Está a roupa em segunda mão a tornar-se um produto de luxo? O duplo jogo entre o prestígio e a solidariedade

"Antes, as doações eram geralmente de melhor qualidade. Hoje, os sacos chegam cheios de roupas de baixo custo, danificadas e por vezes invendáveis, o que aumenta os custos de triagem e processamento", diz Belinda Torres Leclerq, coordenadora dos meios de comunicação da Oxfam.

Um Olhar Europeu com RTBF /
Infinity Collection @ Oxfam

A campanha "Infinity Collection", lançada pela ONG, responde a uma dupla urgência, explica a coordenadora: "Por um lado, a coleção está a sofrer a concorrência da moda rápida e de plataformas como a Vinted. Por outro, as doações de alta qualidade ainda existem e podem financiar a ação social".
Entre ofertas topo de gama e o acesso dos mais desfavorecidos
A presença de peças caras nas prateleiras levanta a questão de uma eventual exclusão. Segundo Belinda lecrerq, "estas coleções são um complemento à oferta existente e não substituem as lojas solidárias de baixo custo. Representam também uma alavancagem financeira imediata, numa altura em que as necessidades são crescentes e as soluções públicas tardam em ser implementadas". Em 2024, a Oxfam recolheu mais de 4.000 toneladas de têxteis, mais 11% do que em 2023. Quanto à triagem de vestuário, a ONG triou 1600 toneladas, mais 400 toneladas do que no ano anterior.

Infinity Collection @ Oxfam

A segunda mão evoluiu na Bélgica como noutros países: já não é apenas uma rede social, mas um mercado atrativo. As lojas vintage especializadas e as plataformas online tornaram certas peças procuradas e, por conseguinte, mais caras. Estudos documentam este fenómeno de gentrificação. Para as classes privilegiadas, o "fripe" tornou-se uma atividade de lazer e uma peça de moda. Para as classes mais desfavorecidas, continua a ser muitas vezes um dos últimos meios de acesso aos bens de primeira necessidade. Com a multiplicação dos canais de revenda, assiste-se a uma caça ao tesouro, por vezes em detrimento da oferta mais popular.

Elisa Korpak é a fundadora de uma loja de artigos usados em Bruxelas. Segundo ela, "há coisas para todos os gostos, todos os orçamentos e todos os estratos sociais. Nos últimos dez anos, assistimos certamente ao aparecimento de bens mais "luxuosos" que são muito seletivos: peças vintage, artigos mais antigos, cortes de melhor qualidade e em melhor estado, o que implica preços mais elevados. Elisa Korpak salienta, por outro lado, que a roupa em segunda mão continua a ser mais acessível e contém muitas peças do mundo da moda rápida. "Na minha opinião, é preciso distinguir entre vintage e segunda mão: o primeiro é procurado, raro e valorizado, enquanto o segundo é mais para uso quotidiano".
Má gestão e falta de recursos

Por seu lado, vários intervenientes apontam para problemas estruturais. Laurie Pazienza, engenheira na área da energia e alterações climáticas, sublinha a insuficiência da triagem devido à falta de recursos, à fraca sensibilização dos doadores e à inadequação das infraestruturas.

"De facto, existe esta moda do Vintage, o que, de um modo geral, é bastante positivo", explica Laurie Pazienza. "Porque significa que as pessoas estão a repensar os seus hábitos de consumo em relação ao consumo em segunda mão. Isso é muito interessante".

A responsável insiste que "há roupa suficiente para todos, mas a má gestão leva a um desperdício sistemático". Uma parte significativa das peças consideradas invendáveis acaba por ser exportada para países como o Gana, com consequências ambientais e económicas problemáticas, por vezes descritas como neocoloniais. As associações sociais apelam a um maior investimento público para melhorar a triagem, supervisionar os canais e informar corretamente os cidadãos sobre a qualidade das doações".
Como preservar a justiça social?
"No fundo, a capacidade dos bens em segunda mão para continuarem a ser uma alavanca de justiça social depende de compromissos públicos e associativos", sublinha Laurie Pazienza. "É preciso investir em sistemas de triagem de alto desempenho, apoiar as estruturas de recolha com subsídios estáveis e informar melhor os doadores para limitar a chegada de artigos fora de uso. Precisamos também de controlar melhor as exportações e rastrear os canais para evitar que as roupas invendáveis se tornem um problema ecológico ou social no estrangeiro."

O vestuário em segunda mão parece, pois, ter-se tornado um objeto híbrido, simultaneamente "mercado, cultura e instrumento ecológico e de solidariedade". Se algumas peças se valorizarem sem privar o acesso às ofertas de solidariedade, o vestuário em segunda mão pode continuar a ser simultaneamente desejável e acessível. "O equilíbrio dependerá sobretudo da qualidade da triagem, da regulamentação dos canais e dos modelos económicos que financiam a ação social", conclui Laurie Pazienza.

Véronique Wese / 4 dezembro 2025 16:19 GMT

Edição e Tradução / Joana Bénard da Costa - RTP

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