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Energia nuclear. A nova aposta ambiental ainda vai no adro apesar de existir há 70 anos
Em tempos de COP26 e de mudança do clima a exigir a descarbonização para salvar o planeta, as energias limpas, como o nuclear, estão a ganhar popularidade. Mas uma especialista entrevistada pela televisão al-Jazeera alerta que a tecnologia para tornar os reatores comuns, além de seguros, ainda está distante: uns 10 a 20 anos no futuro. Além de que, no final de tudo e apesar dos recentes avanços, a eletricidade produzida via reatores poderá revelar-se mais cara do que, por exemplo, a baseada no aproveitamento energético do sol ou do vento.
Vários países anunciaram investimentos avultados para os próximos anos na tecnologia nuclear sem que os ambientalistas esboçassem sequer um protesto. Para muitos governos, a energia produzida à custa da fissão nuclear parece ser a resposta possível à urgência climática, apesar dos riscos bem conhecidos com os desastres de Chernobyl ou de Fukushima.
“Os capitais necessários para construir uma central são enormes”, diz Allison. “Penso que estamos a estimar 14 mil milhões de dólares por central, nas da Vogtel na Georgia. Isso para uma capacidade de geração de uns mil gigawatts”. “São realmente muito caras de construir e levam muito tempo a construir”, acrescenta. “É preciso por isso ter em conta não só o capital investido mas também dos juros desse mesmo investimento, o que se torna os custos finais realmente elevados”.
A entrevista na sua totalidade pode ser lida em inglês aqui.
A China pretende construir mais de 150 novas centrais nos próximos 15 anos, mais do que todas as construídas em 70 anos em todo o planeta, para substituir as suas fábricas de eletricidade a carvão.
Na mesma onda, a secretária norte-americana para o setor energético, Jennifer Granhol, afirmou perante a COP26 que a produção federal de eletricidade dos EUA irá passar sem dúvida pelo nuclear. Atualmente, 19 por cento da energia norte-americana vem de centrais nucleares.
Para alcançar o objetivo de “zero emissões” a França prometeu por seu lado o regresso ao nuclear mas com novas centrais baseadas em minimódulos de reatores, os chamados SMR (small modular reator) uma tecnologia aplaudida pelas Nações Unidas como o novo santo graal das energias limpas.
Há até multimilionários como Bill Gates e Warren Buffet a apostarem na nova tecnologia de reatores avançados.
Seria bom que fosse assim tão simples salvar o planeta, mas infelizmente a realidade é mais complicada. Logo à partida, porque a nova tecnologia ainda não saiu dos computadores para a fase de testes e há muito a palmilhar para detetar os problemas mais ínfimos que não coloquem a segurança de humanos e do meio-ambiente em risco.
Dez a 20 anos no futuro
A salvação não está por isso já ao virar da esquina por razões muito pragmáticas, de acordo com Allison MacFarlane, professora e diretora da Escola de Políticas Públicas e Questões Globais da Universidade da Columbia Britânica e ex-diretora da Comissão Reguladora do Nuclear dos EUA, que se assume como “nem defensora nem detratora” do nuclear.
“Não acredito que, pelo menos nos próximos 10 ou 20 anos, a energia nuclear possa ter um impacto significativo na redução de emissões de carbono, porque não conseguimos construir novas centrais suficientemente rápido”, explica à al-Jazeera. A tecnologia nuclear tem estado a ser aplicada desde 1952. Para uso doméstico, de produção de eletricidade, provoca-se a divisão dos átomos e a energia dessa fissão aquece água, cujo vapor move turbinas.
Os problemas começam logo na produção dos reatores. “Requerem um nível de controlo de qualidade e de gestão de programação inexistente na maioria das outras indústrias”, refere a especialista, lembrando que a sua produção na fábrica de Vogtle não correu bem. “Durante anos construíram-nos de forma incorreta, soldaram-nos mal e tiveram de voltar a ser soldados no local da central”.
Os chamados novos reatores poderão esbarrar em problemas semelhantes. Aliás a maioria nem são ideias novas mas recuperam anteriores desenhos que nunca saíram do papel ou dos pequenos módulos de teste, diz a professora MacFerlane.
“Em engenharia desenha-se algo – atualmente com o auxílio de computadores – e constrói-se um modelo a pequena escala, para detetar erros de design para os corrigir. Depois disso tem de construir o modelo à escala real e nessa altura haverá erros que não foram detetados antes e há que corrigir esses também”, refere.
Em muitos desses novos reatores agora tão apregoados “estamos ainda na fase do modelo computacional. Não demos os outros passos. E estes passos exigem anos. E quando se chega ao modelo em escala real, é bastante caro. De onde vem o dinheiro?”, quer saber ainda a especialista.
Dispendioso
Ou seja, o nuclear é caro. Análises ao custo de produção de energia provaram que, dividindo os custos de construção de uma central e da sua manutenção e funcionamento na sua vida útil pela sua produção anual de eletricidade, há opções mais baratas como a energia solar e do vento, em termos de grandes escalas.
A tecnologia MRS poderá resolver este problema “que realmente prejudica o nuclear”, mas não está ainda provado que fique mais barata. “Ninguém ainda construiu nenhum mini reator modular e ninguém estabeleceu as cadeias de abastecimento para os construir e operar, não temos realmente ideia nenhuma do que poderão custar”, reflete MacFarlane.
Por outro lado, a intermitência das tecnologias solar e eólica, antes um problema, está a revelar-se uma vantagem face ao nuclear. “A indústria adaptou-se”, afirma a professora universitária e, apesar de a produção de um reator ser contínua, “o nuclear ou está ligado ou desligado, não há meio-termo e quando se desliga demora muito a voltar a produzir”.
E há que dispor dos resíduos de forma segura, também, apesar de ser atualmente mais fácil do que há uns anos. “Não há tecnologia dessas à mão de semear”, frisa Allison MacFarlane.
A especialista lembra ainda o problema de garantir que a proliferação de reatores nucleares não leve à expansão de armamento produzido por quem os desvie e aproveite sem controlo.