do conflito na Ucrânia. Atualmente, a aprovação do Presidente atinge os 81 por cento, segundo o Levada Center. 

Em verdade, esta crise político-institucional e militar, que tantas retaliações originou, ocorreu num contexto difícil para a Rússia. A aproximação da Ucrânia à União Europeia e à NATO era uma das linhas vermelhas de Putin, que depressa agiu de forma a restabelecer influência naquela região, sem olhar a meios ou custos externos para garantir predominância militar às portas da sua esfera territorial.  

Enquanto, nos Estados Unidos, a justiça continua a investigar a alegada interferência de Moscovo nas eleições presidenciais norte-americanas, em 2016, a relação com o Ocidente voltou a deteriorar-se no decorrer da semana, muito por culpa do caso de Sergey Skripal, um ex-espião russo atacado com um agente neurotóxico há precisamente duas semanas, no sul de Inglaterra.

“É interessante notar que estas eleições se dão quatro anos após a anexação da Crimeia, que contribuiu para um ambiente de grande crispação. Este envenenamento recente do ex-espião russo no Reino Unido só vem contribuir para agravar ainda mais a situação. Além de pedir provas, a Rússia vem dizer que isto já não são os anos 90, que hoje é uma grande potência mundial”, destaca a investigadora Raquel Freire.

Está mais que estabelecido que fazer voz grossa a grandes potências mundiais – sobretudo aquelas que adotam uma narrativa negativa sobre a Rússia - dá votos e popularidade. Ciente disso mesmo, Vladimir Putin lembrou no discurso anual do Presidente russo no Parlamento, a 1 de março, a enorme importância e prestígio que advêm da participação russa na guerra civil na Síria, desde 2015. Não se mostrando alheio à nova postura nuclear dos Estados Unidos, prometeu armas imprevisíveis e invencíveis capazes de atingir qualquer parte do mundo.



No entanto, para Carlos Gaspar, a latente corrida ao armamento numa lógica de Guerra Fria não é sinal de força, mas de algo diametralmente oposto.

“O recurso à exibição das armas de destruição maciça dos arsenais russos durante a campanha eleitoral é não só um ato sem precedentes de irresponsabilidade diplomática, como uma prova de fraqueza política de Vladimir Putin, cercado por fações nacionalistas cada vez mais fanáticas e antiocidentais. Nestas condições internas, a restauração da normalidade possível nas relações entre a Rússia e os EUA, como defendem os analistas russos mais moderados, parece muito difícil”, considera o especialista.
E a economia?
Não foi por acaso que, antes de falar das armas e do novo poderio militar, o líder russo abordou os temas da pobreza e da economia. No discurso realizado no início do mês perante as duas Câmaras do Parlamento, Vladimir Putin comprometeu-se a cortar para metade a taxa de pobreza.

Atualmente, o número de pessoas em situação de pobreza na Rússia atinge os 20 milhões em mais de 142 milhões de habitantes. Segundo o chefe de Estado, este número chegava aos 42 milhões no ano de 2000, quando chegou pela primeira vez à Presidência.

"Devemos resolver uma das tarefas-chave da próxima década: garantir o crescimento sustentado dos rendimentos reais dos cidadãos e, em seis anos, reduzir pelo menos para metade a taxa de pobreza", reiterou Putin.

Na verdade, não obstante os dados apresentados pelo Presidente russo, o nível de pobreza em 2016 foi o mais elevado em dez anos, um reflexo do crescente isolamento da Rússia após a anexação unilateral da Crimeia, mas também de uma recessão económica motivada pela queda a pique do preço do petróleo em anos recentes.

“A questão económica é o desafio que tem estado permanentemente na ordem do dia. A economia russa, apesar de alguns esforços, não tem sido capaz de ir além da extrema dependência dos recursos energéticos, sobretudo o petróleo e o gás natural. A economia russa é extremamente vulnerável às flutuações do preço do petróleo. Se o barril de petróleo está abaixo dos 50 dólares, a situação torna-se muito complicada para a economia russa”, denota Raquel Freire, dando como exemplo o que se passou há três anos, quando o preço por barril de petróleo atingiu valores abaixo dos 40 dólares.

O território vastíssimo, rico em recursos naturais, num dos países mais populosos do mundo, não é o garante de uma economia vigorosa. A queda abrupta do valor do rublo entre 2014 e 2016 e a imposição de sanções económicas no seguimento da anexação da Crimeia também tiveram os seus custos.



Esta conjugação de fatores resultou numa recessão económica intensa, com várias frentes. O PIB só recentemente voltou a crescer, assim como a inflação ou o investimento, numa recuperação que se prevê demorada. Para o ano de 2018, o Banco Mundial espera um crescimento de 1,7 por cento e de 1,8 no ano seguinte.

Apesar da expansão económica ocorrida no início do milénio, a economia russa continua a ficar bastante aquém dos valores dos seus pares estratégicos, com o PIB per capita a representar apenas um quarto da economia britânica ou um quinto da economia norte-americana.

Também ao nível da qualidade de vida, a situação não é a mais satisfatória. Quase 30 anos depois da queda da União Soviética, as assimetrias no nível da riqueza entre as principais cidades e nas zonas mais remotas continuam a ser muito significativas. Cerca de 75 por cento da população vive em cidades e a densidade demográfica é elevada sobretudo na zona europeia.

Apesar da evolução recente nos últimos anos, a esperança média de vida é de 71,3 anos à nascença, segundo os números da OCDE. Para os homens, este número é bastante inferior e fica-se pelos 67,5 anos. Nos Estados Unidos, a esperança-média de vida entre 2013 e 2016 foi de 78,8 e em Portugal chegou aos 81,2. As elevadas taxas de consumo de álcool e de tabaco entre a população russa são dois dos fatores que ajudam a explicar estas diferenças



Como é que um país ainda frágil, a necessitar de investimento e reformas estruturais, consegue continuar a ser uma das maiores potências mundiais, interveniente em várias frentes de combate, membro de enorme peso no Conselho de Segurança das Nações Unidas, com laivos expansionistas consumados pela anexação da Crimeia? E como fazer quando esse é o combustível que sustenta a máquina de Putin?

“A Rússia não tem condições económicas, internas, para se lançar numa corrida ao armamento. Está a sair de um período de recessão económica. O anúncio em como a Rússia se está a militarizar, a construir novos mísseis com um alcance inigualável, com alta tecnologia, terá de ser acompanhado por um discurso interno que se traduza em ações concretas de melhoria da qualidade de vida das populações. (…) E esta dimensão económica vai estar muito presente. Neste momento da política externa - mais assertiva, mais militarizada - é importante manter-se um nível de desenvolvimento e crescimento mínimo e que seja sentido no dia a dia pelas populações”, considera Raquel Freire, professora de Relações Internacionais na Universidade de Coimbra.

As escolhas e caminhos percorridos pela Rússia nos últimos anos, ao nível da política externa, têm um custo real para Moscovo. Desde o envolvimento na Síria, o investimento a que se comprometeu na Crimeia e às sanções económicas. “A Rússia está em diferentes frentes, quando na realidade, a frente económica interna não é, de todo, uma frente folgada”, conclui a investigadora.

Ainda assim, e apesar das dificuldades, “a Rússia é e vai continuar a ser uma grande potência, para lá da alternância entre os períodos de declínio relativo e de maior intervenção internacional”, sublinha Carlos Gaspar.

Caberá a Putin gerir, pelo menos durante mais seis anos, o complexo equilíbrio entre uma economia interna saudável e uma imagem externa pujante de um país que encontrou novamente o seu lugar, quase 30 anos depois do fim da Guerra Fria. Para o especialista de Relações Internacionais, a prioridade da Rússia na atual conjuntura do sistema internacional nos próximos anos está em não perder o fôlego perante os seus pares e “manter a sua posição na balança triangular entre os Estados Unidos e a China”.