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Energia nuclear. A nova aposta ambiental ainda vai no adro apesar de existir há 70 anos

Em tempos de COP26 e de mudança do clima a exigir a descarbonização para salvar o planeta, as energias limpas, como o nuclear, estão a ganhar popularidade. Mas uma especialista entrevistada pela televisão al-Jazeera alerta que a tecnologia para tornar os reatores comuns, além de seguros, ainda está distante: uns 10 a 20 anos no futuro. Além de que, no final de tudo e apesar dos recentes avanços, a eletricidade produzida via reatores poderá revelar-se mais cara do que, por exemplo, a baseada no aproveitamento energético do sol ou do vento.

RTP /
Vapor de água escapa-se pelas chaminés das torres de arrefecimento na central nuclear da EDF (Eletricité de France) em Belleville-sur-Loire, em outubro de 2021 Reuters

Vários países anunciaram investimentos avultados para os próximos anos na tecnologia nuclear sem que os ambientalistas esboçassem sequer um protesto. Para muitos governos, a energia produzida à custa da fissão nuclear parece ser a resposta possível à urgência climática, apesar dos riscos bem conhecidos com os desastres de Chernobyl ou de Fukushima.

A China pretende construir mais de 150 novas centrais nos próximos 15 anos, mais do que todas as construídas em 70 anos em todo o planeta, para substituir as suas fábricas de eletricidade a carvão.

Na mesma onda, a secretária norte-americana para o setor energético, Jennifer Granhol, afirmou perante a COP26 que a produção federal de eletricidade dos EUA irá passar sem dúvida pelo nuclear. Atualmente, 19 por cento da energia norte-americana vem de centrais nucleares.

Para alcançar o objetivo de “zero emissões” a França prometeu por seu lado o regresso ao nuclear mas com novas centrais baseadas em minimódulos de reatores, os chamados SMR (small modular reator) uma tecnologia aplaudida pelas Nações Unidas como o novo santo graal das energias limpas.

Há até multimilionários como Bill Gates e Warren Buffet a apostarem na nova tecnologia de reatores avançados.

Seria bom que fosse assim tão simples salvar o planeta, mas infelizmente a realidade é mais complicada. Logo à partida, porque a nova tecnologia ainda não saiu dos computadores para a fase de testes e há muito a palmilhar para detetar os problemas mais ínfimos que não coloquem a segurança de humanos e do meio-ambiente em risco.
Dez a 20 anos no futuro
A salvação não está por isso já ao virar da esquina por razões muito pragmáticas, de acordo com Allison MacFarlane, professora e diretora da Escola de Políticas Públicas e Questões Globais da Universidade da Columbia Britânica e ex-diretora da Comissão Reguladora do Nuclear dos EUA, que se assume como “nem defensora nem detratora” do nuclear.

Não acredito que, pelo menos nos próximos 10 ou 20 anos, a energia nuclear possa ter um impacto significativo na redução de emissões de carbono, porque não conseguimos construir novas centrais suficientemente rápido”, explica à al-Jazeera. A tecnologia nuclear tem estado a ser aplicada desde 1952. Para uso doméstico, de produção de eletricidade, provoca-se a divisão dos átomos e a energia dessa fissão aquece água, cujo vapor move turbinas.

Os problemas começam logo na produção dos reatores. “Requerem um nível de controlo de qualidade e de gestão de programação inexistente na maioria das outras indústrias”, refere a especialista, lembrando que a sua produção na fábrica de Vogtle não correu bem. “Durante anos construíram-nos de forma incorreta, soldaram-nos mal e tiveram de voltar a ser soldados no local da central”.

Os chamados novos reatores poderão esbarrar em problemas semelhantes. Aliás a maioria nem são ideias novas mas recuperam anteriores desenhos que nunca saíram do papel ou dos pequenos módulos de teste, diz a professora MacFerlane.

“Em engenharia desenha-se algo – atualmente com o auxílio de computadores – e constrói-se um modelo a pequena escala, para detetar erros de design para os corrigir. Depois disso tem de construir o modelo à escala real e nessa altura haverá erros que não foram detetados antes e há que corrigir esses também”, refere.

Em muitos desses novos reatores agora tão apregoados “estamos ainda na fase do modelo computacional. Não demos os outros passos. E estes passos exigem anos. E quando se chega ao modelo em escala real, é bastante caro. De onde vem o dinheiro?”, quer saber ainda a especialista.
Dispendioso
Ou seja, o nuclear é caro. Análises ao custo de produção de energia provaram que, dividindo os custos de construção de uma central e da sua manutenção e funcionamento na sua vida útil pela sua produção anual de eletricidade, há opções mais baratas como a energia solar e do vento, em termos de grandes escalas.

Os capitais necessários para construir uma central são enormes”, diz Allison. “Penso que estamos a estimar 14 mil milhões de dólares por central, nas da Vogtel na Georgia. Isso para uma capacidade de geração de uns mil gigawatts”. “São realmente muito caras de construir e levam muito tempo a construir”, acrescenta. “É preciso por isso ter em conta não só o capital investido mas também dos juros desse mesmo investimento, o que se torna os custos finais realmente elevados”.

A tecnologia MRS poderá resolver este problema “que realmente prejudica o nuclear”, mas não está ainda provado que fique mais barata. “Ninguém ainda construiu nenhum mini reator modular e ninguém estabeleceu as cadeias de abastecimento para os construir e operar, não temos realmente ideia nenhuma do que poderão custar”, reflete MacFarlane.

Por outro lado, a intermitência das tecnologias solar e eólica, antes um problema, está a revelar-se uma vantagem face ao nuclear. “A indústria adaptou-se”, afirma a professora universitária e, apesar de a produção de um reator ser contínua, “o nuclear ou está ligado ou desligado, não há meio-termo e quando se desliga demora muito a voltar a produzir”.

E há que dispor dos resíduos de forma segura, também, apesar de ser atualmente mais fácil do que há uns anos. “Não há tecnologia dessas à mão de semear”, frisa Allison MacFarlane.

A especialista lembra ainda o problema de garantir que a proliferação de reatores nucleares não leve à expansão de armamento produzido por quem os desvie e aproveite sem controlo.

A entrevista na sua totalidade pode ser lida em inglês aqui.
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