Equipa de Biden. Escolha de defensor das energias fósseis suscita críticas

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Cedric Richmond (à esq.) com o agora presidente-eleito Joe Biden, ainda numa acção de campanha no último mês de Outubro Brian Snyder, Reuters

O presidente eleito dos Estados Unidos está já a constituir a equipa que deverá acompanhá-lo na Casa Branca. Mas nem todos os nomes são consensuais. A escolha de Cedric Richmond para o lugar de conselheiro de Joe Biden e director do Gabinete da Casa Branca para o Compromisso Público está a suscitar as maiores dúvidas dos movimentos pelo ambiente. Richmond, membro do Congresso pelo Partido Democrata, tem um currículo de cooperação com as grandes indústrias de combustíveis fósseis que parece renegar o compromisso de Biden com a causa ambiental.

Apesar da renitência do presidente Donald Trump em dar início ao processo de transição na Casa Branca, negando inclusive o acesso dos assessores de Joe Biden à informação mais crucial, o presidente eleito começou já a definir a sua equipa para a Administração que entra em funções a 20 de Janeiro.

A equipa de Biden inclui meio milhar de nomes, com uma constituição – 52% são mulheres e 46% negros, latinos e asiáticos – que procura responder às promessas de campanha de unir uma América estilhaçada pela anterior Administração. E não só, refere o comunicado da equipa de Biden: “[São nomes] que demonstram o compromisso do presidente eleito em construir um governo que se pareça com a América”. Algumas escolhas podem ser problemáticas, face às promessas do programa que garantiu a eleição de Biden, e Cedric Richmond é um desses casos.

Um aliado fiel de Biden na última campanha, Richmond foi escolhido pelo agora presidente-eleito para seu conselheiro e também para ocupar o cargo de director do Gabinete da Casa Branca para o Compromisso Público. Na mira das críticas está o currículo deste democrata do Louisiana.

Em dez anos no Congresso americano, Richmond, membro da Câmara dos Representantes, manteve uma ligação estreita com as grandes companhias de exploração de energia fóssil e foi um dos democratas que mais lutou contra a limitação do fracking (técnica de extracção de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo através do fraturamento hidráulico), precisamente uma matéria em relação à qual Biden navegou em águas agitadas durante a campanha presidencial para, finalmente, se declarar contra no segundo debate com Donald Trump, procurando reforçar a sua agenda ambiental.

Joe Biden garantiu durante a corrida à Casa Branca que o combate às mudanças climáticas é um ponto cimeiro da sua agenda, prometendo desde logo o regresso dos Estados Unidos ao Acordo de Paris assim que assumir a liderança do país. Mas a escolha de Cedric Richmond para a sua equipa dá uma indicação contrária a essa via.

Richmond, na sua aliança com a indústria energética, arrecadou das grandes empresas de gás e combustíveis uma soma em doações que ronda os 341 mil dólares (287 mil euros). De acordo com a contabilidade feita pelos media americanos, é um montante que o coloca como o quinto maior “beneficiado” entre os democratas da Câmara dos Representantes. Neste total está incluída uma verba de 40 mil dólares (34 mil euros) da ExxonMobil.

De acordo com o Politico, uma das funções de Cedric Richmond será “a ligação [da Casa Branca] com a comunidade empresarial e os activistas das alterações climáticas”.

No entanto, além das verbas arrecadadas da indústria poluente, pesa ainda a Richmond um currículo de fractura com o seu partido nas principais votações em assuntos ambientais: por exemplo, durante a crise climática que abalou o Louisiana, Richmond juntou-se aos republicanos para fazer passar o aumento de exportações de combustíveis fósseis e promover o desenvolvimento da rede de oleodutos. Votaria ainda contra a legislação democrata para impor limites de poluição ao fracking, como deu o seu voto à legislação proposta pelos republicanos com vista a limitar a autoridade da Administração Obama para apertar a regulamentação desta técnica de extração.

Um percurso que deverá causar inquietação no seio da causa verde quando Richmond já fez saber que “este novo papel” lhe permitirá “dar conselhos ao presidente quando ele o quiser, e por vezes talvez quando ele não o quiser”, de acordo com uma declaração citada pela CNN após a eleição de Biden.

Esta terça-feira, lembrando que Richmond não se comprometeu até ao momento com um novo acordo climático, o Movimento Sunrise declarava que “Cedric Richmond arrecadou muito dinheiro da indústria dos combustíveis fósseis, e uniu-se a ela enquanto os poluidores envenenaram a sua própria comunidade”.

“Como é que os jovens e as comunidades da linha da frente podem confiar que as nossas vozes serão tidas mais em conta do que as grandes petrolíferas numa Administração Biden?”, questiona o movimento popular, com o seu director executivo, Varshini Prakash, a falar do que “hoje parece uma traição, uma das primeiras contratações do presidente-eleito Biden para a sua nova Administração recebeu mais doações da indústria de combustíveis fósseis durante a sua carreira no Congresso do que qualquer outro democrata”.

Para Prakash, a escolha de Richmond “é uma afronta ao eleitorado mais jovem, que tornou possível a eleição de Biden”.
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