Estados Unidos. Terceira vítima acredita que Kyle Rittenhouse era um atirador ativo

por RTP
A defesa exemplificou em tribunal como poderá ter sido morta a primeira vítima Reuters

O único sobrevivente do ataque de Kyle Rittenhouse, munido de uma arma semi-automática, disse acreditar que o adolescente era um "atirador ativo" e não uma pessoa que agia em legítima defesa. Também armado na terceira noite dos protestos, Gaige Grosskreutz disse que seguiu o adolescente porque anteviu os potenciais problemas e que tentou desarmá-lo. O julgamento do adolescente que matou dois homens durante os protestos que ocorreram após um homem negro ter sido baleado pela polícia, em Agosto de 2020, em Kenosha, estado do Wisconsin, está a revelar novos contornos da história.

O antigo paramédico Gaige Grosskreutz dirigiu-se para zona dos protestos pela justiça racial em Kenosha, no Estado do Wisconsin, com um kit de emergência médica mas também munido de uma pistola Glock. Acreditava que o kit seria necessário para ajudar os feridos, tal como tinha sido em anteriores dezenas de protestos Black Lives Matter.

Com 27 anos, Gaige Grosskreutz estava também munido de uma Glock que confirmou ter apontado para o réu, mas apenas por ter pensado que “ia morrer”. Em tribunal, Grosskreutz garantiu contudo que a sua intenção era desarmar Kyle Rittenhouse, quando foi ferido pela arma semi-automática do adolescente.

Grosskreutz contou que seguiu Kyle Rittenhouse porque anteviu os possíveis problemas e pensou que seria necessária ajuda médica. "Achei que o réu era um atirador ativo", disse Grosskreutz ao júri.

Esta terça-feira, a acusação disse ao tribunal que terminou o interrogatório das testemunhas, após várias sessões dedicadas a escutar depoimentos neste caso que divide os Estados Unidos.

Primeira vítima

O antigo paramédico não sabia então que o rapaz, na altura com 17 anos, tinha acabado de atirar fatalmente sobre Joseph Rosenbaum, de 36 anos. Contudo, o contexto da morte desta primeira pessoa às mãos de Rittenhouse ainda está envolto em mistério.

Numa sessão anterior do julgamento, um ex-fuzileiro naval que estava com Rittenhouse num stand de automóveis na noite do tiroteio contou que Rosenbaum tinha provocado e desafiado várias pessoas para que atirassem sobre ele. A vítima terá mesmo dado "um passo em falso" na sua direção.

“Depois de ele ter feito isso algumas vezes, virei as costas e ignorei-o", descreveu Jason Lackowski. Segundo o antigo fuzileiro, Rittenhouse estaria sozinho quando se encontrou com Rosenbaum.

Já o jornalista de um site de cariz conservador contou que a vítima insultou e chegou a investir contra a arma do réu antes de este disparar.

De acordo com Richie McGinniss, Rittenhouse apontava a arma com um ângulo de 45 graus em direção ao solo e terá movido a arma para a esquerda para evitar o contacto com Rosenbaum, mas estavam "muito próximos" um do outro.

Outra testemunha afirmou que Rosenbaum tinha ameaçado matar Rittenhouse no início da noite, atirou-lhe pedras e tentou atear fogos no stand de automóveis.

A namorada da vítima confirmou que lhe tinha sido diagnosticado transtorno bipolar e que não estava armado quando saiu na noite do tiroteio. Contudo, também referiu que, apesar de acreditar que Rosenbaum estava a tomar a medicação, as últimas receitas não puderam ser aviadas porque a farmácia estava fechada.

A defesa poderá utilizar este depoimento para questionar a estabilidade mental da vítima.

Segunda vítima

Grosskreutz disse que começou por preocupar-se com a segurança de Rittenhouse, que foi perseguido por manifestantes que gritavam “Apanhem-no”, tendo depois o adolescente caído. A testemunha contou então que viu Rittenhouse atirar em Anthony Huber, de 26 anos, que tinha lançado um skate na sua direção.

Ainda segundo Grosskreutz, o adolescente colocou outro cartucho na arma para que estivesse pronto para disparar, o que interpretou como um sinal de que o "réu não estava a aceitar a sua rendição".

“Naquela altura, senti que tinha de fazer alguma coisa e evitar que eu fosse morto ou alvejado”, contou Grosskreutz, cuja intenção seria retirar a arma a Rittenhouse ou detê-lo.

Grosskreutz é o único sobrevivente e testemunha da troca de tiros da noite de 25 de agosto. O seu interrogatório constitui a única oportunidade para que os advogados de ambas as partes tenham a perspetiva de sobrevivente e o seu testemunho sobre as ações do réu, que alega que na altura tinha motivos para temer pela vida.

Por outro lado, a defesa de Rittenhouse quer retratar Grosskreutz como uma pessoa desonesta, por não ter contado à polícia logo desde o início que estava armado e por as suas primeiras declarações serem inconsistentes.

Os advogados de defesa estão precisamente a explorar estas inconsistências, como o facto de Grosskreutz poder ser considerado uma ameaça uma vez que Rittenhouse só disparou quando o ex-paramédico lhe apontou uma arma e nunca nos momentos em que estava com as mãos ao alto.

Os jurados viram ainda vídeo de um encontro prévio entre Rittenhouse e Grosskreutz, durante o qual o adolescente disse que estava a dirigir-se à polícia.

O testemunho de Grosskreutz é considerado particularmente importante, no âmbito do maior julgamento desde que George Zimmerman foi absolvido do tiro fatal em Trayvon Martin, um adolescente negro desarmado, em 2013.

Kyle Rittenhouse é acusado de homicídio intencional de duas pessoas e da tentativa de homicídio de uma terceira, Grosskreutz, que acabou por ferir no braço. Natural de Antioch, no estado do Illinois, o jovem deslocou-se a Kenosha para proteger um estacionamento de carros usados depois dos tumultos e incêndios criminosos na cidade nas noites anteriores.

O jovem alega inocência e é esperado que seja chamado a depor para contar a sua versão dos factos que ocorreram na terceira noite de protestos contra os disparos da polícia sobre Jacob Blake, dias antes, que o deixaram paralítico da cintura para baixo.

As opiniões sobre Kyle Rittenhouse dividem-se: alguns conservadores que defendem a posse de armas e consideram os tiroteios justificados consideram-no um herói, enquanto a ala esquerda o apelida de assassino vigilante.

Se for condenado, Rittenhouse incorre em prisão perpétua.
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