Empresas fornecedoras de imagem por satélite estão a restringir imagens de Gaza

Os principais fornecedores de fotografias de satélite que divulgam este serviço para agências de comunicação social, bem como para outras fontes de investigação particular, estão a limitar o acesso às imagens da região de Gaza, após uma reportagem do New York Times que dava conta das posições dos tanques israelitas através de imagens registadas por satélite.

Nuno Patrício - RTP /
Imagem por satélite do norte de Gaza revelando o fumo dos bombardeamentos naquela região. Foto: Planet via Reuters

Uma dessas empresas, a Planet Labs, bem como um conjunto de outras empresas fornecedoras deste tipo de imagens, revolucionaram a cobertura de guerras e catástrofes, oferecendo ao público acesso a imagens de alta resolução que, até recentemente, estavam disponíveis apenas para agências de inteligência governamentais.

Exemplo disso mesmo foi o conjunto de imagens reveladas durante os primeiros dias da invasão da Ucrânia, em 2022.

As empresas comerciais de satélite forneceram algumas das imagens sobre como o conflito se estava a desenvolver no terreno, tornando a guerra na Ucrânia o primeiro conflito moderno em que jornalistas, investigadores e população em geral, interessados nestes conteúdos, podiam monitorizar e acompanhar a evolução do conflito através de imagens com elevado detalhe.

Contudo, com a chegada de uma nova guerra e com a incursão terrestre de Israel em território palestiniano, em Gaza, os mesmos fornecedores de imagens de satélite passaram a estar menos disponíveis.
Há uma restrição legal adicional às fotos de satélite de Israel, relata o jornal online Payload: “De acordo com a Emenda Kyl-Bingaman (KBA), que foi aprovada no NDAA de 1997, as empresas norte-americanas não podem divulgar imagens de Israel que estejam numa resolução mais alta do que a distribuída por empresas não norte-americanas.
De acordo com um artigo publicado pelo jornal online Semafor, a Planet, empresa sediada em São Francisco, criada em 2010 por ex-cientistas da NASA, restringiu e obscureceu, nos últimos dias, partes de imagens sobre a Faixa de Gaza aos seus utilizadores, incluindo organizações noticiosas.

Esta prática tem vindo a ser registada desde a semana passada, altura quem que a empresa mandou retirar algumas imagens de Gaza da aplicação web da Planet, quando antes se podia livremente fazer download das imagens em questão.

Agora a empresa distribuidora das ditas imagens por satélite vem referir que informou alguns utilizadores que “durante conflitos ativos a Planet pode modificar as imagens publicadas no arquivo.”

Imagens disponibilizadas pela Planet labs PBC via Reuters de 15 de outubro.

Uma informação avançada ao jornal online ‘Semafor’ por assinantes do site adianta que entre os dias 30 de outubro e 1 de novembro, a empresa não forneceu qualquer imagem de baixa ou média resolução, da área norte da Faixa de Gaza, onde parte da atividade militar israelita estava concentrada.

Dois assinantes contactados pelo jornal online referem também que, desde 22 de outubro, não é possível aceder às imagens de alta resolução de Gaza na plataforma web da Planet.

Antes desta restrição são vários os testemunhos e provas documentais do fornecimento e acesso a imagens de alta resolução do território, com grande detalhe nas áreas ao redor de Gaza.

Mas agora a empresa está apenas a compartilhar imagens de resolução média, dos arredores, em ficheiros poucos frequentes, para além de não haver imagens de Gaza de baixa ou média resolução desde sexta-feira.

E quanto às imagens que ainda vão sendo divulgadas, e que não se regista obstrução das imagens, as mesmas surgem mas com um elevado desfasamento temporal.

De acordo com o Semafor a Planet e a concorrente, a Maxar Technologies, divulgaram imagens compartilhadas com o New York Times, Washington Post e outros meios de comunicação, mas com um atraso significativo.

Imagem de satélite fornecida pela MAXAR a 20 de Outubro, dos camiões de ajuda humanitária à espera de entrar em território palestiniano via Egito. Foto: MAXAR via Reuters

A partir de 3 de novembro, ambos os jornais compartilharam imagens exclusivas tiradas pela Planet, mas que datavam de 1 de novembro.

Já a Airbus, outro grande fornecedor comercial de imagens de satélite, não compartilhou imagens de Gaza.
De acordo com peritos familiarizados com o assunto, referem que o nível de detalhe na reportagem do New York Times, de 19 de outubro, com imagens mostrando posições de tanques israelitas no norte de Gaza era impressionante.
Após um pedido de explicações à Planet, a empresa não forneceu qualquer dados sobre o porquê de restringir ou retardar a divulgação de imagens de Gaza nos últimos dias.

Mas as imagens comerciais registadas por satélite do conflito preocuparam as autoridades de segurança norte-americana.

Já o porta-voz da Planet disse que, embora não pudesse comentar sobre usuários específicos, a empresa estava “a trabalhar em todos os processos de resposta a crises para tentar apoiar melhor nossos clientes e parceiros quer governamentais, média e organizações humanitárias”.

Imagem via satélite fornecida pela MAXAR que revelam a destruição realizada pela artelharia israelita na cidade de Beit Hanoun, no norte de Gaza. Foto: Maxar Technologies via Reuters

Este tipo de serviço - imagens por satélite – disponível e de acesso fácil na internet constitui uma mais valia no campo da investigação cientifica e comercial.


Com a evolução tecnológica e a entrada em campo de várias empresas privadas no negócio espacial, este tipo de serviço, inicialmente restrito e apenas regulado pelas agências estatais e governamentais, passou a ter um acesso mais facilitado, de fácil visualização
, como por exemplo o Google Earth, muito embora com imagens de arquivo.

Mas com modernização e a privatização do setor espacial, cada vez mais aguerrida - com empresas como One web ou a Starlink de Elon Musk - que se revelou crucial para o esforço de guerra ucraniano, abriu portas a um novo mundo digital através do espaço. E entre as novas empresas privadas, a informação não se restringe apenas aos dados, sendo o campo visual uma área muito atrativa e lucrativa.

É aqui que a Planet e outros fornecedores comerciais de imagens de satélite entram e contribuem na recolha de informações, permitindo que várias organizações particulares, não-governamentais ou mesmo estatais possam recolher dados importantes no controlo climático e gestão territorial. Mas para eles, tal como para a Starlink, as escolhas também passam pela segurança nacional.

E se, por exemplo e relembrando, o governo norte-americano, houve momentos em saudou o papel desempenhado por estes recursos, como o período que antecedeu a guerra na Ucrânia, em que as imagens de satélite disponíveis ao público ajudaram a convencer muitos cépticos da invasão russa, agora a situação em Gaza revelou-se mais sensível.
PUB