Em 1969. Revelado o compromisso de Israel com o Paraguai para suspender a caça aos nazis

por RTP
O ditador paraguaio Alfredo Stroessner (à esq.) com o congénere chileno Augusto Pinochet, durante uma visita a Santiago do Chile em 1974 Reuters

O Paraguai era o santuário onde se refugiavam vários criminosos nazis, com destaque para Joseph Mengele, o autor de experiências médicas em cobaias humanas. Em 1969, Israel prometeu ao ditador paraguaio fechar os olhos à proteção que este fornecia aos nazis, se em troca acolhesse no Paraguai dezenas de milhares de palestinianos escorraçados da Faixa de Gaza.

Uma investigação do jornalista israelita Eran Cicurel revelou esta semana que, em 1969, Israel planeou secretamente levar os palestinianos a deixarem Gaza e a irem para o Paraguai - que aceitou receber até 60 mil pessoas (dez por cento da população de Gaza na altura).

Neste acordo, Israel assumia as despesas das viagem dos palestinianos que se mudassem para o Paraguai e daria a cada pessoa 100 dólares e mais de 33 dólares ao governo paraguaio por cada emigrante.

Ao assinar o acordo com o Paraguai, Israel pagaria ainda 350 mil dólares para cobrir os custos de 10 mil palestinianos que emigrassem. Mas o acordo refere que Israel deveria ter pago 33 milhões de dólares americanos.

Podiam mudar-se para o Paraguai até 60 mil palestinianos, conseguindo o estatuto de residência imediatamente após a chegada e a cidadania paraguaia num prazo de cinco anos. Dessa forma, o governo israelita não era obrigado a permitir o retorno dos emigrantes.
Troca: Paraguai abre as portas, Israel suspende a caça?
Segundo a descoberta de Eran Cicurel, a Mossad, um serviço secreto israelita, traçou o acordo em conjunto com o ditador paraguaio Alfredo Stroessner, responsável pela morte de milhares de paraguaios, inclusive indígenas.

Por altura da formalização deste protocolo, Golda Meir, a primeira-ministra de Israel na época, apelou a que fosse tomada uma decisão e que era "muito importante" que todos concordassem com esta.

O governo do Paraguai estava disposto a aceitar "60 mil árabes muçulmanos, não comunistas, de acordo com a sua definição", terá informado o chefe do Mossad, Zvi Zamir, acrescentando que seria mais favorável para o sucesso do acordo se Israel se reponsabilizasse pelos custos.

Na opinião de Zamir, caso houvesse emigrantes que, mais tarde, quisessem regressar a Israel, o governo devia permitir e aceitá-los de novo no país. Mas a então primeira-ministra não concordou e quis desresponsabilizar o governo israelita da obrigação de aceitar os retornados.

"Se as coisas estão tão boas para eles e podem assegurar os custos de viagem para voltar, com certeza vão querer ficar lá", disse Meir.

Mas o plano de retirar palestinianos de Gaza foi um fracasso e apenas 30 palestinianos se mudaram para o Paraguai.

O acordo com o Paraguai só entrou em vigor quando Israel parou de procurar nazis. Em 1968, com permissão do então primeiro-ministro Levi Eshkol, Zamir reduziu os esforços para encontrar nazis em todo o mundo, devido à falta de orçamento.

A partir de 1969, Israel efetivamente não voltou a procurar mais nazis na América do Sul, inclusive no Paraguai, onde o famoso médico Josef Mengele e muitos outros nazis viviam na altura, levando muitos a suspeitar que a perseguição de nazis e o plano de emigração dos palestiniados estavam ligados.

De acordo com as informações que o jornalista descobriu, em 1971, o "caçador" de nazis Tuvia Friedman exigiu que Israel capturasse Mengele, que se sabia estar no Paraguai, mas as autoridades recusaram-se a fazê-lo.

Já em 1980, o embaixador israelita no Paraguai na época, Beno Varon, afirmou existir um plano para deter Mengele mas que terá sido cancelado. Quando denunciou a Israel qual era o paradeiro de alguns nazis, o Governo respondeu-lhe que ele era "um diplomata, não um caçador de nazis".

Embora estas evidências pareçam estar ligadas, Cicurel não forneceu qualquer documentação que prove a associação entre a interrupção na procura de nazis no Paraguai e o plano de emigração palestiniana.
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