Em Timor-Leste testemunhas da violência de 1999 sofrem retaliações

Especialistas envolvidos na investigação de crimes contra a Humanidade alertaram a ONU para os riscos que correm as testemunhas das violações de direitos humanos levadas a cabo pelos indonésios e seus aliados em Timor-Leste, em 1999.

Agência LUSA /

Em carta enviada a Sukehiro Hasegaqwa, representante especial do secretário-geral da ONU em Timor-Leste, e divulgada na edição electrónica de hoje do jornal australiano The Australian, alguns quadros que trabalharam na Unidade de Crimes Graves (SCU) dizem recear que os documentos reunidos nos últimos cinco anos possam ir parar a mãos erradas.

"Quando se reuniram as provas e se levaram a cabo as investigações, muitas das vítimas e testemunhas da violência, que incluem violações e estupros, manifestaram o seu receio e foram relutantes nos testemunhos que deram (Ó) por recearem a retaliação dos responsáveis, que incluem antigos membros das milícias, polícias indonésios, militares e altos quadros das forças armadas indonésias e da antiga administração civil", destacam os subscritores da carta.

Os receios dos subscritores da carta assentam no real perigo que existe dos documentos - que passarão para as mãos das autoridades timorenses na sequência do fim formal das actividades da SCU em Junho - poderem cair em poder da Comissão de Verdade e Amizade (CVA), que integra elementos designados pelos governos de Timor-Leste e da Indonésia.

A SCU foi criada pela resolução 1271 do Conselho de Segurança para investigar e preparar os autos de acusação de julgamento dos responsáveis pelos crimes contra a Humanidade perpetrados em Timor- Leste, no período compreendido entre 01 de Janeiro e 25 de Outubro de 1999.

O mandato da SCU chegou ao fim no dia 20 com a aplicação das resoluções 1543 e 1573 do Conselho de Segurança, que determinaram igualmente o final da Missão de Assistência da ONU em Timor-Leste (UNMISET), substituída desde aquela data por uma missão política, o Escritório da ONU em Timor-Leste (UNOTIL).

Os actos de violência levados a cabo em Timor-Leste, com a preparação, realização e apuramento dos resultados da consulta popular de Agosto de 1999, patrocinada pela ONU e que culminou com a saída do ocupante indonésio, provocaram 1.339 vítimas mortais e 391 acusações.

Destas 391 acusações, apenas foram julgados 87 arguidos.

Os restantes 303, entre os quais o ex-ministro da Defesa e da Segurança, general Wiranto, nunca foram a tribunal e a Indonésia nunca se preocupou em julgá-los, ilibando-os das acusações que sobre eles impendem ou condenando-os.

Para avaliar em que ponto ficou a aplicação da justiça em Timor-Leste, um compromisso da comunidade internacional quando interveio em socorro dos timorenses, em 1999, foi decidido criar a Comissão de Peritos (COE), composta por três juristas, que esteve em Díli em Abril passado e que terminou no passado dia 20 uma estada de dois dias em Jacarta.

O relatório a entregar a Kofi Annan deverá identificar as opções para o envolvimento da comunidade internacional em levar a tribunal os responsáveis morais e materiais pelos crimes contra a Humanidade ainda a monte, presumivelmente na sua maioria em solo indonésio.

A formação desta comissão, que integra Yozo Yokota, do Japão, Prafullachandra Bhagwati, da Índia, e Shaista Shameem, de Fiji, foi primeiro rejeitada, depois desvalorizada e finalmente tolerada pela Indonésia e aceite por Timor-Leste, embora Díli nunca tenha escondido ser prioritário manter boas relações com Jacarta.

Os dois países, numa iniciativa a que os presidentes Xanana Gusmão, de Timor-Leste, e Susilo Bambang Yudhoyono, da Indonésia, e o chefe da diplomacia timorense, José Ramos-Horta, emprestaram todo o seu peso político, decidiram criar em Março passado a chamada Comissão de Verdade e Amizade (CVA).

A CVA, constituída para resolver definitivamente os eventos de 1999, segundo os seus promotores, começará a trabalhar em Agosto e deverá ter 10 elementos.

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